Depois de ocupar as ruas, o slam chega às escolas como forma de estimular os alunos a criarem poemas e expressarem suas ideias em público
Batalhas interescolares de slam são uma oportunidade para crianças e adolescentes criarem seus próprios versos e se expressarem sobre os temas que mais os mobilizam.
Usar a poesia contra o racismo, a cultura do patriarcado, o machismo. No slam, vale poemas de qualquer temática, desde que sejam autorais e tenham até três minutos de duração. O que importa é falar sobre o que mais mobiliza cada um de forma verdadeira. Então, claro, cabe também falar sobre sentimentos ou simplesmente ressaltar as belezas da vida.
É assim que a cultura do slam – que surgiu em Chicago, na década de 1980 – tem aproximado crianças e adolescentes brasileiros da poesia falada. Criar os próprios versos e apresentá-los em público é uma forma de trabalhar desde cedo habilidades de comunicação e expressão artística.
Além de transformar a literatura em algo prazeroso e menos elitista, o slam também exerce a escuta, diz Jéssica Balbino, que é curadora literária e atua com produções periféricas. “Quando você está em um slam, mesmo que para disputar, você fala por três minutos a cada rodada e ouve na maior parte do tempo. Isso é muito valioso.”
Para o professor de língua portuguesa e literatura, Sued Lima, responsável pelo “SLAM V.P”, na Marista Escola Social Irmão Lourenço, na zona leste de São Paulo, o slam também pode ajudar os alunos a “afirmarem suas identidades, ocuparem lugares de protagonismo e adotarem uma postura crítica frente aos problemas sociais, construindo um importante repertório sociocultural”. Lá, os estudantes se dividem em slammers, organizadores, audiência e torcedores. Isto é, cuidam de todo o planejamento, organização e condução da batalha.
“O slam se torna um espaço-tempo de participação”, define Lima.
Depois de três anos presente no calendário anual e no plano de ensino, o “SLAM V.P” chamou a atenção de outra escola da rede Marista, o Arquidiocesano, na zona sul de São Paulo. A professora Ester Abdelnur Camargo se encantou à primeira vista. Incorporou, então, as práticas entre os estudantes do ensino fundamental II e, atualmente, no ensino médio. “Eles começaram mais tímidos, por conta da performance ao recitar. Mas, depois, se entregaram. E assim, ampliam a visão de mundo, se sensibilizam, quebram paradigmas, além de todos os outros ganhos com habilidades de pesquisa, escrita e comunicação.”
Entusiasta da poesia falada, a professora Jacqueline Bernardes, usa técnicas de escrita em suas aulas no ensino fundamental II e ensino médio na rede municipal de São Paulo desde que conheceu o slam da Guilhermina, o primeiro slam de rua do mundo, que é realizado em uma praça ao lado do metrô Guilhermina-Esperança.
Ano passado, levou a cultura do slam para a EMEF 19 de novembro, na zona leste da capital, onde atua. “Os alunos passam a escrever textos autorais e isso é muito bacana, porque traz conteúdo e repertório. Você não consegue escrever sobre algo que não conhece. Então, é curioso como vão percebendo isso e buscando referências”, explica.
“Tive um estudante do sexto ano, que não está plenamente alfabetizado, muito empolgado com o slam na escola, mas que não conseguia colocar as ideias no papel. Usamos exercícios para ajudar e, no fim, ele criou seus versos”, conta Bernardes, emocionada. “Isso porque o slam é também sobre apresentar possibilidades e mostrar que, mesmo com dificuldades de aprendizado, eles podem.”
Nicole Amaral, 20, já levou três vezes o primeiro lugar — em 2019, na batalha estadual; e em 2020, na estadual e na nacional. “Depois de participar da batalha uma vez na escola e não ser classificada, pensei em desistir. No ano seguinte, me aproximei mais ainda da poesia porque percebi que ela também podia ser uma cura. Afinal, existe muito mais do que ganhar. Tive que trabalhar muito, inclusive minha timidez”, relembra a slammer.
Hoje, ela tem livro com suas poesias e, ano passado, entrou para o time de poetas-formadores, responsáveis por treinar os estudantes nas escolas que competirão. Entre as 25 escolas por onde Nicole passou como poeta-formadora, a primeira foi a Escola Estadual José Talarico, na zona leste de São Paulo, onde estudou e representou por dois anos no Interescolar. Para ela, voltar à sua escola foi a experiência mais emocionante que já teve, por se reconhecer nos estudantes.
Além disso, “o trabalho de apoiá-los a acreditar em si, escrever e se apresentar é enriquecedor”, define. “Talvez eu tenha aprendido mais sobre a poesia ensinando. Muitas vezes, achamos nosso trabalho insignificante ou pequeno demais, só que pode ser o universo para outras pessoas.”
A partir dessa possibilidade de ter voz e se expressar, os benefícios extrapolam os muros da escola. Seguem para a vida.Afinal, criar um poema e expor sua verdade para o mundo requer coragem.
É com esse grito de guerra que começam as apresentações do Slam de Poesias Interescolar de São Paulo. Depois de voltar da Copa do Mundo de Slam de Poesias, em Paris, onde viu uma batalha interescolar “em que a torcida exibia cartazes de apoio aos seus poetas competidores, que tinham no máximo 10 anos”, Cristina Assunção passou a pesquisar outras batalhas. Em 2015, a slammaster criou o próprio campeonato, com quatro escolas competindo.
Em 2021, ganharam o Prêmio Jabuti de melhor projeto de fomento à leitura. “Foi uma grande conquista para nós e para quem produz literatura marginal e periférica. Mas quem traz força e visibilidade para o projeto é, sem dúvida, o esforço dos professores que mobilizam suas escolas para participar”, defende Assunção. Depois disso, cresceu bastante o número de escolas competindo. Em 2023, foram 330, de todo o estado. Também há cada vez mais meninas slammers.
“Não há poesia de slam, pelo contrário, todas as formas de expressão oral são bem-vindas”, ressalta Assunção, que também foi responsável por fundar, ao lado de Emerson Alcalde, o Slam da Guilhermina, em 2012.
Como funciona uma batalha de slam?
Na primeira rodada, todos os slammers — como os poetas do slam são chamados — recitam seus poemas. Os cinco jurados, que são escolhidos no público, respeitando a diversidade (raça, idade e gênero, com paridade entre mulheres e homens e pessoas trans, se possível) dão suas notas de 0 a 10, a maior e a menor caem. Então, os cinco melhores slammers passam para a segunda rodada e, na terceira, três disputam o primeiro lugar.