Sinal de alerta: os impactos da pandemia à saúde mental infantil

Para garantir atenção integral às crianças, especialista defende política escolar de monitoramento e auxílio psicológico

Claudia Mascarenhas Publicado em 23.01.2023
Foto em preto e branco de uma mulher adulta e uma criança. Ambas estão de costas. A menina usa mochila e apoia a cabeça no braço da mulher
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Resumo

A especialista Claudia Mascarenhas defende uma política escolar de monitoramento e auxílio psicológico como forma de garantir atenção integral às crianças num momento em que se acendem os alertas para a saúde mental na infância.

Depois de tantas ondas e novas variantes da covid-19, a pandemia trouxe prejuízos também para a saúde mental da população mundial, como previu a Organização Mundial de Saúde (OMS). Porém, desde o início do confinamento das famílias e da interdição à convivência comunitária, a saúde mental infantil tem sido afetada, ainda que os impactos atinjam de modos distintos as crianças em suas iniquidades econômicas e sociais.

Se a primeira infância é marcada por uma maior dependência (material e socioemocional) em relação aos cuidadores, e as condições de vida dos adultos é parâmetro e anteparo da saúde integral das crianças, as mudanças bruscas de rotina, a instabilidade de emprego e trabalho, a insegurança alimentar e de moradia, o aumento da violência doméstica, a falta de rede de apoio das famílias, principalmente as monoparentais com mães sozinhas, e a precariedade da garantia de direito à saúde pública, atingiram diretamente as crianças.

São duas grandes situações em que os impactos para a saúde mental são incalculáveis: a primeira vem dos impactos vivenciados no dia a dia da pandemia; a segunda diz respeito às crianças que precocemente se tornaram órfãs de pais ou avós.

  • 1. Impactos no dia a dia da pandemia
    • Durante a pandemia, as crianças apresentaram mais problemas de sono e alimentação, além de manifestações de apego inseguro, que é o vínculo contaminado pelo medo, e preocupações com doenças e morte.
    • Todas sofreram com o afastamento de familiares, principalmente dos avós.
    • Aquelas em fase pré-escolar perderam o convívio da escola, com aumento dos sintomas de irritabilidade, agitação e falta de atenção, além do atraso em seu letramento e alfabetização, amplificando ansiedades. As que dependiam da merenda escolar tiveram perdas nutricionais importantes, ou mesmo o contato com a fome.
    • Além de terem ficado em média dois anos sem frequentar a escola de modo presencial, e terem passado esse mesmo tempo superexpostas às telas, as crianças tiveram um retorno às aulas em clima ainda de tensão e inseguranças que, junto com a instabilidade e o sofrimento dos familiares e profissionais da educação, somaram mais impactos emocionais.
    • As crianças mais vulneráveis em seu desenvolvimento global e as crianças com deficiências foram ainda mais afetadas: a rede de apoio profissional foi interrompida trazendo prejuízos cognitivos, psicomotores e de inclusão social. A desconsideração dessas circunstâncias gera ainda mais patologização e medicalização, incluindo medicações psiquiátricas.

  • 2. Crianças que precocemente se tornaram órfãos de pais ou avós
    • Os dados subestimados de orfandade pela covid-19 no Brasil, segundo estudo publicado pelo Imperial College London, marcam 157.500 crianças órfãs (morte de um ou ambos os pais); 181.500 (perda do cuidador principal, ou seja, morte de um ou ambos os pais ou falecimento dos avós guardiões); 264.700 (perda de cuidadores primários ou secundários, ou seja, morte de um ou ambos os pais, falecimento dos avós guardiões e/ou falecimento de outros avós coabitantes).
    • Ainda, segundo dados de um estudo inédito realizado por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), nos dois primeiros anos da pandemia, 40.830 crianças e adolescentes perderam suas mães por covid-19 no Brasil.

    Para que as crianças tenham atenção integral garantida e auxílio no que for necessário, é imperativo que se instaure uma política de enfrentamento aos prejuízos causados pela orfandade precoce, em seus aspectos de direitos humanos, sociais, monitoramento escolar específico e acompanhamento em saúde mental, sobretudo entre as crianças com deficiência e o impacto em seu desenvolvimento global.

    * Claudia Mascarenhas, psicanalista, diretora clínica do Instituto Viva Infância, que faz parte da Rede Nacional Primeira Infância (RNPI), e pós-doutoranda em Saúde Coletiva pela UFBA/ISC/FASA.
    ** Este texto é de exclusiva responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Lunetas.

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