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Provas finais: como a pressão por boas notas afeta os estudantes 

Imagem de capa para matéria sobre pressão por boas notas na escola mostra um menino branco, de cabelo scurtos loiro, vestindo camisa azul. Ele está sentado em uma carteira, em sala de aula e escrevendo em um caderno.

Com o final do ano letivo, estudantes ficam apreensivos para se sair bem nas provas e fugir da temida recuperação e reprovação. Nesse cenário, a pressão por boas notas, vinda principalmente das famílias, pode afetar negativamente o comportamento e a saúde mental de meninos e meninas.

Entre os casos que já viu, Vitória*, 17 anos, conta que os colegas caem no choro e até ficam doentes pelo medo de tirar notas baixas. “Tem gente que chora na sala depois de ver uma nota e fica com febre na semana de provas”, conta. “Tenho amigas que se cobram muito. Acho que é uma cobrança delas próprias mas também dos pais, que fazem isso desde cedo.”

Ela percebe que essa pressão começa na infância e piora com o avanço dos anos escolares, sobretudo no ensino médio. Além disso, as mentiras sobre as notas também começam a surgir entre os colegas. “Eu mesma quando vou mal em uma prova não conto para os meus pais. Então, eles acessam o aplicativo da escola e dizem que me cobram só o esforço, mas não sei se é bem assim”, diz.

Boas notas viram “moeda de troca” para ganhar presentes

No desejo de que os filhos tenham uma performance excelente nas avaliações, muitas famílias pressionam com ameaças, como trocá-los de escola, negar presentes e até deixá-los de castigo, por exemplo. Segundo Alexandro Alberto Pereira, diretor geral do Colégio Espírito Santo, zona leste de São Paulo, essas práticas são comuns, embora repudiadas pelos educadores.

“No extremo, os pais dizem que vão tirar os filhos da escola se não tiverem notas altas porque não vão continuar pagando as mensalidades”, conta. Ele ressalta que algumas famílias até utilizam as notas das provas como “moeda de troca” para dar presentes às crianças e adolescentes.

“No final do ano sempre tem os agoniados com as ameaças dos pais. No ensino médio, é comum ouvir dos alunos que os responsáveis vão tirar a viagem de final do ano ou impedi-los de ir na festa de formatura. Também tem as ameaças de não ganhar o desejado celular novo no Natal”, conta outro professor da rede particular de São Paulo, que preferiu não se identificar.

Em época de provas finais, a pressão da família pode impactar na saúde mental e física dos estudantes que precisam de boas notas. Na contramão das avaliações tradicionais, algumas escolas trabalham com autoavaliações e respostas qualitativas dos professores, que propõem projetos criativos, debates e trabalhos escritos, como na escola Avenues, em São Paulo.

Cobranças podem impactar a saúde mental e física dos estudantes

O risco de utilizar as notas como “barganha” pode fazer o estudante desassociar a importância do aprendizado, atrelando-o somente à recompensa, conforme explica Elton Kanomata, psiquiatra do Hospital Albert Einstein. “A longo prazo, principalmente na fase adulta, este padrão pode persistir. Então, a pessoa não vai se sentir motivada em aprender ou se esforçar em desempenhar bem as suas funções por não haver um retorno ou benefício direto”, aponta. “Consequentemente, é de se esperar sentimentos de frustração e desmotivação. Em um pior cenário, pode aumentar a possibilidade de desenvolver depressão e transtornos ansiosos”, explica.

Já em relação à pressão, ele diz que as reações das crianças podem ser diversas. Há aquelas que correspondem e têm um desempenho melhor, mas também há o oposto. Segundo o psiquiatra, crianças entre 8 e 9 anos ainda estão em fase de mudanças cognitivas e emocionais. Por isso, a forma como expressam emoções e comportamentos diante das demandas dos pais pode representar impactos negativos à saúde mental.

“A exposição e resposta a este nível de estresse pode se manifestar na forma de ansiedade, baixa autoestima, distanciamento afetivo entre pais e filhos, medo de falhar, insônia, além de sintomas físicos, como cefaleia e sintomas gastrointestinais”, alerta. Nesse sentido, Kanomata sugere que as famílias valorizem o esforço e se tornem uma referência de “porto seguro emocional” para crianças e adolescentes.

De onde vem o medo das notas baixas? 

O sistema escolar brasileiro é composto por etapas progressivas de ensino. Essa progressão só é possível se o estudante alcançar uma nota média para “passar de ano”. Assim, a cobrança pelo desempenho acadêmico muitas vezes está atrelada à possibilidade da reprovação.
Embora as notas do boletim sirvam para medir o conhecimento das disciplinas, nem sempre representam a aprendizagem como um todo, conforme explica Ellen Brandalezi, psicopedagoga do Centro de Oncologia do Hospital Israelita Albert Einstein.
“As notas são um recorte de um momento em que o estudante pode estar muito nervoso ou que não acordou bem ou está com problemas familiares. Então, elas não são resultado de todo um processo”, diz. “A coerção e forma autoritária como os pais lidam com a criança neste momento podem promover a quebra do vínculo saudável com esta construção da aprendizagem”, ressalta a Brandalezi.

 

Valorizar o esforço sem recorrer a recompensas materiais

Alexandro Alberto Pereira argumenta que as famílias cobram de seus filhos pois estão acostumadas com o mesmo sistema de avaliação que tiveram no passado. “Nesse sentido, a instituição caminhou muito pouco porque as provas ainda tem caráter punitivo e de cobrança”, afirma o diretor escolar.

Ao mesmo tempo, ainda há quem valorize o bom desempenho apenas nas disciplinas mais tradicionais, como português e matemática, por exemplo. De acordo com Alexandro, isso despreza as outras habilidades. “Já ouvi muito: tirou 8 ou 9 em história? Quero ver tirar em matemática!”, acrescenta.

“Os pais precisam acompanhar a rotina, trocar informações com a escola e construir um caminho que é singular para seu filho. Mais importante que uma nota, é ter um cotidiano com responsabilidades, pois o compromisso é valoroso.”

A pedagoga Vivian Marcondes, que atua na formação de professores, recomenda que as famílias compreendam os ritmos de cada criança e celebrem as conquistas, mas sem recorrer ao consumo. “Se chega uma avaliação em casa em que ela teve um monte de acerto, é preciso celebrar. Sentar com a família para jantar ou fazer um bolo juntos. Pode colocar essa criança em evidência, contar para os irmãos, ligar para os avós. A gente precisa ser menos cruel com as nossas crianças”, defende.

Como acolher o estudante nesse período?

  • Promova ambientes saudáveis de estudo: Organize espaços iluminados e livres de distrações, como celular ou videogame e excesso de estímulos.
  • Estabeleça uma rotina:  Colabore com a gestão do tempo do estudante promovendo uma rotina que não seja exaustiva e baseada em um cronograma com antecedência, sem deixar tudo para última hora.
  • Incentive pausas: Em meio às atividades, as crianças também precisam descansar e relaxar.
  • Escute: Valide os sentimentos e medos das crianças e adolescentes, sem comparações com irmãos, primos ou colegas porque é fundamental respeitar as singularidades.
  • Ofereça ajuda: Pode ser para fazer uma revisão dos conteúdos, produzir resumos ou mapas mentais com recursos visuais, como post its coloridos, gráficos ou tabelas.
  • Elogie o empenho: Foque no progresso, lembrando que os erros fazem parte do processo de aprendizagem.
  • Destaque as habilidades: Valorize todo o processo que vem desde o início do ano, sendo tolerante e paciente.
  • Considere o direito de errar: Se a criança voltou de uma avaliação frustrada por não ter tido um bom desempenho, explique que errar é algo natural. Aproveite, então, a oportunidade para revisar e construir a confiança da sua capacidade pensante.

Fonte: Ellen Brandalezi, psicopedagoga do Centro de Oncologia do Hospital Israelita Albert Einstein

Notas altas não significam boa aprendizagem

Embora valorizada, uma nota alta pode ser sinônimo de que o estudante decorou fórmulas, datas e demais conteúdos, mas não, necessariamente, entendeu os significados e a aplicabilidade. Desse modo, Vivian Marcondes orienta que mais importante do que exigir um dez, é entender se o estudante alcançou as habilidades daquele assunto e respeitar os limites de cada um. “É preciso estimular o prazer de aprender”, diz a pedagoga.

“Costumo falar para os pais que quando a gente se preocupa mais com a quantidade do que com a qualidade, não estamos acompanhando o processo. Isso porque muitos estão interessados no produto final”, explica.

“Tem criança que se cobra muito. Já tive casos daquelas que verbalizam que ‘odeiam errar’. Portanto, entram aí aspectos de confiança, pois elas pensam que só vão ser amadas se conseguirem superar as expectativas. Temos que desconstruir isso.”

É necessário compreender que a aquisição do conhecimento e a construção da aprendizagem não ocorrem de forma homogênea entre todos os estudantes. Os educadores apontam que as crianças têm patamares de desenvolvimento diferentes, o que não significa que não vão aprender em algum momento.

“Se a criança não atingiu a aprendizagem esperada, a escola não pode se isentar de sua responsabilidade. Ela precisa oferecer programas, momentos de recuperação e reforço. Se a criança precisa de um outro apoio, a escola pode fazer esse encaminhamento”, diz Vivian.

Existem escolas sem provas e boletim?

Sim! Há escolas que não utilizam os métodos convencionais de avaliação, como as provas com sistema de notas e conceitos em um boletim.

Na Escola Municipal Amorim Lima, em São Paulo, o projeto pedagógico prevê estimular a autonomia do estudante. Desse modo, os alunos do ensino fundamental são avaliados a partir do resultado de roteiros de estudo. Além disso, precisam montar um portfólio sobre os temas estudados, o que pode incluir uma apresentação e uma ficha de avaliação.

“É algo mais humano porque avalia os alunos levando em conta suas diferenças e dificuldades, não passando uma régua para deixar todos iguais. Quando eles recebem os roteiros são estimulados a pesquisar, e a responder às questões. Não há um padrão de aula expositiva”, conta Cibele Oliveira, presidente do conselho da escola.

Segundo ela, o sistema demanda dos alunos organização e autonomia para desenvolver as tarefas. Assim, a escola tem um olhar para as dificuldades das crianças, o que garante que elas avancem independentemente da aprovação automática.

Já na escola particular Avenues, também em São Paulo, a avaliação centra no “aprendizado contínuo e no desenvolvimento integral dos alunos”, baseada em auto avaliações e feedbacks qualitativos. “Os estudantes refletem sobre seu próprio progresso e recebem orientações detalhadas sobre como melhorar. O foco é medir a aprendizagem real, considerando a qualidade do que produzem, como debates, trabalhos escritos, projetos criativos ou outros produtos”, explica Daniela Pannuti, diretora do ensino fundamental.

No ensino médio, o diretor Tim McNamara aponta que as notas tradicionais são uma “ferramenta limitada”, pois frequentemente avaliam apenas momentos específicos, como nas provas, sem considerar o desenvolvimento ao longo do tempo. “Avaliações mais contínuas e diversificadas permitem observar o progresso de forma holística, oferecendo um retorno construtivo. Isso valoriza o esforço e a evolução dos estudantes ao longo do semestre ou ano letivo”, conclui.

*Nome alterado para preservar a identidade da entrevistada.

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