Como assegurar os direitos das crianças no ambiente digital e conhecer os possíveis riscos de uma navegação sem cuidados
Porque a internet não é um lugar completamente seguro para as crianças, existem direitos a serem respeitados de modo a proteger sua experiência no ambiente digital.
Se a atenção das crianças é atraída para a internet e lá quer estar por tanto tempo explorando jogos e aplicativos, precisamos lançar um olhar para as infâncias conectadas e entender as oportunidades que o ambiente digital lhes oferece, mas também conhecer os riscos potenciais para, assim, protegê-las. A internet não é completamente segura e pode expor crianças a impactos negativos como prejuízos na concentração, distúrbios do sono, má alimentação, ansiedade, sedentarismo, erotização precoce, superexposição e hiperconsumismo.
“As plataformas digitais se construíram a partir de um modelo de negócios em que tudo é pensado para que estejamos o máximo de tempo conectados”, alerta Paulo Rená, mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília, um dos convidados do papo “Como garantir os direitos das crianças no mundo digital?”, promovido virtualmente pelo Instituto Alana, na última sexta-feira (7/8).
“Se nós adultos temos dificuldade de lidar com esse apelo, para as crianças essa vulnerabilidade é ainda maior”
Paulo lembra ainda que os riscos de as crianças estarem expostas não são muito diferentes do ambiente presencial, o que aumenta “é a escala em que esses problemas podem se manifestar”, levando a um tempo que pode ser excessivo, favorecendo o espaço dedicado à propaganda e afetando sua experiência de consumo. A vulnerabilidade das crianças está diretamente relacionada à sua condição de pessoa em desenvolvimento, o que demanda cuidados especiais. “A família acaba tendo de assumir essa responsabilidade na maioria dos casos”, diz Paulo. Contudo, a responsabilidade é multissetorial.
Também participou da conversa Mariana Pita, coordenadora do Intervozes, organização que trabalha pela efetivação do direito à comunicação no Brasil. Ela destaca a forma estratégica com que ferramentas e dispositivos são construídos, explorando essa vulnerabilidade de modo a “induzir determinado comportamento do usuário a partir de um modelo de coleta de dados para conhecer a criança, atraí-la e manter uma atividade não saudável, por muito mais tempo do que o adequado, cujo fim é levá-la a comprar produtos e gerar mais lucro”. Daí vem a importância da proteção de dados e da privacidade da criança, para protegê-la de propagandas que têm a intenção de fazê-la acreditar que ela só vai ser feliz e completa se tiver aquele produto, sendo que ela “não está pronta no seu estágio de desenvolvimento para lidar com essa informação”.
“É responsabilidade de todos garantir o bem-estar das crianças e oferecer oportunidades para o seu desenvolvimento pleno”
Nesse sentido, o papo, mediado por Renata Assumpção, responsável pelos estudos de desigualdade e infâncias do Instituto Alana, buscou esclarecer como empresas, plataformas de tecnologia e poder público estão diretamente implicados nesse processo e compartilham o lugar de respeitar os direitos e promover a segurança de crianças e adolescentes no ambiente digital, desde a proteção de seus dados até a concepção de produtos, observando a condição peculiar de desenvolvimento dessa faixa etária, e garantir a todas elas uma experiência digital ética, segura e criativa.
Com a pandemia, o digital não é mais uma parte separada do off-line, ele passa a integrar a nossa vida com a possibilidade de acessar tudo on-line, com prejuízos e vantagens. As crianças acabaram sendo exigidas a utilizar mais o ambiente digital, não só como ferramenta de entretenimento e para manter vínculos sociais, mas também com grande destaque para as atividades escolares. As ferramentas disponíveis devem ser apropriadas pelas crianças, tornando-se protagonistas desse uso, não apenas consumidoras.
O que as crianças têm a dizer sobre tudo isso?
O Lunetas conversou com 32 crianças de todos os estados brasileiros para saber como elas se relacionam com o ambiente digital. Neste vídeo, elas comentam sobre a proteção de dados pessoais na internet, revelam o medo de hackeamento de informações ou de serem alvo de cyberbullying, e contam também qual a influência da publicidade ao despertar o desejo de consumir produtos que podem nem ser tão necessários assim.
Como as crianças têm menos noção dos riscos, é preciso saber identificar as práticas que violam a sua segurança no ambiente digital para protegê-las de problemas que podem se materializar no futuro, mas que já a sujeitam a malefícios no momento presente, quando entram em contato com situações de bullying e discriminação, por exemplo, além da influência dos apelos consumistas e a exposição a conteúdos violentos ou preconceituosos.
Obedecer e respeitar normas legais vigentes, como o ECA e as diretivas do Conanda, é fundamental para promover uma internet segura para crianças. “Precisamos fazer valer isso e fiscalizar quaisquer atividades que impactam necessidades especiais e específicas para garantir uma experiência participativa e inclusiva, observando o melhor interesse da criança e do adolescente, sobretudo aqueles desfavorecidos ou mais vulneráveis”, destaca Paulo. Além do papel da família, “não podemos esquecer que empresas precisam parar de lavar as mãos quando as crianças são público-alvo e atuam ativamente nesse ambiente”.
A coleta, o armazenamento e o uso indiscriminado dos dados pessoais de crianças e adolescentes por empresas e plataformas digitais prejudicam vários aspectos de sua vida e vão determinar aquilo que é oferecido a elas, aponta Marina. Como “algoritmos têm a capacidade de controlar a diversidade de conteúdos, experiências, informações”, fica o questionamento:
“A internet está cumprindo a sua promessa de permitir às crianças alcançar o mundo ou está limitando seus horizontes?”
A série de conversas promovida pelo Instituto Alana, com o apoio do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), da SaferNet e do portal Lunetas, reúne especialistas das áreas de educação, psicologia, tecnologia e direito para ajudar a entender a relação da criança com o ambiente digital. Faça aqui a sua inscrição para participar da última conversa da série, dia 14/7, que discutirá a “exploração comercial da criança no mundo digital”. Para saber o que mais rolou, acesse a cobertura completa do evento pelo Lunetas. As conversas têm transmissão ao vivo e recursos de acessibilidade (intérprete de Libras e legenda em tempo real).
Saiba mais sobre as conversas anteriores
Artigo 227 da Constituição Brasileira
A criança deve ter seus direitos assegurados, com prioridade absoluta, por Estado, família e toda sociedade, e seu melhor interesse considerado em qualquer tipo de relação. Essa premissa se estende ao ambiente digital e revela a necessária responsabilização de diversos atores pelo desenvolvimento de uma experiência adequada para toda criança.