Pesquisa acompanhou seis cidades brasileiras que combatem o racismo no currículo e na comunidade escolar
Pesquisa indica como estimular uma educação antirracista nas escolas, a partir de ações em seis cidades brasileiras que mantêm projetos para garantir a Lei 10.639, sobre o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira.
Leitura de autores negros, brincadeiras e jogos afro-brasileiros, filmes com debates e até merenda temática. Essas estratégias garantem uma educação antirracista e o cumprimento da Lei 10.639 em algumas escolas brasileiras, apesar de há 20 anos ser obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas elas.
Depois de constatar que 71% das Secretarias Municipais de Educação realizam pouca ou nenhuma ação referente ao ensino de história e cultura afro-brasileira, a pesquisa produzida por Geledés Instituto da Mulher Negra e o Instituto Alana buscou compreender o diferencial e as práticas adotadas por municípios que apontam caminhos inspiradores de cumprimento a leis: Belém (PA), Cabo Frio (RJ), Criciúma (SC), Diadema (SP), Ibitiara (BA) e Londrina (PR).
Em seguida, Lunetas destaca ações “consistentes e perenes” listadas na pesquisa para uma educação antirracista em escolas dessas seis cidades. As iniciativas, em suma, passam por questões de administração pública, orçamento, leis ou decretos locais. A ideia é que escolas de todo o país possam se inspirar e debater com as crianças formas de quebrar, a cada dia, as estruturas racistas – e não apenas durante o Mês da Consciência Negra.
Após 20 anos, o principal impacto do déficit de implementação da Lei 10.639 é o aumento de casos de racismo registrados pelas secretarias de educação, explica Tânia Portella, pesquisadora doutora em Educação e consultora de Geledés. Para ela, fazer a diferença passa por “políticas educacionais que induzam as escolas a executarem a lei”. Também é preciso aproximar as escolas das comunidades e organizações de movimentos negro da região. Isso ajuda a entender o perfil das famílias dos estudantes e do território em que estão inseridos.
Beatriz Benedito, analista de políticas públicas do Instituto Alana, aponta outros desafios para garantir o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas. “Resistência e falta de formação da comunidade escolar, intolerância religiosa, baixo engajamento de professores brancos, ausência de dados qualificados de raça e cor para elaboração de políticas educacionais antirracistas.”
Segundo ela, as escolas não têm equipes responsáveis por essa temática, nem orçamento dedicado à agenda e regulamentação local. O reflexo é, portanto, a “manutenção das estruturas racistas que constituem o país até hoje”. Por isso, defende, “a Lei 10.639 deve ser implementada de forma constante ao longo do ano”.
De acordo com os dados da pesquisa “Percepções sobre o racismo no Brasil”, do Instituto de Referência Negra Peregum e do Projeto SETA (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista), de 2023, 64% dos brasileiros entre 16 e 24 anos consideram que o racismo começa na escola.
Combater essa realidade passa por valorizar a contribuição da população negra – “além da culinária, dança e religiosidade”, diz Tânia Portella. “A educação antirracista permite que os estudantes conheçam a população negra além da perspectiva da escravidão. Nesse sentido, isso reflete diretamente no entendimento sobre suas identidades e contribuições sociais. O que inclui, por exemplo, a construção de tecnologias, a evolução na medicina, na literatura e na matemática.”
“Isso muda como os alunos negros se vêem e como são vistos. Já os alunos brancos aprendem que não existe uma cultura hegemônica, em que só a herança europeia é validada”, afirma Portella. Para Beatriz Benedito, conhecer e valorizar as contribuições dos povos africanos e afro-brasileiros na formação do Brasil pode finalmente promover consideração e respeito na comunidade escolar. Além disso, fortalece vínculos de amizade entre crianças negras e não negras.