Gravidez tardia: quando ter filhos é assunto para depois

Conheça os riscos e os benefícios de optar por uma gestação tardia e a história de mulheres que escolheram engravidar após os 35 anos

Cintia Ferreira Publicado em 26.04.2022
Um homem negro de jaleco branco e camisa azul conversa com uma mulher grávida. Ela é branca e veste blusa preta com um casaco bege em cima. Eles estão num consultório médico
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Resumo

Fenômeno global, a gestação tardia é a opção de muitas mulheres que querem ser mães com alguma tranquilidade possível. Conheça histórias de mães em idade mais avançada e quais as implicações de uma gravidez após os 35 anos.

Quando a menina brinca de cuidar de uma boneca, está lidando com um dos maiores dilemas do mundo feminino: a maternidade. Apesar da brincadeira na infância, no mundo adulto, ser mãe pode ser uma escolha nada fácil. A gravidez tardia tem sido uma realidade cada vez mais comum. Entre 1995 e 2005, houve um crescimento de 49% no número de mulheres que se tornaram mães após os 40 anos, e um aumento de 61,4% no grupo entre 30 e 39 anos, de acordo com dados do Datasus. 

Sibele Faller nunca quis ser mãe. Até os 40 anos, “via a maternidade sob um viés de perda de liberdade, de sensação de castração, de privação”, conta. Porém, um dia, ela teve de lidar com um teste de gravidez positivo. “Acreditava que não seria tão simples engravidar nessa idade, então fiquei mais tranquila”, diz. Sibele engravidou, pela primeira vez, aos 41 anos e hoje é mãe do Thales, de 5 meses. 

O caso de Paola Loba foi um pouco diferente. Ela engravidou pela primeira vez aos 27 anos, após o segundo mês de tentativas. “Fiquei me achando ‘a fértil’ sem imaginar o sufoco que seria engravidar pela segunda vez”, o que só aconteceu nove anos depois. “Os planos de ter um segundo filho foram adiados e até chegamos a pensar em desistir. Quando minha filha Rafaela completou 5 anos, a vida já estava em ordem novamente. É comum esquecer do perrengue e criar coragem para ter mais filhos quando só a parte boa permanece”, brinca. As novas tentativas levaram três anos. Ela e o marido fizeram todos os exames, e nada foi detectado. Quando o casal desistiu, Paola engravidou, aos 36 anos. “Ficamos felizes, pois estava nos planos, só não imaginávamos a surpresa que viria pela frente”, diz. A surpresa era que Paola estava grávida de trigêmeos: a Gabriela, o Vitor e o Guilherme, hoje com 8 anos.

O que aproxima Paola e Sibele é o fato de que ambas passaram por uma gestação tardia, definida por parte dos especialistas quando a mulher engravida após os 35 anos, idade em que a quantidade e a qualidade dos óvulos se altera. 

O maior acesso aos métodos contraceptivos, a inserção das mulheres no mercado de trabalho e a preocupação com a carreira profissional, a espera por um relacionamento estável que garanta uma real parceria na criação de filhos, a mudança na visão sobre a maternidade compulsória, além dos medos envolvidos na gestação e em todo processo de ser mãe explicam, em parte, um fenômeno que é global. E por ser cada vez mais comum, essa é uma questão de saúde pública também, especialmente pelos riscos envolvidos em uma gravidez tardia. 

Os riscos da espera

“A redução é gradativa, mas, após os 35 anos, a queda de fertilidade nas mulheres é maior. Por isso pode ser mais difícil engravidar nessa fase. Além disso, a qualidade dos óvulos é pior. Diferente dos homens que produzem espermatozoides diariamente, as mulheres guardam os óvulos desde que estavam no útero de suas mães. Então, os óvulos envelhecem junto com o organismo”, explica a ginecologista e obstetra Gabriela Bezerra. 

Segundo ela, esse envelhecimento leva a um aumento do risco de síndromes cromossômicas e gênicas nos fetos. Há ainda maior chance de que a mulher tenha problemas de saúde prévios, como hipertensão, diabetes, doenças autoimunes ou mesmo que desenvolva doenças na gestação. Em virtude das complicações que podem ocorrer, é essencial que o pré-natal seja caprichado. Na realidade, o processo deve começar antes mesmo da gestação. 

“É importante que a gestante realize uma consulta pré-concepcional para orientação, avaliação de riscos e, finalmente, para tratamento das condições preexistentes”, explica a obstetra. Ela detalha que é importante realizar o que os médicos chamam de anamnese, que nada mais é do que a consulta detalhada para verificar o histórico médico para que o especialista tenha acesso ao maior número de informações possíveis. Exames físicos também são importantes. “Muitas vezes, encontramos os riscos nesse momento, como um aumento da pressão ou da glicemia”, diz. No pré-natal, a especialista orienta sobre a importância do exame morfológico do primeiro trimestre, que mostra os riscos de anomalias cromossômicas, de pré-eclâmpsia, abortamentos, entre outros. “Quando se trata de mulheres acima dos 35 anos, sou mais enfática na necessidade de tais exames”, pontua. 

No caso do parto, existe um senso comum de que a mulher que passa por uma gestação tardia precise sempre recorrer a cesariana, mas isso não é verdade. “A via de parto não é influenciada pela idade. O risco é maior conforme coexistirem doenças junto com a gravidez. Há muitas mulheres de 35 anos ou mais sem problema de saúde algum, que têm uma gestação exemplar. E, mesmo quando há doenças associadas, deve-se avaliar as condições da mulher no momento oportuno e então conversar sobre a via de parto”, esclarece a ginecologista. “Eu atendi uma gestante de 45 anos que teve uma gestação espontânea e um parto natural, sem analgesia. Ela era hipertensa crônica e ficou controlada com medicação na gestação”, exemplifica.

Dando uma forcinha para a natureza

A espera para ser mãe mais tarde é uma realidade para muitas, porém a demora pode cobrar a conta: como a fertilidade cai com a idade, assim como a qualidade e a quantidade dos óvulos, as chances de engravidar vão diminuindo também. É quando entram em cena, muitas vezes, os métodos de reprodução assistida. 

A reprodução assistida consiste em uma série de técnicas médicas para auxiliar no processo de reprodução humana e gestação. Indicada para casais com infertilidade, homoafetivos, que tenham desejo de uma gestação independente ou mesmo necessidade de reduzir os riscos de doenças genéticas, pode ser de baixa ou alta complexidade. “Os tratamentos de baixa complexidade são a relação sexual programada e a inseminação intrauterina, quando a fecundação ocorre dentro do útero da mulher. Já nos tratamentos de alta complexidade, a fecundação ocorre no laboratório, o que chamamos de fertilização in-vitro (FIV)”, explica a ginecologista e obstetra da USP e especialista em Reprodução Humana, Luciana Delamuta. 

Segundo ela, a maioria das pessoas que busca esse tipo de tratamento são casais com infertilidade. No entanto, tem aumentado a procura por casais homoafetivos e mulheres solteiras que desejam gestação independente. Existe ainda a possibilidade de congelar óvulos e espermatozoides, algo que tem sido cada vez mais comum com o adiamento da maternidade. 

Embora o custo desses tratamentos ainda seja um obstáculo, pois envolve uso de medicações de alto custo, equipe qualificada e numerosa (médicos, enfermeiras, embriologistas etc.), além dos equipamentos para a parte laboratorial, que exigem uma infraestrutura complexa, alguns dos serviços de reprodução assistida são oferecidos via Sistema Básico de Saúde (SUS). “Para isso, os casais precisam ser encaminhados pela Unidade Básica de Saúde (UBS) de sua região e preencher alguns requisitos básicos. Após agendar consulta ginecológica, o caso será avaliado e os exames, solicitados”, detalha Luciana. 

As taxas de sucesso dependem de vários fatores, incluindo o tipo de tratamento, a reserva ovariana da paciente, a resposta dos ovários ao uso de medicações, a qualidade do sêmen do parceiro e a qualidade dos embriões formados. “Após a transferência de um embrião, a taxa de sucesso pode variar entre 40-60%. Os tratamentos de baixa complexidade apresentam taxas de sucesso em torno de 20% por ciclo, similares às taxas de gestação espontânea a cada mês de tentativas para casais que engravidam naturalmente”, detalha a especialista da USP.

Da espera pode vir a calma

Do ponto de vista biológico, o momento ideal para engravidar é entre 20 e 29 anos, porém é nessa fase também que boa parte das mulheres está pensando na vida profissional ou simplesmente não se sente preparada para a maternidade. No caso de Paola, a diferença no estado emocional entre a primeira e a segunda gestação foram bem marcantes. “Oito anos depois da primeira gravidez, eu era outra pessoa: mais segura, mais tranquila, menos ansiosa. Fui para a primeira ultrassonografia com aquela serenidade de mãe de segunda viagem, mesmo sabendo que a gestação de múltiplos pode acontecer mais cedo do que uma gestação normal. O meu trio nasceu com 33 semanas, sem intercorrências”, conta.

O impacto de passar por uma gravidez de trigêmeos fez Paola querer compartilhar sua experiência. Além de manter o blog “Mãe pirada”, ela é autora do livro “Postei e saí correndo”, onde conta com humor como foi vivenciar uma gestação tão diferente. “No exame morfológico, por exemplo, que é um dos mais minuciosos, passei seis horas deitada. A médica não conseguia achar o último pé e demorou horrores até contar os 60 dedinhos”, lembra. 

A gravidez de Sibele também foi tranquila, graças aos cuidados que ela sempre teve com a saúde. “Quando engravidei, minha condição física estava ótima e acredito que isso tenha contribuído para que a minha gestação fosse de risco habitual (baixo risco). Fora os enjoos, a gestação foi muito boa, inclusive emocionalmente. No dia da descoberta, fiquei sem chão. Não podia acreditar que estava grávida e que minha vida passaria por uma mudança extrema. Fiquei muito insegura, chorei o dia todo. Passado o susto inicial, aceitei e comecei a me preparar para receber meu filho, estudando tudo que eu podia a respeito da gestação, parto e puerpério. O apoio do meu esposo foi fundamental nesse processo. Acredito que a segurança e a experiência são grandes vantagens da maternidade após os 40”, conta. 

Segundo Gabriela, o estado emocional da gestante, mesmo após os 35, vai depender de uma série de fatores, e não somente da idade. “Há mulheres que se sentem mais tranquilas por terem chegado a determinado nível profissional, estão estáveis financeiramente e sentem que é o momento planejado de ter um filho. Mas outras não planejaram e isso acaba por trazer inseguranças e questionamentos ainda mais intensos”, diz. 

Ela lembra que é perfeitamente possível passar por uma gestação após os 35 anos de modo tranquilo e saudável. “Porém isso requer bons hábitos de vida, como atividade física diária, controle do estresse e ansiedade, boa alimentação, zero álcool e fumo, e controle de doenças preexistentes”, emenda. 

“Gerir, parir e maternar após os 40, para mim, foi incrível. Antes disso, vivi intensamente minha realidade sem filhos: investi na minha carreira, viajei, aproveitei a vida com amigos, experienciei a liberdade. Agora, estou vivenciando essa nova etapa com experiência, segurança e amor, com a sensação de que, na minha vida, tudo deu certo até aqui”, resume Sibele. A escolha do “quando” ter filhos é algo que tem mudado na vida das mulheres, mas uma coisa nunca muda: o “como” é sempre uma experiência única.

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