Como as famílias se inspiram para escolher o nome do bebê?

Entre ídolos, gostos pessoais e cultura ancestral, os nomes escolhidos pelas famílias ajudam na identidade das crianças e influenciam suas relações com o mundo

Camilla Hoshino Carolina Pelegrin Publicado em 05.12.2024
Imagem de capa para matéria sobre a escola de nomes de bebês mostra um homem negro, usando óculos e segurando no colo um bebê negro, de roupa branca.
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Resumo

Escolher como o bebê vai se chamar é algo tão pessoal quanto cultural na vida de cada família. Com um cartão de visitas para as relações sociais, a forma como as pessoas reagem aos nomes pode até impactar a maneira de pensar e agir das crianças.

Para muitas famílias, escolher o nome do bebê é algo tão pessoal quanto cultural. Afinal, o nome é mais que uma simples palavra, mas uma marca que influencia as relações sociais. Segundo a psicóloga Gabriela Santos, o nome é como uma espécie de roupa com a qual as pessoas se apresentam ao mundo. “Aquilo que dizem, ou o que entendo sobre meu nome e sobre o contexto cultural e social dele, faz parte de coisas que eu acredito sobre mim”, diz.

“O nome é nossa identidade e exerce um papel importante na percepção que a criança tem sobre si”

Com o casal Sávio Carvalho e Mariana Santos, a escolha do nome do filho teve um sentido cultural maior. O pai conta que durante uma cerimônia de Ayahuasca, na Bahia, ao ver a companheira do pajé passar com uma garrafa de azeite de dendê, decidiu como o menino seria batizado. “Nenhum outro nome vibrava tanto quanto ‘Dendê’”, relembra Mariana.

Eles ainda não sabiam o sexo do bebê mas a notícia de que seria um menino veio no transe do chá. Então, ao abrir os olhos, Sávio não teve dúvidas: Dendê estava a caminho. Mariana afirma que essa escolha não foi por acaso. Isso porque o dendê é o fruto do dendezeiro, uma palmeira de origem africana, que chegou ao Brasil junto com as pessoas escravizadas.

Além da musicalidade atraente, o nome cumpria o que pai e mãe pensavam sobre a importância da chegada de um bebê. “Eu queria que tivesse um significado para nós, para família que está nascendo a partir dessa criança”, revela Mariana.

Para a mãe, saber que Dendê irá construir sua identidade desde cedo com referências da cultura negra é uma oportunidade de se aproximar de seus ancestrais e valorizar a história do povo africano. “Esse nome fala muito da nossa luta e também representa uma liberdade, né? Porque os negros, que foram escravizados, tinham que mudar o nome e agora a gente pode escolher.”

No Brasil, em 2023, Miguel e Helena foram os preferidos das famílias, de acordo com a Associação Nacional dos Registros de Pessoas Naturais (Arpen- Brasil), com 25140 e 23047 registros, respectivamente. Já na Inglaterra, uma pesquisa realizada pelo professor de linguística cognitiva da Universidade de Birmingham analisou os 400 nomes mais populares do país e dos Estados Unidos, elegendo Mathew e Sophia como “os mais bonitos do mundo”. A fonética foi um dos fatores fundamentais para a caracterização.

Como as crianças podem agir ao entender o significado de seus nomes?

Meninos e meninas também gostam de explorar os significados de cada nome. Na casa da psicóloga Gabriela Santos, por exemplo, ela e os filhos Rafael, 5, e Henrique, 3, recorreram à tecnologia para saber um pouco mais de cada um. “Alexa, qual o significado de Henrique?”, perguntou o menino, que recebeu a resposta de que seu nome significa “governante do lar”. Para Gabriela, não foi uma surpresa. “Ele é essa criança impositiva, dominadora, cuja vontade prevalece”, conta. É por isso que, quando ele age dessa forma, o irmão protesta com ironia, dizendo “olha aí o ‘governante do lar”, conta.

Segundo a psicóloga, quando a criança tem informação sobre o significado de seu nome, dois caminhos se apresentam no cérebro dela. Ou assume essa identidade e se comporta conforme a definição ou rejeita. Nesse contexto, a forma como as pessoas reagem a determinado nome poderá contribuir para moldar como aquela pessoa pensa, se enxerga e se comporta.

“Se trouxer benefícios, o cérebro vai generalizar aquilo como algo bom e, dali em diante, em um movimento de economia de energia, irá repetir o comportamento de ‘governante da casa’, por exemplo”, explica. Também é natural, segundo ela, que a resposta social boa ou ruim ao nome influencie a autoestima. Mas, acima de tudo, “a criança precisa se sentir amada e pertencente a um grupo”, defende Gabriela.

Imagem de personagem sobre nome de bebê mostra a família de Dendê. À esquerda, há uma mulher negra com tranças no cabelo. Ela usa óculos e veste um top azul, com uma saia azul de estampas africanas. À direita, ao seu lado, está um homem negro com dreads no cabelo. Ele veste uma camiseta regata de cor verde musgo e uma bermuda amarela. Ele está segurando nos braços uma criança negra.
Na Bahia, Sávio Carvalho e Mariana Santos escolheram o nome do filho Dendê após uma cerimônia de Ayahuasca.

No caso de Dendê, Mariana deseja que o filho carregue as relações por trás do nome. Muito tradicional na culinária baiana, o ingrediente também é essencial nas religiões de matriz africana, no preparo dos alimentos sagrados oferecidos aos Orixás. O antropólogo Raul Lody descreve o fruto como “símbolo da força do axé e da energia vital que alimenta os corpos e os espíritos”.

“Dendê é ancestral: se você olhar a nossa tonalidade, os tons da cor negra, eles vão mudando conforme a intensidade, do negro retinto ao negro mais claro, assim como o azeite de dendê”, observa Mariana. Embora os nomes contenham histórias emocionantes, é fundamental que as crianças se sintam bem com eles. Diante disso, Mariana espera que o nome incomum do filho desperte mais curiosidade do que espanto. Além disso, ela torce para que a individualidade dele chegue antes que sua cor, “nutrindo um caminho de descobertas capaz de desarmar preconceitos”.

Escolha do nome pode ter relações místicas como na numerologia

No Rio de Janeiro, a administradora Cátia Coimbra teve nove meses de gestação para elaborar um nome perfeito para a filha. Ela, então, mergulhou fundo nessa missão. O que eu pudesse fazer para contribuir para que a vida dela fosse melhor, para ter mais facilidade e portas abertas, eu queria fazer”, relembra. Na época, Cátia buscava um significado forte, que tivesse uma combinação de letras “energeticamente favorável” ao futuro. Por isso, decidiu recorrer à numerologia e buscar auxílio profissional.

Conectada à intuição e atenta aos sinais, ela afirma que a própria filha escolheu o nome. “Após responder algumas perguntas, a numeróloga fez os estudos. Assim, ela marcou uma sessão para apresentar três opções”, lembra. No fim das contas, “quando falou um dos nomes, a Yasmim deu um pulo na minha barriga”, celebra Cátia, com um sorriso no rosto, ao reviver a sensação. Aquele foi, então, o sinal de que o bebê havia consentido.

Yasmim: “facilidade de chegar, estar e conviver nesse mundo, podendo colher e desfrutar o melhor possível dessa experiência que é estar aqui”. Essas seriam as características presentes no nome, que para ser perfeito, segundo a numeróloga, só precisava “de um número dois forte”. Sorte ou destino, Yasmim nasceu no dia dois de outubro de 1993.

“A data de nascimento é um número forte?”, perguntou Cátia à profissional, que respondeu prontamente: “É perfeito!”. Atualmente, Yasmin tem 31 anos, é grata pela escolha da mãe e comemora a oportunidade de “ter partido de um lugar bom para conquistar os objetivos”. Para ela, o nome tem a ver com sua personalidade de “movimento e forte”.

Nomes que carregam um legado e uma história afetiva para as famílias

Como muitos de sua geração, o veterinário Nei do Vale Pereira se lembra da infância, em Manaus, reunindo a família aos domingos para assistir as corridas da Fórmula 1. Era o momento de ver o piloto Ayrton Senna brilhar nas pistas e isso mexia com Nei. Anos depois, escolheu o nome do filho como uma homenagem a Senna, reconhecido não apenas pelos recordes, mas por sua determinação, disciplina e amor profundo pelo país. “Ele [Senna] passou para mim e quero que meu filho tenha os mesmo valores que ele teve”, confessa o pai.

Nei relembra a surpresa que teve quando chegou ao cartório para emitir a certidão de nascimento, em novembro de 2016. No local, o tabelião também se chamava “Ayrton Senna”. A coincidência levou o documento oficial do pequeno Ayrton a ter duas vezes o nome do ídolo do pai registrado, como um testemunho do impacto do piloto na vida dos brasileiros. “Ayrton deixou um legado que transpassa e desafia o próprio tempo, é eterno”, defende Nei.

Em Manaus, Nei do Vale Pereira e a esposa Eliane Nascimento batizaram o filho em homenagem ao tricampeão mundial de Fórmula 1, Ayrton Senna.

Para se ter uma ideia, uma pesquisa realizada pela empresa Opinion Box, em 2023, revelou que Ayrton Senna está entre os dez atletas mais lembrados pelos brasileiros, superando Pelé e Neymar. Além disso, aponta que 58% das pessoas consideram o piloto “uma fonte de inspiração”. Essa admiração provavelmente explica a evolução da curva de registros do nome “Ayrton”, conforme os dados do Censo do IBGE, em 1994, ano de sua.

E se o nome escolhido não for aceito pelo cartório?

Apesar das histórias marcantes, eventualmente as famílias irão encontrar algumas barreiras para registrar os filhos. Recentemente, dois casos ganharam repercussão nas redes sociais, levantando a questão sobre os limites da intervenção judicial na escolha de nome para recém-nascidos.

Um deles é o de Piiê, nome que homenageia o primeiro faraó negro do Egito. Seu registro foi inicialmente barrado pelo cartório, que alegou que “a escolha poderia trazer constrangimentos futuros à criança”. Após mediação do Ministério Público, os pais da criança conseguiram a autorização pela Justiça de Minas Gerais.

Entre os famosos, o cantor Seu Jorge também passou por situação similar em 2023, quando nasceu o filho Samba. O cartório negou o registro por se tratar de um ritmo musical. Após acionar advogados, os pais obtiveram autorização via Arpen SP (Associação dos Registros de Pessoas Naturais do Estado de SP), já que o nome se trata de “preservação de vínculos africanos e de restauração cultural com suas origens”.

Mesmo sendo uma decisão das famílias, a lei que trata sobre os registros civis no Brasil (Lei Federal nº 6.015/1973) permite que o tabelião negue o registro se avaliar que o nome irá “expor ao ridículo os seus portadores”. Ao mesmo tempo, o texto garante que a família preencha um documento administrativo para justificar o motivo da escolha do nome e envie à Justiça.

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