Cuidados e atenção às crianças podem ser compartilhados entre familiares, amigos, ações do poder público e serviços privados
Para especialistas, redes de apoio são feitas de pessoas e de serviços. Para as mães, toda ajuda é bem-vinda e colabora com o desenvolvimento das crianças e da autoestima das mulheres.
Quando engravidou de quadrigêmeos, a gerente de marketing, Kassia Freitas, já tinha um filho de 4 anos. O relacionamento com o pai das crianças terminou antes do nascimento dos bebês e apesar de todos os desafios da maternidade solo, apenas o essencial mudou. Atualmente, ela continua no mesmo emprego e mantém uma rotina ajustada.
Como isso é possível? É porque Kassia nunca esteve só. Ela conta com uma rede de apoio reforçada, quase uma “aldeia inteira”, como diz o conhecido provérbio africano. “A primeira pergunta que surgiu quando me vi sozinha foi: nossa, como que eu vou criar esse tanto de bebê?”, lembra. Mas, ainda na gravidez, a dúvida começou a ser respondida. Além da família, amigos e até desconhecidos se prontificaram a ajudá-la.
O conjunto de pessoas dispostas a cuidar de uma criança que não é sua é justamente essa aldeia, ou seja, a rede de apoio. A mais visível delas é aquela avó ou tia que fica com a criança enquanto os pais não estão em casa. Porém, a rede de apoio possui um conceito mais amplo e não precisa contar apenas com mulheres, que ainda são maioria na função do cuidado.
Ela envolve serviços de atenção tanto nas relações informais, com família e amigos, quanto formais, como creches, escolas, ONGs, serviços de recreação e unidades de saúde. “A rede de apoio vai desde uma estrutura que a mãe tenha de acompanhamento do pré-parto até o pós-parto”, explica Mariana Mendes, pesquisadora do Instituto Nacional de Infectologia da Fiocruz.
Em um artigo que analisa o impacto das redes de apoio na vida da mulher no pós-parto, ela defende que essas redes podem permitir às mães, muitas vezes, aprender a cuidar de uma criança.
“A rede de apoio vai ser muito crucial nesses primeiros contatos com o bebê para a mãe entender que ela não está sozinha, que ela vai conseguir, que também está aprendendo e é normal.”
Nos primeiros dias dos quadrigêmeos em casa, Kassia contou com a ajuda de uma amiga. Depois, uma amiga de infância que se prontificou a ir toda quinta-feira para passar a madrugada com os bebês. Em uma mensagem na rede social, foi a vez de uma conhecida oferecer suporte e ir toda terça-feira, principalmente passar as noites.
“A gente olha lá trás, pelos aplicativos, e vê que tem noite que ela dormiu durante uma hora, meia hora, porque os bebês sempre choravam muito e tinham cólica”, lembra Kassia. Com a ajuda, ela também conseguia dormir algumas horas para estar pronta para o dia seguinte.
Hoje, ela e os amigos mantêm um grupo de WhatsApp para organizar as agendas e monitorar a saúde física e mental de mãe e filhos. Além disso, Kassia conta com a ajuda dos próprios pais. Enquanto a mãe colabora na rotina com as crianças durante o dia, o pai toca as burocracias domésticas, como compras no mercado e refeições. “Sem isso tudo, eu não teria dado conta mesmo, pois teria pirado”, diz.
Mesmo com todas essas pessoas disponíveis, Kassia lembra que uma rede de apoio não deveria ter só os amigos e a família. Ela questiona, por exemplo, a falta de políticas públicas para amenizar os gastos com o cuidado de quatro bebês ao mesmo tempo, ou até mesmo a questão do transporte.
Do ponto de vista social, as redes de apoio são divididas entre as informais e as formais. No entanto, em um país desigual como o Brasil, esse suporte é especialmente importante para as mães solo e famílias de baixa renda, que não podem custear serviços privados de educação, saúde e lazer.
Segundo Mariana Mendes, os serviços públicos de saúde podem orientar as famílias ao cuidado desde antes do nascimento da criança. Isso fortaleceria também os vínculos dos homens com os seus futuros filhos. “Até ir a um restaurante e ter uma cadeirinha para criança, ter uma área de lazer, por exemplo. Isso também é uma rede de apoio”, explica a pesquisadora.
Informal: Amigos, familiares, vizinhos e colegas dos pais e cuidadores. São formadas geralmente por laços afetivos prévios e por relações de confiança. Essas pessoas podem atuar tanto diretamente, cuidando da criança, quanto de maneira mais indireta, ajudando nos afazeres da casa, no transporte e até mesmo sendo um ouvido para os momentos de desabafos.
Formal: Creches, escolas, ONGs, serviços e políticas públicas, instituições privadas e profissionais do cuidado especializados. Do ponto de vista da saúde, podem ser médicos, terapeutas ocupacionais, psicólogos, entre outros profissionais. Na área da educação, podem ser creches, professores e psicopedagogos. Há ainda os próprios espaços públicos, como praças e parques, ou ONGs.
Em post publicado no Instagram, o Lunetas perguntou aos seguidores quem formava a rede de apoio de cada um. A publicação gerou um debate sobre as creches. Afinal, elas são ou não redes de apoio?
Para Damaris Maranhão, doutora em Ciências da Saúde e especialista em desenvolvimento infantil e creches públicas, a resposta é sim!
Segundo ela, as creches são instituições que contam com profissionais para apoio pedagógico, nutricional e psicossocial. Desse modo, ajudam tanto no cuidado direto da criança quanto na identificação de problemas na família. Damaris lembra que, além da questão da maternidade solo, muitas mulheres não têm familiares ou amigos próximos em quem confiar para ajudar no cuidado com a criança. Por isso, as creches acabam ocupando esse vácuo.
“Durante o meu doutorado, fiz estudo numa creche e uma das mães de lá escreveu uma carta dizendo que o lugar, para ela, era o pai da criança, porque se não fosse pela creche, ela não conseguiria ser mãe”, exemplifica.
Na interação da postagem no Instagram, a pedagoga Luciane Pacheco defendeu as creches como espaços de rede de apoio usando a própria experiência profissional, mas também pessoal. Mãe de um menino com Síndrome de Down, ela entende que a creche faz parte da rede de cuidado ofertada à criança.
“Eu tenho diversas redes de apoio: creche, família, amigos, terapias para meu filho. E uma delas é a creche que ele frequenta, onde acontece a inclusão de uma forma bem acolhedora e pedagógica.”
Para Luciane, a creche é muito mais do que um lugar para deixar a criança. “É um espaço que ensina e cuida, mas também acolhe porque integra a família com a comunidade”, diz. Outro ambiente que ela encontra suporte é nas ONGs que apoiam mães de crianças com Síndrome de Down. “A saúde também sempre foi uma rede de apoio, mesmo sendo considerado um bem adquirido, um direito que todos têm.”
No artigo “A creche é o pai”: instituição pública ou projeção de uma família idealizada?”, Damaris Maranhão defende, entretanto, que para a creche cumprir seu papel como espaço de apoio é preciso alinhar as expectativas dos pais e profissionais em relação ao que é o próprio cuidado.
“A relação entre os profissionais da creche e as famílias, embora complementar, é permeada por conflitos, que se não forem identificados, analisados e negociados, podem comprometer os benefícios que esse ambiente educacional propicia à criança, à família e à sociedade”, escreveu.
De acordo com a pesquisadora, os profissionais da creche não farão o papel sozinhos, pois precisam de outros parceiros. Isso inclui os serviços de saúde, as universidades e até o poder judiciário. “Todos reconhecendo que mães e pais não nascem prontos, mas se desenvolvem como tais no próprio processo de vivenciar a experiência de ser mãe e ser pai.”
É comum que todo o suporte oferecido à mulher durante o pré-parto e o parto desapareça logo após o nascimento da criança, quando todos os olhares se voltam para o bebê. Mas, segundo Mariana Mendes, é justamente nessa época que o suporte em torno da mãe deveria crescer. “A mulher mãe não se identifica mais como aquele ser que ela era, porque tem um novo ser em mãos agora para cuidar”, diz. “A preocupação se volta para a criança, mas a mãe não tem mais acompanhamento.”
Além disso, ainda nesta fase a mulher enfrenta uma tempestade de hormônio, que demora pelo menos dois anos para se regularizar, conforme explica a pesquisadora. Isso, portanto, pode impactar na saúde mental. Dados do Ministério da Saúde mostram que no Brasil cerca de 25% das mulheres apresentam sintomas de depressão pós-parto.
“Muitas mulheres desenvolvem depressão pós-parto e ansiedade. A atenção à saúde mental dessa mãe é muito importante para que ela consiga gerar um vínculo afetivo com a criança.”
Outro fato que revela a importância da rede de apoio para as mães no Brasil é a quantidade de famílias chefiadas apenas por uma mulher. As mães solo são mais de 11 milhões no país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “O parceiro tem um papel de suporte emocional e no dia a dia, de acordar de madrugada, fazer o papel de pai. Além de ser um porto seguro, quando o relacionamento é saudável”, afirma Mariana.
Para Damaris Maranhão, é preciso desconstruir a ideia de que o cuidado é responsabilidade só das mulheres e que o desenvolvimento de uma criança é trabalho apenas do pai e da mãe. “A rede de apoio vai depender muito desse olhar para compreender que a criança é da sociedade. A cultura da rede de apoio você constrói desde a infância”, afirma.
Portanto, um segundo passo é fazer uma coisa simples: pedir ajuda. Kassia recomenda lembrar que existem pessoas dispostas a ajudar, mas os pais e cuidadores não sabem disso. Para ela, se a mãe tem confiança naquelas pessoas, o pedido deve ser feito. “Eu nunca tive vergonha em pedir ajuda. Não acho que ninguém tem obrigação, mas é muito bom ter com quem contar”, acrescenta.
Outro ponto fundamental é compreender o papel de cada integrante dessa rede, assim como os limites e possibilidades. Marina Mendes defende a importância de lutar por políticas que ofereçam mais creches, serviços de saúde e outras formas de apoio, como parques e praças pensadas para crianças. Além disso, ela cita ações como grupos comunitários, banheiros públicos e restaurantes populares.
Formar redes de apoio reforça a garantia dos direitos integrais das crianças. Mas também é uma possibilidade de estabelecer vínculos valiosos com a infância, e, principalmente, de colaborar com os direitos das mulheres, mães, muitas vezes invisibilizadas. “A tarefa do maternar é pesada. Independente se é um filho, dois, três, cinco filhos. Ninguém dá conta sozinho. E quem está dando conta sozinho precisa de ajuda, porque nós somos humanos e temos limites”, conclui Kassia.
Fontes: Psitto, Mariana Mendes (Fiocruz)