Pós-parto: especialistas e mães desvendam a fase do puerpério

Hormônios a mil, transformações no corpo, depressão. Precisamos falar sobre a mulher no pós-parto

Martha Lopes Publicado em 10.03.2017
Foto em preto e branco mostra um bebê segurando o dedo indicador de um adulto.

Resumo

Cheia de hormônios, leite e lágrimas, o puerpério ainda é muito pouco discutido, principalmente pelo medo que as mulheres sentem de serem julgadas. Saiba o que profissionais da saúde e mães que passaram pelo pós-parto têm a dizer.

Depois de um parto natural incrível e empoderador, Verena Ferreira tomou um susto quando chegou em casa com seu bebê Lorenzo, hoje com dois meses, e se viu diante de uma série de problemas. Em seu puerpério, Mariana Batisteli, mãe do Martín, de nove meses, se sentia sozinha, só tinha vontade de chorar e se perguntava o que tinha feito da vida, para ser corroída pela culpa logo depois.

O que essas mulheres têm em comum? Todas vivenciaram o período do pós-parto – ou puerpério -, o momento seguinte ao nascimento de um filho, que é de extrema vulnerabilidade para a mulher e sobre o qual pouco se fala.

O pós-parto não é considerado pela nossa cultura da forma que deveria porque vem da época colonial, como uma ideia de quarentena, de resguardo da mulher. Foi uma construção patriarcal que permitia que as mulheres não fossem procuradas pelos maridos”, explica o psicólogo Alexandre Coimbra.

De duração variável, trata-se de um período que ultrapassa a questão biológica do desequilíbrio hormonal. “Não é só a adaptação à chegada de um bebê. É um período de reconstrução da identidade da mulher, de toda a forma como ela vê a vida. Isso vai mexer drasticamente com a história dela, não só como projeção do futuro, mas do passado, como filha”, diz o especialista.

Assim, ao mesmo tempo em que há o início de uma nova vida, há um profundo processo de luto, de despedida da mulher que se era, livre e sem filhos, para esta mãe, com um pequeno ser que chora muito e que depende quase exclusivamente dela. “Quando a mulher tem um bebê, ela descobre que fez um compromisso com a eternidade”, fala Alexandre.

Foi exatamente o que Verena sentiu. Depois de enfrentar problemas para ajustar a amamentação e desenvolver a dolorosa candidíase, um tipo de fungo, no seio, via a tristeza do pós-parto crescer dia a dia. “Só ficava em casa, não queria sair, tinha vergonha de amamentar na frente dos outros e fazia uma dieta super-restritiva por conta da candidíase. Tinha dias que o bebê só chorava ou não dormia”, conta.

Depois de conversar com uma psicóloga por indicação da pediatra, ela descobriu que a chateação não se dava apenas por conta das dificuldades do aleitamento. “Sentia saudade da minha vida anterior, quando tomava banhos demorados, corria, me maquiava, arrumava o cabelo, ia a um happy hour. Precisei me despedir daquela Verena e perceber que também persegui muito a mulher que sou hoje.”

Regressão e desamor

“As mulheres puérperas têm a sensação de enlouquecer, de perder todos os espaços de identificação ou de referência conhecidos; os ruídos são imensos, a vontade de chorar é constante, tudo é incômodo, acreditam ter perdido a capacidade intelectual, racional. Não estão em condições de tomar decisões a respeito da vida doméstica. Vivem como se estivessem fora do mundo; vivem, exatamente, dentro do ‘mundo-bebê’”.

Laura Gutman, em “A maternidade e o encontro com a própria sombra”

No pós-parto, não é só o bebê que chora. Com frequência, a mãe passa o dia entre “leite e lágrimas”, como fala Daniela Carvalho, mãe do Guilherme, de seis meses. A sensação é que, junto com o bebê, a mulher regride um pouco. E essa regressão, segundo psicanalistas como o inglês Winnicott, é fundamental para que a mãe possa compreender seu filho recém-nascido.

Cristiana Pradel, psicóloga e consultora de aleitamento há mais de 15 anos, esclarece que é por conta dessa parte regredida que a mulher no pós-parto se vê em meio a tanto choro, inconstância e insegurança. “Por outro lado, há uma conexão com o bebê porque a mãe tem dentro de si esse cuidado. Outra dificuldade é que, até então, a mulher cuida da sua vida e, com o nascimento do bebê, precisa colocá-lo em primeiro lugar. Isso pesa muito, dá muito medo”, diz.

Em seu acompanhamento às mães recentes, Cristiana nota a importância de dar suporte à mulher no seu processo de vinculação ao filho: “Muitas vezes ela precisa de uma espécie de autorização, de validação. E o amor não é instantâneo.

“Não é porque o bebê estava na barriga da mãe que ela o conhece ou tem intimidade com ele”.

Essa constatação de que o amor não vem junto com o bebê, mas é uma construção, também assusta. Daniela fala: “Eu tinha me preparado de forma concreta, mas nada foi suficiente. Ninguém foi sincero comigo para dizer: ‘Você não vai amar seu bebê assim que ele nascer, não vai saber lidar com os palpites’. Enfim, ainda se pinta a maternidade como uma coisa que, em um primeiro momento e em muitos outros, ela não é”.

Alexandre Coimbra reitera essa dificuldade: “Você não se prepara para ser mãe ou pai, é impossível, porque não tem um filho, mas aquele filho. É sempre uma novidade, sempre há estranhamento. A relação entre mãe e filho é de estranhos íntimos, estamos constantemente nos redescobrindo”.

Aleitamento: outro desafio

Além da enxurrada de hormônios, da recuperação física do parto e de toda essa carga emocional e psíquica, a mulher nessa fase tem que lidar com os desafios da amamentação. Cristiana, consultora de aleitamento, esclarece: “É importante dizer que não é porque é natural do corpo que a mulher vai conseguir amamentar sem dificuldades. É uma relação que precisa ser acertada”. Nesse período inicial, podem aparecer problemas como fissura, mastite e dutos entupidos. E, nos primeiros dias, mesmo sem problema algum, é comum sentir dor. De qualquer modo, se o desconforto continuar, é importante procurar uma especialista, porque pode haver algo de errado.

Mais do que nutrição ao bebê, a amamentação tem desdobramentos emocionais para a mulher. “O parto é uma ruptura da simbiose entre mãe e bebê. O aleitamento é uma forma de minimizar e elaborar essa separação. Nesse sentido, há teóricos que afirmam que a amamentação é uma proteção contra a depressão pós-parto”, conta Cristiana.

Quem procurar?

Antes de buscar ajuda fora de casa, muitas mulheres costumam recorrer a parentes e amigos próximos. E é nessa hora que surgem os temidos palpites. “O problema das famílias é que intuem o que devem fazer sem escutar a mulher. É preciso entender quando a mulher quer ficar só e quanto precisa de companhia, quando precisa que alguém esteja com ela e o bebê ou só com o bebê para ela fazer algo. É um exercício de empatia. Todos que estão com a mulher estão em situação mais privilegiada, até o pai. Ninguém está numa situação tão turbulenta”, sinaliza Alexandre.

Para a pediatra Marcia Zani, é importante “que a família ouça mais e se proponha a rever seus conceitos, sem impor as próprias verdades”. Isso porque, na tentativa de ajudar, com frequência as pessoas dão conselhos que atrapalham ou interferem nas escolhas da mãe quanto à amamentação, ao sono e às práticas de cuidado.

Já a puérpera que sentir necessidade de assistência pode procurar uma doula pós-parto, profissional que dá suporte físico e emocional após o nascimento do bebê. A consultora de aleitamento é outra figura capaz de auxiliar. O trabalho de Cristiana, por exemplo, inclui visitas à casa da mãe: “Vejo onde ela amamenta, os hábitos que ela tem e como está a rotina do bebê”.

Os médicos pediatras são profissionais que também dão suporte. Marcia diz: “Para ser pediatra você tem que se dispor a acolher as mães, entender de puerpério e dar apoio. Nós, profissionais da saúde, temos que ajudar esclarecendo, ouvindo e dando espaço para esse momento”.

Sinais de alerta

Diante de tamanha intensidade emocional, como identificar o que é o puerpério e o que é uma depressão pós-parto? O psicólogo Alexandre diz que a diferença está na vinculação da mãe com o bebê. “É normal sentir raiva da demanda do bebê. Acordar 10 vezes por noite gera raiva mesmo. Mas, se isso se prolongar por muito tempo e a mãe não conseguir se reconectar de forma mais amorosa, se virar um padrão na relação, se ela não quiser estar com o bebê, se não o quiser por perto e se sentir incapaz de nutri-lo afetivamente, pode ter algo diferente”.

Outro sinal que merece atenção é quando a mulher mostra perda de energia para fazer aquilo de que gosta: “Depressão não é o contrário de tristeza, mas de vitalidade. Qualquer processo depressivo envolve a perda de energia. E muitos deles se manifestam de forma raivosa, não triste”.

Nesse caso, a família deve procurar um profissional, psicólogo ou psiquiatra, que pode ajudar no diagnóstico.

É preciso uma vila

Há cerca de um ano, a pediatra Marcia Zani percebia como as mães de seus pacientes tinham questões em comum – mastites, dificuldades no aleitamento, interferência dos familiares, medos e angústias. Então pensou que, se juntasse essas mulheres em uma mesma conversa, elas poderiam se ajudar. Assim nasceu um grupo de WhatsApp que conta com mais de 80 mães e que, mensalmente, se encontra de forma presencial. “O puerpério é um momento de muita solidão para a mulher e ela precisa entrar em contato com pessoas em momento parecido para diminuir essa sensação de sofrimento”, diz a médica.

A consultora de aleitamento Cristiana acompanha um grupo de pós-parto no espaço Parto sem Medo que reúne uma média de 10 mulheres por semana e também percebe os benefícios: “Às vezes o bebê chora em casa e no grupo dorme. Lá a mãe se acalma”. Outro aspecto interessante é que, nesse espaço, as mulheres apoiam as decisões umas das outras, deixando os palpites de lado. “Falamos de muita coisa, de maridos que não ajudam, de sogras, de cama compartilhada, do cansaço, do saco cheio”, pontua Cristiana.

Para Alexandre, pensando em políticas públicas para a fase do pós-parto, os grupos são ótimas opções, por serem facilmente viáveis em unidades de saúde. “Do grupo, podem surgir estratégias coletivas de cuidado. Ele fornece escuta e sentimento de conexão comunitária”.

Pensando nisso, o psicólogo criou o Instituto Aripe, uma plataforma digital para o compartilhamento de informações sobre o pós-parto. Hoje, já conta com uma série de vídeos que abordam temas específicos, como o casamento e a chegada de um segundo filho. Mas, no futuro, há o plano de contar com um grupo virtual de pós-parto.

As mulheres que participam dessas rodas sentem suas angústias profundamente transformadas. Mariana diz: “Ter uma motivação para sair do casulo, poder desabafar, encontrar ou trocar mensagens com pessoas na mesma situação me fez aceitar, me entregar e viver esse período com um pouco mais de naturalidade e leveza”.

Verena conta que, na primeira vez que esteve em um grupo, estava muito fragilizada com as dificuldades para amamentar. “As outras mulheres foram muito empáticas. Elas me ouviram e eu percebi que não estava só.”

Conselhos de mães

Se está prestes a entrar no pós-parto, confira as dicas de outras mães

 

 

 

Comunicar erro
Comentários 1 Comentários Mostrar comentários
REPORTAGENS RELACIONADAS