Educadores e leitores explicam como montar espaços para promover a leitura, trocar experiências e provocar debates com as crianças
Espaços de troca de conhecimento e aprendizagem, os clubes de leitura ajudam crianças e adolescentes a ter mais interesse pelos livros e fazer novas conexões. Saiba como montar um desses clubes e aproveitar a leitura compartilhada.
“O que faz uma criança ler é o exemplo. Ver adultos que ela ama e admira se deliciando com um livro nas mãos, e falando com entusiasmo sobre essa leitura”, afirma a escritora Ana Maria Machado. Assim, provavelmente pela influência positiva de alguém próximo que lê, meninas e meninos entre 5 a 10 anos formam um dos maiores públicos leitores, principalmente literatura infantil e histórias em quadrinhos. É o que mostrou a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro.
No entanto, o uso exagerado de eletrônicos e a insuficiência nos índices de alfabetização são as principais barreiras que o Anuário Abrelivros 2024 – “O desafio da leitura” aponta para o desenvolvimento da capacidade leitora ao longo dos anos. Diante dessa realidade, os clubes de leitura são espaços que podem ajudar a cultivar um indivíduo leitor e despertar reflexões de maneira lúdica.
Fãs de uma boa história, Lunetas traz exemplos de crianças que se reuniram por conta própria para compartilhar seus sentimentos depois de ler o mesmo livro. Há também quem se juntou aos adultos para ler autores locais, aprendeu mais sobre as histórias de mulheres importantes e até mobilizou a comunidade na formação de um clube que antes acontecia só entre a família.
Cada um deles tem regras e recomendações próprias, mas, geralmente, a dinâmica é parecida. Os participantes se reúnem regularmente, de modo presencial ou on-line, para trocar impressões sobre as obras e debater os temas de cada encontro. Além disso, os clubes podem ter mediadores e existe um calendário com a programação das próximas leituras. A principal dica dos entrevistados é sugerir leituras de acordo com a faixa etária e com as realidades daquele público.
“A principal coisa boa que o clube me trouxe foi a troca de experiências. Isso porque as reuniões não se baseiam só nos livros, mas na fala de cada um sobre educação e novas descobertas, o que é essencial para criarmos vínculos”, conta Mirela, 17. Ao mesmo tempo, além de se sentir mais próxima dos amigos, Maria Eduarda, 17, diz que organizar e participar de um clube de leitura ampliou sua visão de mundo. “O clube me traz uma sensação de esperança, de que eu posso mudar a vida de uma pessoa apresentando a leitura ou deixando essa prática mais acessível.”
“Eu não seria a mesma pessoa sem o clube de leitura, pois ele abriu meus horizontes para perceber que tinha uma vastidão de conhecimento à frente”
Foi durante uma tarefa para identificar um problema e propor soluções acessíveis para a Escola Estadual Sandoval Soares de Azevedo, em Ibirité (MG), que elas decidiram com mais colegas unir a paixão em comum pela leitura e compartilhar as histórias dos livros que mais gostavam. “Focamos em um projeto de incentivo à leitura e tecnologias, porque percebemos que faltava base entre os estudantes do novo ensino médio. Desse modo, a nova geração que já vai encontrar um novo currículo também pode se preparar melhor”, conta Maria.
Para Mirela, “a falta de leitura prejudica na hora de fazer uma redação e também na hora de desenvolver um diálogo produtivo”. Assim, surgiu o clube Littera Mais, que a cada 15 dias tem encontros na biblioteca da escola, para leitura compartilhada e discussão sobre os livros escolhidos pelo grupo. Dentre os títulos, “A hora da estrela”, de Clarice Lispector, “Capitães de areia”, de Jorge Amado, e “Lucíola”, de José de Alencar.
Atualmente, os integrantes do Littera Mais se juntaram a estudantes do ensino médio do clube de leitura Educação Transforma, de uma escola particular da mesma cidade e que também surgiu de uma iniciativa dos próprios alunos. Agora, além das reuniões de cada clube, há também encontros unificados, quando o grupo conversa sobre os livros e suas vivências.
Isolada em casa durante a pandemia, em Uruçuca, interior da Bahia, a servidora pública Sara Oliveira decidiu estimular a leitura com sua filha. Isso porque percebeu que Keren, na época com 10 anos, precisava interagir. “Foi uma forma de ressignificar aquele período. Convidei algumas mães mais próximas e começamos os encontros em casa. Eu espalhava os livros pela sala e nos sentávamos ao redor”, conta. Então, depois da leitura entre mães e filhos, eles discutiam o tema (bullying, respeito às diferenças) e depois cada criança escolhia um livro para levar para casa. Sara ainda não sabia, mas aquelas primeiras reuniões eram o início de um clube de leitura com as crianças.
Com a notícia do clube de leitura se espalhando, a cada mês o número de participantes aumentava, conta Sara. “Foi então que o Instituto Federal Baiano, onde trabalho, nos convidou para realizar os encontros na biblioteca do campus.”
Hoje, o que era uma atividade em família, virou um clube de leitura com 120 participantes, divididos em três grupos de acordo com a faixa etária. Keren, 13, é monitora do clube e ajuda as crianças menores, que fazem seus resumos em forma de desenho. “Já as maiores registram em tópicos ou em texto o que mais gostaram da leitura”, explica Sara.
Além de perceber o vínculo ainda mais forte com a filha adolescente, Sara diz como é bom ver a filha “se sentindo parte importante desse processo criativo e coletivo”.
“A leitura continua unindo diferentes gerações e promovendo transformações sociais”
De uma gaiola decorada com flores e fotos de Maria Firmina dos Reis, Carolina de Jesus, Marie Curie, Anne Frank, Sônia Guajajara e Conceição Evaristo, por exemplo, crianças de quatro a seis anos são convidadas a “libertar” lá de dentro uma história. A ideia é entender melhor o papel da mulher na sociedade e construir referências.
Uma vez por mês, elas se reúnem com educadores no complexo do Alemão, no Rio de Janeiro (RJ), e a professora Isabela Vique para sessões do clube de leitura da biblioteca comunitária Thalita Rebouças, parte do projeto “Frida vai à escola”. “Em um dos encontros, falamos sobre a cientista Jaqueline Goes e as meninas ficaram encantadas com a possibilidade de uma cientista ser negra”, lembra Carolina Marinho, organizadora da biblioteca.
“Depois de ouvirem a professora, há uma conversa lúdica sobre equidade de gênero e raça na literatura, no esporte ou na ciência”, explica Carolina. Além do incentivo para que entrem no mundo da leitura, “as crianças também manifestam muita vontade de ilustrar e escrever livros e até ganhar prêmios.” De acordo com ela, “abordar a diversidade e as potencialidades das infâncias a partir da literatura é o ponto central para as interações sociais, o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças”.
“É pela linguagem que (re)produzimos conceitos e preconceitos. Portanto, é também com ela que podemos desconstruir normas sociais baseadas nas exclusões.”
“A literatura é importante na minha vida desde muito cedo. Minhas tias, avó e mãe costumavam ler histórias para mim antes de dormir. Então, já aos dois anos eu recontava essas narrativas com minhas próprias palavras, ou pelo menos tentava”, lembra a professora Lorena Ribeiro.
No entanto, ela lamenta ter demorado a acessar livros de autores negros, suas principais inspirações. Por isso, acredita ser “imprescindível divulgar as produções negras nacionais e seguir inspirando quem ainda não tem essas referências”. Foi então que sentiu a necessidade de compartilhar as inquietações e as emoções que guardava a cada leitura. Assim, surgiu “Lendo a Bahia”, que reúne presencialmente e virtualmente um grupo que lê escritores locais, em Salvador (BA).
“A ideia inicial era discutir livros de autoras negras em uma livraria. Mas, com o passar do tempo, fomos chamando cada vez mais autores baianos. Isso então moldou o formato que temos hoje”, conta. Nas reuniões, muitos pais leitores costumam levar crianças e adolescentes e eles são sempre bem-vindos.
Segundo ela, perceber o interesse pela leitura durante a infância é um dos principais ganhos do clube. E não interessa o gênero. “É importante entender que histórias em quadrinhos, livros de fantasia, mangás e fanfics não são menos válidos que livros clássicos.” Nesse sentido, a principal dica da professora para estimular que participem de clubes de leitura é a atenção aos gostos desse público e, depois, sugerir outras possibilidades.
“A participação, mesmo apenas como observador, já é uma maneira de formar novos leitores”
Nos meses de outubro e dezembro há programações voltadas especificamente para crianças e adolescentes. “Elas interagem com o grupo normalmente e nós ouvimos o que têm a dizer”, diz Lorena. Umas das experiências foi ano passado, quando discutiram o livro “Os dengos na moringa de voinha”, da escritora Ana Fátima. “Fizemos um exercício de escrita criativa a partir das memórias de infância e casa de vó. Foi lindo!”