Como acolher os erros durante a infância com naturalidade e aceitar que eles podem ser a porta de entrada para grandes descobertas?
Saber que errar faz parte do crescimento e da aventura de explorar o mundo é importante para as crianças. Mas elas dependem de orientação para que consigam lidar com isso.
Arriscar os primeiros passos, se equilibrar em uma bicicleta sem rodinhas ou tentar uma simples soma de um mais um são aprendizados diários das crianças. Nesse processo de descobertas, errar faz parte. Todo mundo erra! Mas, como lidar com as frustrações e as quebras de expectativas quando elas vêm da própria família?
Para a psicóloga clínica e psicoterapeuta de crianças e adolescentes, Natércia Tiba, “o erro é uma parte importantíssima da aprendizagem, por isso temos de tolerá-lo. As crianças são muito ativas e querem explorar o mundo e aprender. Então, ao tentar, vão errar”. Mas, segundo ela, entender que o erro é natural depende de como se estabelece essa conversa em casa. “Se os pais brigam por causa do erro, ela pode ficar mais acuada para tentar algo novo.” Saber lidar com os erros é fundamental para evitar ansiedade e frustrações intensas.
“Eu tive uma infância muito livre com minhas irmãs. A gente brincava, tentava, experimentava. Minha mãe levava numa boa e não tinha muita cobrança”, conta Jaqueline Mourão. Foi dando espaço para os erros que ela se encontrou no esporte. Primeiro, tentou praticar ginástica e vôlei. Só com 15 anos experimentou o mountain bike, “sem muito medo de errar”, diz. “Segui o meu coração, como na infância, quando descobria o mundo de uma maneira descompromissada.“
Mas foi com os filhos Ian, 12, e Jade, 8, que a atleta olímpica percebeu que talvez a liberdade de errar não fosse uma realidade para eles, cobrados se seriam campeões como os pais. “Lembro que meu filho só tinha três anos quando me disse bem zangado que não queria ser atleta. Eu disse, ‘tudo bem’, e ele me olhou aliviado. Isso me fez entender como a pressão pode começar cedo.”
Lidar com os erros das crianças de maneira construtiva, e não culposa, pode ser um desafio, mas ajuda a criança a se desenvolver emocionalmente e a ter mais recursos para aprimorar o comportamento. “Os pais não devem corrigir e refazer algo pela criança. Pelo contrário, é melhor perguntar como eles podem fazer juntos novamente. Ou ensiná-la a corrigir seu próprio erro”, diz Tiba. “A maneira como os pais lidam com o erro das crianças vai fazer toda a diferença na postura que ela tem diante de situações que precisam de coragem e de tentativas.”
Portanto, orientar e encorajar a criança a tentar mais uma vez ou a resolver de maneira simples o seu erro é mais vantajoso do que apenas chamar a atenção, brigar, resolver algo no lugar deles ou fazer piadas, explica a psicóloga. Isso também tem a ver com ensinar que o erro, intencional ou não, tem consequências. Mesmo aquelas mais pequenas. Por exemplo, se em alguma atividade em casa, a criança sujar ou bagunçar algo, ela pode ajudar a limpar ou arrumar. “Não é uma punição, mas simplesmente ensinar o que vem depois.”
Como errar faz parte de aprender, esse processo não deve ser entendido de maneira pejorativa, como uma incompetência da criança. Nem mesmo como falta de vontade. “A criança não escolhe fazer algo errado. Ela erra porque não sabe fazer de outra maneira”, explica Tiba.
Esse entendimento chegou a Mourão dentro e fora das competições. Embora ainda se considere uma atleta que se cobra muito, com os filhos a intenção é sempre deixá-los à vontade para escolherem o que quiserem. “A Jade não tem a veia competitiva e o Ian começou a praticar golfe e agora mountain bike por vontade dele. Deixamos claro que o que importa para gente é que eles estejam felizes.”
No caso de crianças que têm alguma deficiência física ou cognitiva, a psicóloga afirma que o ideal é explicar que ela vai precisar de um tempo diferente ou um esforço a mais. Segundo ela, ajuda profissional pode ajudar os pais a entenderem qual suporte dar aos filhos, para que encontrem o equilíbrio entre saber os limites para “não exigir demais ou além do que elas podem oferecer” e potencializar as habilidades.
Sabe aquele vídeo engraçadinho de crianças nas redes sociais com choro, susto ou dor? Expor um erro ou uma reação inesperada da criança na internet é delicado, diz Tiba. É o caso do desafio de quebrar um ovo na testa do filho, que virou uma tendência com mais de 75 milhões de visualizações no Tik Tok.
Além da situação implicar na construção da imagem com a possibilidade de estigmatizar sua identidade, quando o erro está abertamente nas redes sociais há uma quebra de confiança com o cuidador e a criança fica exposta a julgamentos de pessoas que estão fora do círculo de conforto dela.
Constranger, segundo Tiba, não é uma opção para lidar com o erro, pois, o que parece divertido para o adulto pode ser coisa séria para as crianças. Por isso, “na dúvida, não exponha o erro da criança nas redes sociais”, diz. “Se a família ensinou que errar é algo vergonhoso, a criança vai se sentir extremamente exposta.”
Errando é que se aprende
Uma experiência com 75 estudantes de Singapura concluiu que, a cada erro em alguma atividade escolar, a parte da aprendizagem profunda do cérebro era ativada. Isso porque, ao esbarrar com uma incorreção, três pontos fundamentais eram acionados: aquilo o que as crianças já sabiam, até onde sabiam e o que não sabiam. Ou seja, os próprios estudantes organizavam os pensamentos de maneira natural, com o que dominavam e o que os limitavam. O erro em sala de aula não deve ser desprezado, justamente por ser um reflexo de como o conhecimento está sendo construído.