Não é só mais um caso de violência nas escolas brasileiras

Especialistas apontam bullying e discursos violentos como principais motivos por trás dos ataques em escolas; o saldo são 35 mortos e 70 feridos

Célia Fernanda Lima Publicado em 28.03.2023
Foto em preto e branco de um menino de costas sentado num banco e ao lado sua mochila
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Resumo

Bullying e exposição à violência na família ou em ambientes virtuais são as principais causas de ataques violentos nas escolas, segundo pesquisas.

Bullying, misoginia e exposição a processos violentos na família e em ambientes virtuais são alguns dos fatores que mais incitam casos de violência extrema nas escolas, segundo especialistas. Um dia após o caso do adolescente de 13 anos que atacou com golpes de faca professores e estudantes de uma escola pública de São Paulo, deixando uma professora morta, um adolescente de 15 anos foi apreendido no Rio de Janeiro ao tentar atacar uma colega da escola com uma faca. Segundo investigações, o estudante também tinha um professor como alvo.

Não são casos isolados

Depois de casos de grande repercussão, como a tragédia de Realengo, no Rio de Janeiro, em que um ex-aluno matou 12 estudantes dentro da antiga escola; e em São Caetano do Sul, no ABC paulista, quando um menino de 10 anos atirou na professora e se matou em seguida, alguns casos mais recentes de violência nas escolas trazem de novo à tona reflexões sobre a situação da educação e da saúde mental dos estudantes brasileiros. Segundo destacou o professor Rafael Parente, “aconteceram mais ataques armados em escolas nos últimos 10 anos do que nos 50 anteriores”.

Ao todo, são 23 casos de ataques violentos em escolas de todo o país registrados de 2002 até o início deste ano. Entre as vítimas fatais, 24 estudantes, quatro professores e dois profissionais da educação. Todos os ataques registrados foram praticados por alunos e ex-alunos das escolas, sendo 82% ocorridos em instituições públicas. A média de idade é de 10 a 25 anos.

Os dados são de uma pesquisa em curso da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), produzida pela advogada Cléo Garcia, como parte de seu mestrado em Educação. Em entrevista ao Lunetas, Garcia destaca que as condições que podem levar a essa prática têm raiz multifatorial. “Esses ataques não acontecem de uma hora para outra, como um impulso. É uma junção de coisas que culminam nesses atos. Os adolescentes podem ter traumas na família ou na escola. Eles planejam e até divulgam o que vão fazer, mas as pessoas não acreditam”, alerta.

Segundo Garcia, as principais motivações dizem respeito às práticas de cultura extremista ou por vingança. Além disso, os autores possuem características em comum: a maioria é branco, do sexo masculino, com histórico de isolamento social e usuários de chats de jogos on-line. “São meninos brancos, com alguma história de misoginia e que não tinham uma vida social ativa, pois eram reclusos. Sofrer bullying também faz parte da construção desse perfil”, conta.

Outro fator em comum é a prática de jogos virtuais de caráter violento. “Muitos eram usuários de jogos nos quais há troca de mensagens com discursos extremistas ou de violência. Entende-se que esse é um ambiente de estímulo para promover ações que tinham a ideia de imitação ou de inspiração aos ataques mais expostos na mídia”, pontua Garcia. Já o acesso a armas de fogo dentro de casa aparece em metade das situações; nos demais casos, os meninos compraram a arma de terceiros ou não informaram a origem.

O relatório “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental”, organizado por Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, destaca que, desde o ano 2000, foram 35 mortes de estudantes e professores, e mais 70 feridos em casos de atentados em escolas brasileiras. O documento foi discutido durante o Governo de Transição como um balizador para ações efetivas contra a violência nas escolas do país.

Segundo o texto, os principais motivos dos ataques “são normalmente associados ao bullying e a situações prolongadas de exposição a processos violentos, incluindo negligências familiares, autoritarismo parental e conteúdo disseminado em redes sociais e aplicativos de trocas de mensagem”.

O que fazer contra a onda de violência nas escolas?

“Infelizmente, não temos políticas públicas ou protocolos sobre o que fazer nessas situações”, pontua Garcia. Mas, para evitar os ataques, ela recomenda um esforço coletivo de acompanhamento efetivo dos estudantes dentro e fora das instituições de ensino, a partir da criação de um ambiente escolar “saudável e acolhedor”; formação continuada para profissionais da educação de modo a instrumentalizá-los a identificar mudanças de comportamento dos estudantes; e o suporte permanente de psicólogos e orientadores educacionais em grupos terapêuticos nas escolas, por exemplo.

“Tudo passa pelo diálogo, pelo acolhimento e pela inclusão.”

Além de manifestar solidariedade às vítimas do ataque de segunda-feira (27), o ministro da Educação, Camilo Santana, afirmou que o MEC está disposto a colaborar com as autoridades locais. As secretarias de Educação e de Segurança Pública do Estado de São Paulo anunciaram o investimento no Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar, para a aplicação de medidas de proteção à violência nas escolas; e o programa estadual Psicólogos na Educação também será retomado para dar suporte e orientações à comunidade escolar do estado.

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