‘Não me chamo mãe’: mulheres na batalha entre ser mãe e mulher

Conversamos com Bruna Messina, umas das fundadoras do projeto para contar um pouco mais sobre a iniciativa

Mayara Penina Publicado em 20.06.2017
Não me chamo mãe: foto de duas mulheres negras que tiram uma foto na frente de uma parede colorida.
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Resumo

"Ser mãe não nos define. Ser mãe é apenas mais um aspecto das nossas vidas": veja como nasceu a plataforma "Não me chamo mãe".

Em maio deste ano, nasceu um projeto online que se propõe a fazer diferente do que já é produzido sobre maternidade. A plataforma “Não me chamo mãe” quer falar sobre a maternidade também. Mas além dos cuidados diários de um bebê, aborda amamentação, alimentação, criação e educação. O site é alimentado por trinta colaboradoras que, entre outras coisas, falam sobre arte, fotografia, gastronomia, passeios e mais.

“Queremos dar voz as mulheres que (re)nasceram pós-maternidade. A relação delas com essa nova vida: do que gostam e não gostam, dos seus sonhos e angústias, dos seus trabalhos e carreiras, o que amam fazer, ouvir e pra onde querem ir”, diz Bruna Messina, uma das fundadoras.

“Sim, somos mães, mas também somos Carolinas, Priscilas, Brunas, Teresas, Fátimas, Fernandas, Natálias, Rebecas, Rejanes, Anas e Livias. Parimos naturalmente, fizemos cesariana, abortamos, adotamos e perdemos umx filhx. Somos negras, brancas, da cidade, do interior, da serra e da praia. Somos da favela, do asfalto, da Zona Norte, da Zona Sul e da Baixada. Somos putas e santas, escandalosas e tímidas. Gostamos de homem e também de mulher.”

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O “Não me chamo mãe” é um espaço pensado e criado por mulheres que travam a batalha diária entre ser mãe e ser indivíduo

Conversamos com Bruna Messina, umas das idealizadoras do projeto para contar um pouco mais sobre a iniciativa. Confira!

Lunetas – Quando e como surgiu o “Não me chamo mãe”?
Bruna Messina – Eu sou redatora e sempre trabalhei com produção de conteúdo para a internet. Durante a gravidez, já com um super barrigão de seis meses, comecei a pensar sobre projetos pessoais que conversassem com esse novo momento de vida – e que eu pudesse tocar depois que a minha filha nascesse.

Zoé veio em agosto de 2016 e, em seguida também, veio um puerpério punk. Depois de alguns meses, reencontrei o caderninho e as anotações. Para mim, era óbvio desde o início que eu não teria tempo hábil e que não faria muito sentido tocar o projeto sozinha. Então, dividi a ideia com mais duas amigas queridas e também mães: a Carolina Bittencourt, figurinista, e a Piti Lacerda, chef. Rolou um grande brainstorming de nós três durante alguns meses e parimos juntas o “Não me chamo Mãe”, que nasceu em maio desse ano.

Pode falar um pouquinho sobre você e sobre as outras mulheres colaboradoras?
BM – O site é totalmente pensado e feito por mães. As primeiras parcerias que tivemos foi a Lis Mainá (Tatudona), que é tatuadora e se jogou no desafio de fazer a identidade visual do site; e a Maria Antonieta, que é programadora. Além de desenvolvedora do site, Maria hospeda o “Não me chamo Mãe” em uma plataforma desenvolvida por ela e pelo companheiro, chamada “Batepronto”.

Em paralelo, criamos um grupo secreto no Facebook com algumas mães parceiras, para ser um espaço livre de troca e criação de conteúdo para o site. As colaborações são em forma de textos, artísticas (com fotos e ilustrações cedidas por elas para as matérias) e também pitacos e sugestões sobre temáticas a serem abordadas.

Qual a importância de ser ter um espaço de comunicação escrito por mães diversas?
BM – Não teria nenhum sentido criar um site falando sobre maternidade expondo o ponto de vista de uma mãe só. As nossas realidades, dores e delícias são muito particulares. Temos mães negras, homossexuais, bissexuais, que vivem relacionamentos abertos, mães periféricas, mães solo. Cada mulher encara e vive a maternidade de uma maneira muito única.

Existem muitos blogs e sites voltados para o tema da maternidade na internet. O que falta neles e qual falta o “Não me chamo mãe” vem suprir?
BM – Acho que existe um início de um movimento bacana de mães pautando a “desromantização da maternidade”. A Hel Mother e a Mãe Solo, sem dúvida, foram e são referências para gente. A maioria, ou todos os outros sites, abordam questões relacionadas ao parto, à criação e ao cuidado com esse bebê que vai nascer. Do parto natural ao uso de chupeta. Do uso de sling a introdução alimentar. Eu sempre me perguntava o que realmente acontecia com aquela mulher depois do parto. Para onde ela foi? Para onde ela quer ir?

Todo mundo fala sobre quem nasce, mas quase ninguém sabe o que acontece com quem tem que renascer. É preciso desmistificar essa imagem de “Supermãe”, “mulher maravilha” que colocam em cima das mulheres que se tornam mães. É muito cruel, porque a gente acaba se cobrando também. Essa mulher precisa ser cuidada para poder cuidar.

O “quem somos” de vocês fala sobre os assuntos que só são discutidos nos grupos de mães. Quais são estes assuntos que precisam ser discutidos?
BM – Existem muitos “tabus” no universo feminino, quem dirá no das mães. Rola todo um pano rosa em cima dessa mulher. Sexo é um deles por exemplo. O retorno da vida sexual pós-filhos já é tanto complexa. E para uma mãe solo? Alguém fala sobre isso?

É como se quem parisse virasse praticamente um ser assexuado e não sentisse falta de sentir prazer. A vida profissional também é outra questão, com empresas que cada vez mais catapultam as mães do mercado de trabalho. Já li relatos péssimos sobre empresas alegarem que “agora é hora de você cuidar do seu filho, assim você vai ter mais tempo” – como se ser mãe já fosse uma profissão.

O puerpério, os relacionamentos abusivos com os pais das crias  – e como isso é naturalizado até mesmo pela sua família, em que tudo bem tomar uns bons drink quando se está amamentando -, como encarar as mudanças nesse corpo pós-parto. Ou até das coisas mais simples, como falar sobre música, viagem, moda e etc. Acho que todo assunto que foca na mulher, e não na mãe, acaba se envolvendo em um tabu. E é o que queremos levantar aqui.

Como o público tem recebido o site e como ele se mantém financeiramente?
BM – Estamos super felizes com a audiência do site. Em um dos seus posts já tem mais de 20 mil visitas em menos de 24 horas. É muito prazeroso se sentir mais uma pedrinha ocupando esse buracão que é a falta de iniciativas do tipo. Como ainda não temos nem um mês, ainda não temos uma fonte de renda e ele é feito totalmente de forma colaborativa. Em breve, vamos inaugurar uma loja on-line com produtos do site, como camisetas, canecas, cases de celular e etc. E também abrir espaço para anunciantes com foco nos empreendimentos maternos.

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