Como enfrentar a barbárie e educar para a solidariedade?

A violência extrema que tem radicalizado discursos e ações chega às escolas na forma de ataques a essas comunidades e àquilo que representam

Gabriel Salgado Gustavo Paiva Publicado em 23.10.2023
Imagem em preto e branco de mãos unidas no centro.
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Resumo

Especialistas escrevem sobre como a violência adentra o muro das escolas, deixando-as ainda mais vulneráveis. Contra a barbárie, eles defendem uma cultura democrática e solidária, a partir de um compromisso entre sociedade, empresas e governos.

Acompanhamos a escalada de uma onda de ameaças, desinformação e insegurança dentro e fora das escolas após ataques como os que tiraram a vida da professora Elizabeth Tenreiro, em São Paulo (SP), e de quatro crianças entre cinco e sete anos, em Blumenau (SC). O medo da violência e as notícias falsas que se multiplicam pelas redes sociais e aplicativos de conversa têm gerado pânico coletivo e levado famílias, profissionais da educação e toda a sociedade a exigir medidas urgentes do poder público.

Contudo, para além das respostas mais imediatas, há um trabalho de médio e longo prazo a ser feito, envolvendo o compromisso das plataformas digitais, o fortalecimento das condições de trabalho dos profissionais de educação e uma construção conjunta com a participação de estudantes, professores e demais representantes da comunidade escolar.

Isso porque os casos de violência extrema contra comunidades educativas e contra o que a própria escola representa, cada vez mais recorrentes no Brasil e no mundo, são um fenômeno complexo, em que a violência observada em nossa sociedade adentra os muros da escola, tomando-a símbolo do que se quer exterminar, ou como alvo de uma resposta extrema a violências sofridas nestes ambientes. Em ambos os casos, apesar de não haver soluções fáceis para lidar com a questão, é urgente cuidar das comunidades atingidas e evitar que novos casos ocorram.

No Brasil, eventos do tipo passaram a ser registrados a partir da primeira década dos anos 2000. De lá até 2022, de acordo com relatório produzido pelo Grupo de Trabalho de Educação do Gabinete de Transição do Governo Federal, foram registrados ao menos 16 ataques, dos quais quatro aconteceram no segundo semestre de 2022, deixando 35 vítimas fatais e 72 feridos.

O aumento expressivo nos números está diretamente relacionado à cultura política e comunicacional de nosso tempo, em que os discursos de ódio e as violências simbólicas e concretas têm circulado livremente e sido usados como ferramenta política. Tais práticas expõem principalmente crianças e adolescentes que, por ainda estarem em fase de desenvolvimento físico, psíquico, cognitivo e social, têm mais dificuldades para lidar e se proteger de tais conteúdos, tornando-se mais vulneráveis.

Portanto, é preciso encarar urgentemente o debate de regulamentação das plataformas digitais, onde hoje extremistas têm encontrado abrigo para livremente disseminar intolerância, trocar informações e promover ataques, provendo uma internet segura para e com as crianças e os adolescentes.

Outra questão fundamental diz respeito ao acesso facilitado a armas e munições, aumentado nos últimos anos, o que amplia a letalidade potencial de ações de violência contra escolas. No âmbito simbólico, é inegável o efeito nefasto que o armamentismo e sua lógica de “lei do mais forte” e “justiça pelas próprias mãos” causam na educação de meninos e meninas. Estimula-se justamente o contrário do que prevê a educação democrática e solidária de que tanto precisamos.

O que a escola representa?

A escola é um dos principais atores do Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes no Brasil, atuando não somente na garantia do direito à educação, mas também no direito à saúde, ao brincar, à alimentação e à segurança e prevenção das violências. Apesar de seu papel central, ela não pode ser cobrada de, isoladamente, dar uma resposta satisfatória para as múltiplas violências que são produzidas em outras esferas. Este deve ser um compromisso coletivo, de toda a sociedade, junto de ações concretas e articuladas do poder público.

A necessidade de dar respostas efetivas não deve, no entanto, nos submeter a políticas e práticas que restrinjam o diálogo e a integração entre escola e comunidade, que limitem a expressão dos estudantes e educadores e que promovam a militarização dos espaços escolares.

Não será pela lógica do silenciamento e da repressão que construiremos caminhos de solidariedade e democracia.

A prevenção à violência passa obrigatoriamente pelo combate aos discursos de ódio, ao racismo, ao machismo, à homo, bi e transfobia, à intolerância religiosa e a outras variadas formas de discriminação e violações aos direitos humanos, integrando tais debates no âmbito curricular e das práticas educativas. Afinal, essas violências alimentam, muitas vezes, o bullying e os conflitos invisibilizados que podem vir a ensejar manifestações de ódio como os casos extremos que temos acompanhado nas unidades de ensino.

É necessário, para isso, fortalecer a participação e o protagonismo de estudantes, para que se reconheçam e se comprometam com a solução dos problemas que mais os afetam, além de apoiar profissionais da educação, por meio de formações continuadas e suporte intersetorial para sua saúde física e especialmente mental. É preciso garantir também condições para identificar possíveis riscos e atender as comunidades expostas a eventos traumáticos, como os que ocorreram este ano.

Precisamos, urgentemente, proteger a comunidade escolar, as crianças e os adolescentes, desenvolvendo estratégias para enfrentar a barbárie e educar para a solidariedade e para a democracia, a partir de condições efetivas para a atuação pedagógica das escolas e de um compromisso do poder público, da sociedade civil e de empresas, especialmente no âmbito das plataformas digitais.

Que juntos e juntas possamos nos comprometer com a não disseminação de discursos de ódio e com valores como a não-violência ativa, a diversidade cultural, a tolerância, a liberdade de opinião, o respeito mútuo, a resolução de conflitos, o consumo responsável e o sentimento de pertencimento e cuidado consigo, com o outro e com o planeta!

* Gabriel Salgado é coordenador de educação no Instituto Alana, organização de impacto socioambiental que promove o direito e o desenvolvimento integral da criança e fomenta novas formas de bem viver. Ele é graduado em jornalismo pela Unesp e especialista em sociologia pela FESPSP, além da experiência na área de Direitos Humanos, principalmente na construção de políticas públicas voltadas à educação e participação de crianças e adolescentes. Gustavo Paiva é analista de relações governamentais do Instituto Alana. Graduado em Comunicação Social e em Letras, é especialista em literatura para crianças e jovens. Tem experiência como educador popular, professor dos ensinos fundamental e médio e, no terceiro setor, em projetos de educação em direitos humanos, advocacy e participação social.
** Este texto é de exclusiva responsabilidade dos autores e não reflete, necessariamente, a opinião do Lunetas.

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