Depressão pós-parto: ‘o amor nem sempre surge logo após o parto’

O Lunetas conversou com um grupo de mães e uma especialista no tema para desconstruir o tabu que agrava a doença e isola as mulheres em uma bolha de silêncio, medo e preconceito.

Renata Penzani Publicado em 09.02.2017

Resumo

"Eu sentia uma tristeza muito grande e não conseguia ter um vínculo com ela. Ficava preocupada, mas não amava", conta uma das mães que ouvimos sobre o assunto.

Marinas, Alices, Michelles, Natalias, Fabianas, Julias, Gabrielas. Quem são? O que todas têm em comum? Além de serem mulheres, têm algo a mais como denominador comum, o fato de carregarem no peito uma porção de dúvidas que pesam quase sempre que se olham no espelho: O que sou é suficiente? Como aprender a me amar antes de amar um outro ser? Consigo corresponder ao que esperam de mim? Dúvidas que quase sempre têm um mesmo interlocutor: a sociedade e as cobranças que ela impõe. Quando a mulher é mãe, as cobranças triplicam de tamanho, e ganham nome de patologia. 

Estamos falando da Depressão Pós-Parto (referenciada nos meios clínicos pela sigla “DPP”). Depois dela, as cobranças passam a ser externas também: “Por que você está triste, se seu filho é tão saudável?”, “Por que alguém ficaria triste por ter um filho?”. 

Segundo a Fundação Oswaldo Cruz, a DPP afeta 25% das mães brasileiras – taxa que pode ser muito maior do que uma pesquisa consegue mensurar, já que falar sobre o assunto é sinônimo de resistência e sofrimento para muitas mulheres.

A doença pode ser originada por motivações diversas e que, nos casos mais severos, pode levar à depressão crônica e até ao suicídio.  Daí a urgência de falar abertamente sobre ela, incentivar as discussões nas comunidades maternas, aclarar o assunto junto à família, cobrar a mídia e os meios de comunicação por mais representatividade, envolver os homens na questão e abrir os olhos da sociedade.

Conversamos com um grupo de mulheres de diferentes faixas etárias, condições socioeconômicas e profissões, e  também com uma profissional especializada em atender mulheres que vivenciam essa condição para mostrar que a DPP não escolhe seu alvo.

Por se tratar de uma doença multifatorial, é fundamental entender quais são as causas comuns mais frequentes, e falar abertamente sobre cada uma delas é contribuir para desconstruir os tabus, os medos e as dúvidas que ainda assombram as mulheres.

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Reprodução Facebook nannieguimaraes/Areta Dias

Tenho medo de acharem que eu não gosto dela. Não é isso, eu gosto. Mas muitas vezes, a responsabilidade vem antes do amor, relata Natalia Guimarães, que tem uma filha de dois anos e sofre até hoje com uma depressão pós-parto desencadeada quando a pequena tinha 7 dias.

Como tudo começa

A psicóloga e coach de maternidade Bianca Amorim, idealizadora do projeto Renascendo Após a Maternidade, explica que a DPP pode surgir de diferentes formas e por motivos que podem ser históricos, contextuais ou mesmo fisiológicos, como ocorre em muitos casos.

“Há um desequilíbrio hormonal muito grande, pois a mulher vem de uma gestação com estrogênio e prostegerona em alta, e quando o bebê nasce, o nível desses hormônios cai bruscamente. Isso com certeza afeta o desenvolvimento não só da depressão pós-parto como também do baby blues, que é uma doença que ocorre com cerca de 80% das mães”, explica.

A psicóloga alerta que, por ser uma doença multifatorial, outras questões podem desencadear um quadro de DPP, como histórico de depressão antes ou durante a gestação, falta de apoio, gravidez indesejada, situação de vulnerabilidade social, entre outros, e cada mulher deve sentir o que é mais sensível para si. Como acontece na depressão comum, os sintomas também podem variar muito, necessitando ou não de intervenção médica ou psicoterápica.

“Começa com uma tristeza leve, antes dos 15 dias após o parto e pode ser confundida com o baby blues”

“Porém, aos poucos a tristeza vai ficando mais intensa, o choro fica descontrolado, há uma perda do prazer e interesse nas atividades rotineiras, pode acontecer alteração de peso ou apetite, sentimentos de inutilidade e culpa são intensos, podendo chegar a ter pensamentos de morte ou suicídio”, explica Bianca.

Bianca explica que é preciso procurar ajuda de profissionais e, em alguns casos, será seja necessário intervir com medicamentos. Porém, não há uma receita de como proceder, pois tudo depende do avanço do quadro da doença e como ela afeta a saúde física e mental da mulher e do bebê. 

“A psicoterapia, por exemplo, apoiará essa mulher na busca por ressignificação das causas da depressão”

“É importante salientar que nos casos onde há necessidade de medicação, essa mãe deve ser atendida por um psiquiatra e este deve entender dos processos puerperais, pois hoje já temos medicamentos compatíveis com a amamentação”, diz.

Cada mulher, um quadro diferente

Apesar de sua natureza multifatorial, é possível ter algumas pistas de suas motivações mais recorrentes. Ao longo de seu trabalho, Bianca destaca duas mais fortes: carência ou inexistência de uma rede de apoio para a mulher e a expectativa romantizada da maternidade, agravada pela publicidade dirigida à mulher.

“A construção social da maternidade nos faz acreditar que ser mãe é natural e inerente da mulher”, ressalta a psicóloga, que coloca como uma das principais angústias causadoras da depressão a visão que a sociedade construiu em torno da figura materna, que esvazia a mulher de suas outras atribuições.

“Quando a mãe está deprimida, achando essa experiência da maternidade um pesadelo e sem ainda conseguir sentir esse amor todo por seu filho, ela se culpa”

Para ela, é um conflito interno que a mulher vivencia quando percebe que a maternidade tomou conta de toda a sua vida e ela não consegue visualizar como retomar seus demais papéis de profissional, amiga, companheira.

“As pessoas tendem a pensar que o amor incondicional surge logo após o parto e que a maternidade é a nossa maior realização de vida. Aí, quando a mãe está lá deprimida, achando essa experiência da maternidade um pesadelo e sem ainda conseguir sentir esse amor todo por seu filho; ela se culpa, acha que é a única do universo que passa por isso e, envergonhada, não procura ajuda”, destaca a psicóloga.

Contra o preconceito, diálogo e  informação

Diante de tanto receio de expor o que está sentindo e receber em troca julgamentos e ainda mais culpa, muitas mulheres procuram uma rede de apoio externa à família e os amigos. As redes de apoio nas redes sociais é grande, com dezenas de grupos de discussão e blogs especializados no tema. Foi o caso da carioca Michelle Eisergenberg, de 41 anos, e Fabiana Faria, idealizadora da página Depois que eu Descobri, onde fala sobre o que aprendeu depois que se tornou mãe para inspirar e empoderar outras mulheres. As duas encontraram no compartilhamento de suas histórias o acolhimento que precisavam para lutar contra a DPP. “É importante para entender que é mais comum do que a gente pensa”, conta Michelle.

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Facebook michellerocas.aisenberg /Lia Lotito

A jornalista Michelle Aisenberg com os filhos Rafael, 12, e Julia, 10.

Michelle Aisenberg é jornalista e seu quadro de depressão pós-parto recebeu ainda mais críticas por conta das particularidades de sua gestação, feita com fertilização in vitro.

“Foram dois anos de tratamento até partir para a fertilização. E, na primeira tentativa, eu já engravidei do Rafael – hoje com 12 anos. Foi uma gravidez supernormal, mas, com 32 semanas de gestação, minha placenta descolou. Por isso, ele nasceu prematuro e ficou 11 dias na UTI”. Depois do que passou, Michelle relembra que a relação com o filho tinha tudo para ser saudável, pois ele saiu totalmente recuperado. “Minha mãe e minha irmã me ajudaram muito no começo. Eu tinha falta de ar, crises de ansiedade. Elas me botavam para a rua, encontrar os amigos, me recompor e me sentir melhor. O apoio do meu marido também foi fundamental”.

Ela conta que criou um blog já no período de gestação para compartilhar sua experiência, mesmo sem saber o quanto esse contato com outras mães seria essencial para recuperação. “Informação é a maior arma contra o preconceito e a ignorância que costumam envolver as doenças consideradas ‘psicológicas’. As pessoas têm medo, vergonha, preconceito, e às vezes também culpa. Afinal, por que alguém ficaria triste porque teve um filho?”

“Nem todo mundo tem a sensibilidade de entender que a depressão é uma doença e tem a ver com um desequilíbrio químico do corpo”, lamenta Michelle

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Reprodução Facebook fabiana.faria / Leo Orestes

Fabiana Faria com o filho João. Na página “Depois que eu Descobri”, ela compartilha notícias sobre o tema, escreve relatos pessoais e conhece outras mulheres que passaram pelo mesmo.

Já Fabiana relembra que sentia uma grande angústia por achar que a doença poderia nunca ir embora, e associava qualquer possível falha ou insegurança comum da criação do filho à depressão.

“Eu tinha muito medo de o João nunca me amar, de a gente nunca se vincular, de esse fantasma da doença ficar entre a gente pra sempre, sabe? Então, durante muito tempo, se eu falhava em alguma coisa como mãe (falha, na minha concepção), eu achava que era porque lá no começo tinha dado tudo errado. Aos poucos, eu fui me fortalecendo e entendendo que, independente do começo, nosso vínculo se formou e se formaria de qualquer maneira, porque eu sempre o amei muito. Eu só estava doente”, conta.

Procure ajuda!

Mulheres com depressão na gestação ou no pós-parto podem e devem procurar ajuda especializada. Há projetos que oferecem atendimento gratuito, como o Programa de Atenção à Saúde Mental da Mulher (ProMulher) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Antes de iniciar o tratamento, é feita uma triagem com as interessadas. As inscrições podem ser feitas pelo e-mail promulher@hcnet.usp.br ou pelo telefone (11) 3083-5278. Nas UBS (Unidade Básica de Saúde), há também tratamento psicológico gratuito, basta ter o Cartão Nacional de Saúde do SUS, que pode ser feito facilmente pelo site do Ministério da Saúde. Procure o centro de apoio mais próximo de você.

Ainda assim, a psicóloga Bianca Amorim defende como imprescindível o preparo e a presença da rede de apoio da mulher, família, amigos e companheiro. “É preciso educar esta rede de apoio, pois infelizmente eles chegam despreparados para cumprirem este papel e aí podem mais atrapalhar do que ajudar”. Veja algumas dicas que ela dá para quem deseja ajudar:

  • O apoio necessário no pós-parto é para a mãe e não para o bebê. Nos primeiros meses, mãe e bebê precisam se conhecer e para isso todo o entorno precisa ser cuidado por alguém. O ideal é que a rede de apoio se encarregue de deixar o ambiente limpo e organizado; a comida feita; a louça lavada; quando necessário olhar o bebê para que a mãe tome um banho ou se alimente, por exemplo.
  • Também é essencial que a rede de apoio respeite as decisões da mãe.
  • Quer dar uma opinião? Espere a mãe te perguntar. Não saia dando palpites, pois a maternidade é dela e, em termos de maternidade, nem sempre o que dá certo para um, dará certo para o outro.

Quando o medo do preconceito causa isolamento 

Porém, nem todo mundo tem o mesmo privilégio, coragem ou estrutura para lidar com a questão da mesma forma, e o comportamento esperado como o ideal e saudável se transforma em mais um fardo. Por isso, muitas mulheres sofrem em silêncio com a doença.

Para a designer gráfica Natalia Guimarães, de 21 anos, o receio do julgamento da sociedade causa um sofrimento que agrava a doença. Ela percebeu que estava em depressão pós-parto quando sua filha, hoje com dois anos, tinha apenas sete dias. “Eu sentia uma tristeza muito grande e não consegui ter um vínculo com ela. Ficava preocupada, mas não amava”.

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Arquivo pessoal

A designer Natalia Guimarães, do Rio de Janeiro, com a filha de dois anos.

A história é um desabafo e um grito de alerta para a urgência de a mídia, os círculos de amigos, a família e até mesmo a escola, a universidade e o mercado de trabalho reinventarem o seu conceito sobre maternidade e buscarem formas de acolhimento, além de incentivarem um diálogo aberto sobre o assunto em todos os meios.

“Sinto muita falta de poder falar, principalmente no meu caso, que até hoje não consegui estabelecer um vínculo mãe-filha. Tenho medo de falar e as pessoas acharem que eu não gosto dela. Não é isso, eu gosto, mas muitas vezes a responsabilidade vem antes do amor, e acaba sobrando pouco tempo (e pouca cabeça) para as coisas boas da maternidade”.

Natalia chama a atenção também para a idealização que a sociedade faz do papel de mãe, e traduz em palavras certeiras e corajosas como se sente diante disso: “Eu fico feliz pela saúde dela, por ela estar bem e ser feliz, mas o cansaço e a depressão aparecem em 99% do tempo”.

“A romantização da maternidade imposta pela mídia diz que nós vamos experimentar um amor incondicional a partir do momento que vermos o filho, que tudo vai ter valido a pena quando eles sorrirem, e não é bem assim”, explica.

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