Após conherem os efeitos negativos da exposição excessiva às telas, famílias procuram reduzir os danos. Mas, como fazer isso em um mundo cada vez mais digital?
São recentes os estudos sobre os malefícios do uso excessivo de eletrônicos no desenvolvimento infantil e muitos cuidadores ainda desconhecem os danos. O Lunetas conversou com especialistas e famílias para saber como reduzir o uso de telas na vida das crianças.
Nas ruas ou dentro de casa, a cena de alguém curvado olhando a tela de um celular é tão comum que praticamente virou parte da paisagem. Porém, os aparelhos eletrônicos não invadiram apenas a realidade dos adultos. A atenção das crianças também está cada vez mais capturada por esses aparelhinhos. Enquanto estudos começam a mostrar os efeitos na saúde mental e física das pessoas, passamos a entender um pouco melhor como o uso excessivo dos eletrônicos impacta o desenvolvimento das crianças.
“Diversos estudos mostram que o uso excessivo de telas pode prejudicar o desenvolvimento social, cognitivo e emocional infantil. Pode afetar o sono, a atenção, o humor”, conta a psicóloga Adriana Severine. Além disso, a interação com os pais pode diminuir consideravelmente, como apontaram pesquisadores australianos em estudo publicado na revista científica Jama Pediatrics.
Para aqueles que sentem culpa por terem liberado o uso das telas para os filhos tão cedo, a psicóloga diz que os pais devem se perdoar e focar em estabelecer novos hábitos. “Sentir culpa é comum, mas podemos transformá-la em ação positiva”, afirma. Assim, de acordo com ela, é possível “buscar alternativas saudáveis para uso do tempo e fortalecer o vínculo familiar”.
“Reconhecer o problema é o primeiro passo para a mudança”
Para reduzir o tempo de uso ou mesmo retirar as telas das crianças, a especialista lista alguns caminhos que podem ajudar os pais:
“A mudança de comportamento dos pais serve de exemplo para os filhos”
Quando percebeu que as crianças estão cada vez mais distantes do brincar livre e imersas nas telas, a neuropsicopedagoga Neyde Vieira sentiu um desejo profundo de resgatar a essência da infância. Com a Brinquedoteca Casa da Tia Neyde, em São Bernardo do Campo (SP), ela propõe uma rede de apoio para famílias e um espaço seguro, acolhedor e afetivo para as crianças.
“Priorizamos o brincar simbólico, os jogos, a interação social, a escuta ativa e o acolhimento genuíno. O foco é proporcionar experiências reais, estimular a criatividade e permitir que a criança seja quem ela quiser ser”, conta. Lá, o uso das telas é controlado em, no máximo, 30 minutos por dia e sempre sem acesso à internet. “Os resultados são incríveis: crianças mais confiantes, comunicativas e felizes.”
Como observa, “muitas famílias sobrecarregadas acabam recorrendo a dispositivos eletrônicos como forma de apoio. É compreensível, mas isso impacta no desenvolvimento infantil”, diz. Então, em sua casa, os filhos Pedro, 5, e Paulo, 2, podem assistir TV, mas não têm acesso irrestrito à internet.
“Quando temos uma consulta médica, por exemplo, sempre levo brinquedos ou livrinhos para colorir. O uso de celular é o último recurso”, afirma. Dessa forma, Neyde consegue estabelecer limites claros, sempre com muito diálogo. “Quando Pedro pediu para jogar Roblox, eu deixei, com as seguintes condições: apenas às sextas e sempre comigo ao lado. Não são permitidos jogos com conteúdo violento ou assustadores”, detalha.
Se você faz parte do grupo de pais que se arrependem de entregar um celular aos filhos tão cedo, saiba que dá para reduzir os danos e reverter a situação. A psicóloga Adriana lembra que equilíbrio é uma das chaves para o uso saudável dos aparelhos eletrônicos. “As telas fazem parte do cotidiano. Portanto, quando usadas com consciência e moderação, podem ser ferramentas úteis”, explica. “O ponto central é garantir que as crianças tenham uma infância rica em experiências reais, interações sociais e atividades que promovam seu desenvolvimento integral.”
Assim, depois de ouvir meninas de 9 anos dizerem que não sabiam brincar e só queriam celular, a neuropsicopedagoga Neyde lembra algumas histórias de mudanças que viu acontecer. Como a de um menino muito tímido, da mesma idade, que, aos poucos, começou a brincar. Ele então passou a procurar fantasias e a interagir com outras crianças.
Do mesmo modo, ela cita o exemplo de outra criança de 12 anos, que tinha permissão para usar celular, mas se interessou por jogar Uno, fazer mímicas e assistir desenhos antigos, conseguindo, assim, deixar a tela de lado. “São momentos como esses que me fazem ter certeza: minha missão é proporcionar lembranças felizes e saudáveis da infância”, resume.
“No meu aniversário de 30 anos, organizei uma festa com brincadeiras de esconde-esconde. Foi emocionante ver crianças e até adultos redescobrindo o prazer de brincar, pois muitas crianças não sabiam nem as regras básicas dessas brincadeiras”, conta. Mas, além de brincadeiras de “vida real”, Neyde recomenda educação digital, supervisão, diálogo e equilíbrio.
“As telas podem ser aliadas, quando usadas com supervisão e moderação”, afirma a psicóloga Adriana Severine. Ou seja, além da orientação de um adulto, a introdução deve ser gradual, evitando o uso por períodos longos e ininterruptos. Por outro lado, smartphones e tablets conectados à internet, sem filtros, podem entregar conteúdos inadequados para a idade, além de expor as crianças a estímulos e interações que não promovem o desenvolvimento saudável”, alerta.
“A falta de controle sobre o que é consumido torna as telas mais perigosas”
Embora não exista idade certa para dar um celular à criança, é recomendável que ela demonstre maturidade para lidar com as responsabilidades e os riscos associados. Isso ocorre, geralmente, a partir dos 12 anos, segundo Adriana.
Mas Liliane Santos, mãe do Lucas, 8, não se arrepende de ter dado o aparelho quando ele tinha 5 anos. Apesar de ter notado que houve diminuição de criatividade e habilidade para trabalhos manuais, como massinhas, desenhos e maquetes, segundo ela, a experiência com telas, no geral, não foi negativa. “Ele viu muito conteúdo educativo, aprendeu. Porém, é necessário que haja supervisão frequente para acompanhar o que ele está acessando e estímulo para outras atividades. Caso contrário, ele opta por assistir ou jogar com os amigos no celular. O brincar deve ser prioridade.”
Fonte: Academia Brasileira de Pediatria
Dessa forma, a orientação de Adriana é garantir que o tempo total de exposição não ultrapasse as recomendações para cada faixa etária. “Dividir o tempo de tela em blocos menores ao longo do dia, com intervalos para atividades físicas e interações sociais, por exemplo, é menos prejudicial do que permitir longas sessões contínuas.”
Outras consequências já comprovadas do uso indiscriminado das telas:
Fontes: Academia Americana de Pediatria, Academia Americana de Psiquiatria Infantil e Adolescente e Sociedade Brasileira de Pediatria