Como identificar as dificuldades e acompanhar o ensino das crianças para que o ciclo evolutivo das séries subsequentes da educação básica não seja comprometido?
Apenas quatro a cada dez crianças estão alfabetizadas, de acordo com o Ministério da Educação. Para especialistas, aprender a ler e a escrever é um processo que vai além dos muros da escola: requer ajuda da família e políticas de capacitação dos professores.
A cada 10 alunos do segundo ano, apenas quatro estão completamente alfabetizados, mostrou a pesquisa Alfabetiza Brasil, do Ministério da Educação (MEC). Já o estudo PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study), que mede o conhecimento de leitura e escrita de estudantes de vários países, constatou que 38% das crianças brasileiras de 10 anos são consideradas analfabetas funcionais. O que fazer para que a alfabetização seja um processo menos desigual entre os estudantes do ensino fundamental no país?
Os critérios do MEC para considerar que uma criança de seis e sete anos domina a leitura e a escrita passam pelas habilidades básicas de compreender tirinhas e produzir pequenos textos, como um convite ou um bilhete. Parece simples, mas a professora Shirley Quadros, que leciona no ensino fundamental há 23 anos, afirma que as crianças ainda apresentam dificuldades em séries mais avançadas. Dos seus 25 alunos em uma escola pública no Pará, 13 precisaram de aulas extras com uma monitora para trabalhar a alfabetização. “Eles ainda estavam iniciando o alfabeto e a junção das sílabas. Se não conseguem ler e escrever as atividades, não têm vontade de acompanhar as outras disciplinas”, diz.
Para ela, o problema do desnível na alfabetização de sua turma do segundo ano vai além dos muros da escola. “Percebo que as crianças que têm acompanhamento dos pais se desenvolvem melhor. Por isso, sempre falo para as famílias que elas precisam tirar um tempo para ajudar as crianças, pois a responsabilidade não é só da escola.”
Segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a idade adequada para a alfabetização completa da criança é até os sete anos, quando ela está no segundo ano do ensino fundamental. Mas, a Alfabetiza Brasil mostrou que somente o estado de Santa Catarina alcançou o nível mínimo para a alfabetização dentro do Sistema Nacional de Avaliação Básica (Saeb), que apontou que 56% dos alunos que cursam essa série escolar no país inteiro não estavam alfabetizados. O índice cresceu em relação ao período anterior à pandemia, quando a taxa era de 39%, em 2019. A preocupação levou o Governo Federal a ampliar as políticas e a desenvolver um Pacto Nacional pela Alfabetização, que será lançado até o fim do ano.
A pedagoga catarinense Maiara Milioli, especialista em alfabetização e letramento, explica que ainda no primeiro ano do ensino fundamental a criança já precisa reconhecer o próprio nome e saber escrevê-lo. Ao final da mesma série, ela deve ler junções silábicas simples de consoante e vogal, como nas palavras “bala” e “bule”.
“O aluno tem que compreender a relação sonora. Se ele não está conseguindo fazer a leitura mais inicial no fim do primeiro ano, já apresenta dificuldade”, ressalta a pedagoga. Aos pais e cuidadores, ela recomenda que, ao perceberem que a criança está com dificuldades no processo de alfabetização, é hora de conversar com os professores. “É bom saber como é a didática em sala de aula e a opinião que o professor tem sobre o aluno”. Ela explica que, dependendo do caso, a família pode até buscar a ajuda de um psicopedagogo para saber se a criança precisa de mais estímulo, se o atraso surge de alguma implicação cognitiva ou se está relacionado à maneira que a alfabetização transcorre em sala de aula.
“A alfabetização não se resume a decorar famílias silábicas. É um código de escrita do qual a criança precisa se apropriar, fazendo relação de letras e sons.”
A definição dos critérios estipulados pelo MEC é consequência de um trabalho conjunto de análise de dados e de escuta de professores de todo o país. Apesar disso, especialistas na área da educação questionam os padrões se consideradas as diversidades social e regional. Para Selma Pena, doutora em educação, pesquisadora do grupo em leitura, escrita e alfabetização na Amazônia e representante da Associação Brasileira de Alfabetização (ABALF), os critérios não estão de acordo com o desenvolvimento das crianças, pois “infelizmente, nem todas têm direito à apropriação da linguagem escrita do mesmo modo. Isso depende de classe social ou se a criança frequenta instituição pública, privada, do campo ou da cidade”, diz.
Para ela, há um impasse para que os professores desenvolvam um plano de aula a partir das dificuldades dos alunos, justamente porque precisam seguir um roteiro preestabelecido. Além disso, é preciso criar uma política específica para resolver a falta da formação continuada do professor alfabetizador, sugere a pesquisadora, “a partir do que cada um tem a dizer sobre as dificuldades em sala”. Outro ponto é a acessibilidade, oferecendo aos alunos livros e textos adequados para a idade das turmas em fase de alfabetização. “O texto verbal deve ser referência para que as crianças tenham diferentes leituras e interpretações do mundo”, conclui.
Família e professores precisam caminhar juntos no processo de alfabetização da criança, observando as dificuldades e percebendo possíveis atrasos ou desvios. Veja algumas sugestões da pedagoga Maiara Milioli para acompanhar a criança:
Em casa:
Na escola:
Leia mais
Comunicar erro
Critérios do MEC para considerar se uma criança está alfabetizada: