Como ensinar as crianças a lidar com essa emoção tão complicada, de forma acolhedora, empática e verdadeira
O Lunetas conversou com especialistas para entender quais são os melhores caminhos para ajudar as crianças a lidar com a raiva e como os pais podem ensinar sobre limites, autocuidado e proteção.
A emoção que faz o coração acelerar, a barriga esfriar e as mãozinhas tremerem chega invadindo e bagunçando tudo. Lidar com a raiva não é nada fácil e também é difícil explicar, pois ela é catártica, caótica, e muitas vezes mal compreendida.
A emoção que nos faz “perder o controle” acontece inclusive com as crianças. Mas, primeiramente, é essencial saber: sentir raiva é normal e legítimo. Não há como evitar a emoção. Além disso, ela costuma ir embora assim como chegou: de repente.
Para guiar os pais no processo de ajudar as crianças a compreenderem o sentimento, o Lunetas ouviu especialistas e conta histórias de outras famílias que compartilham suas experiências.
“A raiva funciona como um alarme que mostra que algo está fora do lugar. Seja uma injustiça, um limite ultrapassado ou uma necessidade ignorada”, explica a psicóloga especialista em terapia cognitivo-comportamental, Ingredy Dias. “Quando bem compreendida e expressa com responsabilidade, a raiva nos ensina sobre autocuidado, proteção e limites. No entanto, o problema não é sentir raiva, mas não saber o que fazer com ela”, afirma a especialista.
Mas, a regulação emocional, que é a capacidade de gerenciar as próprias emoções, só vai ser possível conforme a criança avança no processo de aquisição da linguagem. “O cérebro da criança está em construção. Então, a área responsável pela regulação emocional – o córtex pré-frontal – amadurece lentamente e só alcança o seu pleno desenvolvimento na vida adulta”, explica a psicóloga. “ Por isso as crianças precisam de adultos que as ajudem a nomear, validar e organizar o que sentem. Essa corregulação é o alicerce para que, futuramente, elas aprendam a se autorregular.”
No caso dos bebês, a raiva aparece em forma de choro intenso ou movimentos corporais bruscos. Crianças pequenas, de até 5 anos, costumam expressar essa emoção com a famosa “birra”, gritos ou até mesmo agressividade física, pois estão aprendendo a comunicar o que sentem. “Conforme crescem, a expressão da raiva se torna mais verbal e pode surgir enfrentamento, isolamento ou até comportamentos desafiadores, dependendo do ambiente emocional ao redor”, detalha Ingredy.
Reprimir a raiva, por exemplo, algo comum no universo adulto, não é aconselhável, tampouco eficaz. “É como tapar o sol com a peneira: a raiva não desaparece, apenas se acumula e transborda em outros momentos. Às vezes em forma de ansiedade, dores no corpo ou explosões”, explica a psicóloga. Segundo ela, a criança que aprende a reprimir emoções pode se tornar um adulto que não sabe se posicionar, que sente culpa ao dizer “não” e que vive tentando agradar os outros, mesmo que se machuque.
Para ajudar as crianças, o primeiro passo é reconhecer que essa emoção está presente. “Dizer frases como ‘entendo que você está com raiva’ ajudam na validação. Depois, é importante ajudar a criança a nomear o que sente e encontrar meios seguros de expressão”, aconselha a especialista. “ Além disso é possível ensinar que a raiva não justifica a violência e que toda emoção tem um lugar e tempo para ser acolhida.”
Entre as ações que podem auxiliar nessa hora, estão:
A tendência é que os adultos reprimam a raiva ou não saibam bem como lidar quando ela chega. Então, os pais devem olhar primeiro para dentro de si, e entender como eles mesmo sentem essa complicada emoção.
“As crianças aprendem muito mais pelo que observam do que pelo que escutam. Se os pais gritam, explodem ou ignoram o que sentem, é provável que os filhos façam o mesmo”, esclarece a psicóloga. Ela detalha que quando os adultos se responsabilizam por suas emoções, mostram que sentir raiva não é errado, é humano e que existe um caminho para lidar com isso de forma respeitosa e consciente.
Por isso, a conversa sobre as emoções deve perpassar o exemplo que os pais dão. “Falar de raiva é falar de limites, identidade, pertencimento. Crianças emocionalmente saudáveis não são aquelas que nunca sentem raiva, mas que aprendem a expressá-las com responsabilidade”, resume. “E isso só é possível quando os adultos escolhem ensinar com presença, escuta e amor firme.”
Nos filmes infantis, esse sentimento também está presente e levanta muitos pensamentos. Por exemplo, em “Divertida Mente”, o Raiva é um senhorzinho mal-humorado que vive com a cabeça pegando fogo e bagunça a vida de Riley. Já para a garotinha Mei Lee, a raiva se personifica nela mesma quando vira um panda vermelho toda vez que fica emocionalmente instável, em “Red: crescer é uma fera”. Assim como no cinema, a literatura pode ajudar a conversar com as crianças sobre emoções. Confira algumas indicações que o Lunetas separou:
De fácil leitura, essa história conta o que acontece quando a raiva – que começa tão pequenininha, parecendo uma irritação – vai crescendo e tomando forma, até “devorar” tudo e todos à sua volta.
Essa obra conta com ilustrações e pequenos textos sobre diversas emoções: da alegria à vergonha. É um dicionário indicado para crianças um pouco maiores, que certamente vão se beneficiar ao entender tudo que os seres humanos são capazes de sentir.
O livro conta a história de Davi, o menino que se transforma em um dinossauro toda vez que fica com raiva. Indicado para crianças de todas as idades, traz explicações voltadas para os pais no início e apresenta estratégias para que as crianças aprendam a lidar com essa emoção.
Esse livro traz a história de uma mãe que, sobrecarregada, começa a se transformar em um monstro verde e assustador. É uma excelente sugestão para conversar com as crianças sobre como os adultos também sentem raiva, ficam irritados e “se transformam”.
Voltado para crianças maiores, é um livro interativo que funciona como um guia para que compreendam o que fazer quando chegar a irritação. Portanto, a ideia é trazer estratégias para controlar as ações quando estão com raiva e buscar um estado de calma.