Pesquisas em síndrome de Down podem ampliar o direito de sonhar

Familiares e profissionais compartilham quais as prioridades e os sonhos que gostariam de ver em um núcleo de pesquisa para síndrome de Down no país

Célia Fernanda Lima Publicado em 21.09.2023
Menino com síndrome de Down usa camisa xadrex e sorri olhando para outra pessoa.
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Resumo

A criação de uma rede brasileira de pesquisas sobre síndrome de Down reforça a importância de conhecer mais sobre o assunto e garantir políticas públicas específicas para a realidade do país.

A autonomia de crescer, trabalhar e ter uma vida social própria nem sempre são conquistas simples para mais de 270 mil pessoas que têm síndrome de Down no país. Elas dependem, entre outras coisas, de educação inclusiva, qualidade de vida e atendimento especializado.

Com a proposta do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação em criar uma rede brasileira de pesquisa e desenvolvimento em síndrome de Down, pode ficar mais simples compreender a realidade local dessa população. Nesse sentido, profissionais e familiares contaram ao Lunetas alguns sonhos que gostariam de ver como prioridade nesses projetos:

  • Autonomia,
  • Educação inclusiva e sem capacitismo,
  • Qualidade de vida e longevidade,
  • Atendimento humanizado
  • Direito de conhecer a realidade das pessoas com síndrome de Down no país
  • Que haja respeito

Ocupar os espaços e buscar os direitos

Em Rio Branco (AC), Seleny, 38, acorda bem cedo todos os dias para chegar às 7 horas à Assembleia Legislativa do Acre onde trabalha na recepção e no cerimonial. À tarde, o compromisso é com a academia. Depois que a semana de trabalho acaba, ela aproveita os fins de semana com a família e atualiza a leitura dos livros preferidos. A mãe, Suely França, conta que a filha conquistou essa rotina com autonomia ao longo dos anos. A princípio, quando foi diagnosticada com síndrome de Down, muitos duvidaram do que ela poderia ou não fazer.

“O médico disse que ela não ia andar, falar e que seria um eterno bebê”, lembra França. “Mas, em 1985, não havia muitos olhares para a síndrome de Down no Brasil. Então, imagine no Acre. A gente tinha menos informação ainda. Mas havia pesquisas, consultas e a troca de experiência na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae)“.

“Me chamaram na primeira escola para dizer que não conseguiriam continuar com ela. Foi só na terceira escola, que uma professora propôs acompanhá-la e ajudar na alfabetização. Assim, ela topou a tarefa de fazer minha filha aprender”, conta a mãe, que já tinha iniciado o processo de alfabetização de Seleny.

Uma educação inclusiva, sem capacitismo e com acessibilidade é uma das principais reivindicações de Vinícius Streda, 36, escritor, palestrante e autodefensor das causas sobre síndrome de Down. Embora perceba mudanças, “às vezes a gente cansa de repetir as mesmas coisas”, diz.

Streda, que também é membro da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, prioriza um olhar legislativo específico para as pessoas com deficiência. “Nenhuma capital tem leis que garantam a acessibilidade arquitetônica, por exemplo. Por isso, preciso olhar de verdade para nós e fazer com que as leis sejam cumpridas.”

Pesquisas podem levar a políticas públicas

“Enquanto a gente não sabe o que realmente acontece com a população com síndrome de Down no Brasil, fica difícil implementar políticas públicas específicas”, afirma Rosane Lowenthal, vice-diretora do curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Para ela, ter um observatório brasileiro sobre a síndrome de Down pode melhorar a qualidade de vida dessa população. Abre também as possibilidades para um melhor desenvolvimento físico e emocional. Isso porque “ainda há a ideia de que eles não têm potencialidades. Mas as pesquisas podem trazer uma outra visão, principalmente para as famílias e para a ciência.”

A iniciativa pode trazer benefícios a longo prazo, como diz Cláudia Moreira, coordenadora do Alana Foundation, que atua no engajamento social e de pesquisas sobre a inclusão de pessoas com síndrome de Down. “É preciso parabenizar a Secretaria de Política e Programas Estratégicos do MCTI por proporcionar esta oportunidade para a síndrome de Down. É através das pesquisas que poderemos obter mais dados e conhecimentos que orientem políticas públicas para melhorar a qualidade de vida, inclusão, empregabilidade e participação de pessoas com síndrome de Down.”

Já para a médica pediatra do ambulatório de síndrome de Down do Hospital de Clínicas de Curitiba (PR), Beatriz Bermudez, “ter os recortes regionais possibilita que os profissionais da saúde encontrem os melhores tipos de tratamento”. Além disso, “o que é pesquisado fora do país não tem o mesmo desfecho da realidade daqui”. Com 25 anos de experiência na causa, ela percebe a evolução das terapias e da qualidade de vida de seus pacientes.

Informação e sensibilidade são caminhos para a inclusão

A falta de informações específicas sobre tratamento e um atendimento humanizado e acolhedor às famílias ainda são barreiras para Roberta Lopes, mãe de Bernardo, 11. Moradora de Rio Branco (AC), embora considere a questão da inclusão parecida em todos os lugares, ela reconhece a importância de compreender o que essa população precisa em cada região. “A orientação adequada e um tratamento especializado ainda são escassos na Amazônia.”

“Quando recebi a notícia de que Bernardo tinha síndrome de Down foi assustador. Mas, hoje, eu gostaria de dizer aos profissionais que é preciso reconhecer que isso não é o fim e que o amor pelo filho não vai mudar. Portanto, eles deveriam ter mais sensibilidade.”

Ao saber da criação da rede de pesquisa brasileira, Lopes comemora. “É uma luta de tantos anos. A gente fica feliz com esse reconhecimento porque queremos uma rede de apoio bem embasada, além do direito de saber onde e como estão essas pessoas.”

Mães acreditam que as pesquisas podem melhorar a qualidade de vida de seus filhos

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Arquivo pessoal

Roberta Lopes, mãe de Bernardo, 11, e Suely França, mãe de Seleny, 38, comemoram a possibilidade de um núcleo de pesquisas sobre as realidades locais da população com síndrome de Down. Imagens: Arquivo pessoal

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Arquivo pessoal

Roberta Lopes, mãe de Bernardo, 11, e Suely França, mãe de Seleny, 38, comemoram a possibilidade de um núcleo de pesquisas sobre as realidades locais da população com síndrome de Down. Imagem: Arquivo pessoal

O que deveria ser prioridade?

Para as mães de filhos com síndrome de Down, a autonomia – para pequenas tarefas na rotina ou conquistas maiores – é fundamental. “Sei que as terapias são importantes, mas é necessário também a alfabetização. Tem que ter um empenho na educação das crianças e dar continuidade para que se preparem para um trabalho”, diz França.

Do mesmo modo, Bermudez concorda que a prioridade deve ir além da saúde física. “É preciso promover uma rede de profissionais para melhorar a fala e a comunicação dos pacientes já que, assim, é possível desenvolver práticas educativas para a autonomia e envolver as famílias.”

Além disso, ela destaca a necessidade de atendimentos voltados à saúde mental, para evitar regressões no desenvolvimento e para que a pessoa com síndrome de Down tenha a possibilidade de se desenvolver de forma livre. “Vejo que muitas dessas crianças têm potenciais a serem desenvolvidos e que podem impactar a família e a sociedade inteira. Por isso, é necessário dispor de serviços adequados. Quando a gente faz pequenas intervenções, os resultados são grandes.”

Já Lowenthal aponta que pesquisas brasileiras deveriam priorizar a saúde e abordar a longevidade de quem tem síndrome de Down. “É importante investigar a parte genética, entender o envelhecimento e o quanto a ciência pode ajudar a investigar outras comorbidades.” Além disso, é necessário garantir a participação das pessoas com síndrome Down em todos os espaços. “O sonho é que essa população seja respeitada e que não tenhamos de lutar sempre por direitos que já estão postos.”

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