O que o ‘bilete’ de Gabriel nos ensina sobre alfabetização?

Gabriel conhece muito bem o tipo de texto que precisa escrever e a função que o bilhete tem socialmente

Da redação Publicado em 28.08.2018

Resumo

Para que ele saiba tudo isso aos cinco anos, o que será que foi preciso acontecer com o Gabriel até então? Confira a reflexão de Ana Carolina Carvalho, formadora do Instituto Avisa Lá.

Na última semana uma imagem de um bilhete escrito com uma grafia infantil correu as redes sociais e foi motivo de muitas paródias. (Até o Lunetas fez uma).

O autor do bilhete escrito à mão é o menino Gabriel, de cinco anos, morador da cidade de Bocaina, em São Paulo. Com vontade de ter uma folguinha da vida escolar, Gabriel teve a ideia de dar um jeito de não ir à aula no dia seguinte: criou uma mensagem onde a escola informava à mãe que “poderia ser feriado”.

A professora Paula Renata Robardelli leciona desde 2009 no Centro Educacional Municipal de Educação Infantil (CEMEI) de Bocaina e foi quem compartilhou a foto do bilhete.

“Minha intenção era mostrar sua inteligência em fazer um bilhete desse tipo com a idade que tem! Com a escrita que usou! Ele é muito inteligente!”, relatou a professora em entrevista ao Correio Braziliense.

Além de toda a graça da história, podemos aprender muito sobre alfabetização e letramento com o episódio. Por isso, o Lunetas foi perguntar para Ana Carolina Carvalho, formadora do Instituto Avisa Lá, organização que tem a missão de qualificar  a prática pedagógica das redes públicas de Educação Infantil: O que nós, adultos, podemos aprender sobre alfabetização e letramento a partir do “bilete” do Gabriel?

 

Confira a reposta!

Em primeiro lugar, aprendemos que Gabriel sabe e ler escrever aos cinco anos. E não apenas porque sabe juntar as letras certas, ou seja, não apenas conhece o sistema de escrita. Ele sabe para que serve a escrita, conhece muito bem o tipo de texto que precisa escrever, para que ele serve, ou seja, a função que o bilhete tem socialmente. Para que ele saiba tudo isso aos cinco anos, o que será que foi preciso acontecer com o Gabriel até então?

Sem medo de errar, podemos listar as experiências que teve: contato sistemático com a linguagem escrita, em situações plenas de sentido: ele deve ter participado de situações de escrita de bilhetes na escola, nas quais ouviu a leitura desse texto e provavelmente ditou bilhetes à sua professora, deve ter participado de muitas outras situações em que práticas sociais de leitura e escrita se fizeram presentes, deve ter ouvido muitas histórias lidas pela sua professora (talvez em casa, também, mas quando isso não acontece, é na escola que as crianças precisam ter essa oportunidade), deve ter tido contato frequente com diversos tipos de texto.

E, claro, deve ter experimentado a liberdade de escrever quando teve o que dizer, deve ter tido a experiência de ter ser ouvido e respondido nos bilhetes anteriores e a liberdade de poder pensar sobre a escrita, para que ela serve e como se organiza, ou seja, como se escreve.

Por que não temos tantos “Gabrieis” aos cinco anos de idade e o que é pior, nem aos sete, aos nove, os dez? Porque a escola ainda acredita que alfabetizar se reduz ao conhecimento do sistema de escrita, a ensinar o mecanismo de funcionamento da língua.

Alfabetização é um processo que envolve o contato, desde a Educação Infantil, com práticas sociais de leitura e escrita. Enquanto a escola não se conscientizar do seu papel de democratizar o acesso à cultura escrita e de que ensinar a ler e escrever é comunicar práticas de leitura e escrita, seguiremos tendo meninos e meninas que não serão capazes de escrever esse delicioso “bilete” aos seus pais. Ou de se colocar no lugar de quem escreve e lê, até mesmo antes de escrever convencionalmente ou ler autonomamente, porque antes de produzir esse bilhete, Gabriel deve ter brincado de escrever outros tantos.

“Em tempo: o que menos importa aqui é a mentirinha de Gabriel. Eu chamaria de invenção. Gabriel brinca e escreve ao mesmo tempo”, escreveu Ana Carolina Carvalho em seu Facebook.

Alfabetização no Brasil

A taxa de analfabetismo continua diminuindo no Brasil, mas em 2017 ainda alcançava 7% da população de mais de 15 anos, cerca de 11,5 milhões de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE.  De acordo com um relatório da Unesco de 2016, o Brasil é o país sul-americano com a maior taxa de analfabetismo.

“Se em todas as escolas as crianças tivessem a oportunidade que Gabriel teve, o país estaria bem melhor em todos os índices das avaliações (ANA, Prova Brasil e por aí vai)”, escreveu Ana Carolina, que também colabora com o Cedac – comunidade educativa.

O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) vai mudar na sua próxima edição. A Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA) e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc, também conhecida como Prova Brasil) deixarão de existir com essa nomenclatura.

A partir de 2019, todas as avaliações externas serão identificadas como Saeb. O que vai marcar as diferenças será a indicação da etapa e das áreas do conhecimento avaliadas. Entenda melhor aqui.

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