Experiências em escolas públicas e privadas mostram que educação ambiental deve alinhar ensino de valores à experimentação das crianças
Diante dos desafios socioambientais, escolas têm investido em transição sustentável, o que significa engajar toda a comunidade escolar no fortalecimento da educação ambiental para além das atividades pedagógicas.
Imagine uma escola construída a partir de materiais recicláveis encontrados na região, que reaproveita água da chuva, com energia solar e ventilação natural. Uma escola com hortas orgânicas, composteiras, madeiras certificadas, dezenas de lixeiras coloridas distribuídas para coleta seletiva e um parquinho ecológico. Embora a imagem seja inspiradora para quem pensa em educação ambiental, experiências vêm demonstrando que a transição para escolas sustentáveis deve começar com ações simples que envolvem a participação ativa da comunidade escolar.
“Não adianta a escola ter uma horta linda, mas que é cuidada somente pelo jardineiro, sem envolver as crianças”, diz Aline Campello Fanti, engenheira ambiental, pedagoga e diretora da Reconectta, empresa que desenvolve programas de educação para a sustentabilidade em instituições. Mãe do Vicente, 2, Fanti ajudou a desenvolver, em 2022, o projeto Trilha Reconexão com a Natureza na escola do filho, o Centro de Educação Infantil (CEI) Vila Anglo, em São Paulo.
Ao longo de seis meses, as crianças tiveram a oportunidade de vivenciar dez atividades de imersão na natureza, do reconhecimento de plantas e insetos à produção de tintas naturais. A pedagoga explica que, durante o processo, o contato com diferentes atores da comunidade escolar também despertou o olhar dos pequenos para questões socioambientais como o desperdício de alimentos e materiais.
“O ensino da sustentabilidade precisa caminhar junto com a participação da comunidade escolar em processos de transformação, para que crianças e adultos partilhem desses valores”, defende Fanti. A dica dela para emplacar projetos ambientais é fixar um dia e horário da semana para incluir a escola inteira.
Além de fixar um calendário em torno das atividades de educação ambiental, o biólogo e doutor em Educação e Sustentabilidade pela Universidade de São Paulo (USP), Edson Grandisoli sugere que a escola opte por um ou dois desafios para serem enfrentados por vez.
“Em vez de iniciar dez ações diferentes, é mais efetivo que cada um cumpra sua parte individualmente e coletivamente, e enxergue os resultados de um único projeto”, diz. Para isso, segundo ele, o primeiro passo é envolver todas as equipes da escola no debate sobre sustentabilidade e na identificação dos principais problemas daquele território.
Quando se fala em sustentabilidade, é muito comum aparecer temas como meio ambiente, preservação da natureza e métodos para evitar a poluição. Mas como atenta Fanti, a sustentabilidade inclui as relações humanas, respeito, diálogo, valorização da diversidade e construção de espaços democráticos de discussão. Não à toa, a promoção da igualdade de gênero integra um dos 17 objetivos do desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas, uma vez que as mulheres de países em desenvolvimento são a população mais vulnerável frente às mudanças climáticas em curso. Por essa razão, quando se trata de identificar desafios relacionados à sustentabilidade nas escolas, é fundamental que se olhe para questões de cunho social.
“As escolas que têm mais recursos podem investir na formação de professores ou direcionar verbas para agilizar uma transição ecológica, mas isso não garante que a comunidade esteja engajada”, afirma Grandisoli. Por isso, é importante que as pessoas reconheçam a sustentabilidade e desenvolvam atividades possíveis dentro da realidade e dos objetivos locais.
Movimentos como Escolas pelo Clima, em que educadores têm a oportunidade de participar de capacitações e refletir sobre mudanças dentro de cada contexto são um caminho para que escolas não isolem suas experiências de sucesso e insucesso. Além disso, Grandisoli estimula a participação das escolas em prêmios nacionais e internacionais, que trazem visibilidade e oportunidades de aprendizado coletivo.
A experiência do espaço ekoa, escola de educação integral, em São Paulo, mostra que as atividades curriculares podem estar alinhadas à força do exemplo. Em 2022, o espaço passou por um processo de escuta ativa para identificar desafios, prioridades e criar planos de ação capazes de gerar engajamento coletivo.
“A sustentabilidade é um valor presente nas ações pedagógicas e operacionais de todas as equipes; não é um processo concentrado apenas nas mãos dos educadores”, explica a diretora Ana Paula Yazbek. Para que todos sejam envolvidos, uma de suas sugestões é criar comitês locais, com responsáveis por pensar a sustentabilidade no cotidiano das diferentes áreas de atuação da escola.
Após a sensibilização coletiva, a escola decidiu que o primeiro desafio seria reorganizar o gerenciamento dos resíduos e repensar o consumo. A partir disso, descarte e desperdício passaram a ser temas do dia a dia das equipes: Qual deve ser a quantidade das refeições das crianças? Para onde destinar o excesso? Como melhorar o deslocamento das crianças na cidade organizando caronas solidárias? Como construir um novo prédio escolar com mais responsabilidade ambiental?
Embora nem todas as perguntas contem com respostas imediatas, a execução de planos de ação para cada uma delas mostra às crianças, aos poucos, que os valores da comunidade vão ao encontro das preocupações discutidas na base curricular.
“Crianças precisam entender, desde cedo, que ‘jogar fora’ significa ‘jogar dentro’ e reverter a ideia de descartabilidade das coisas” – Ana Paula Yazbek
Estimular a conscientização sobre a conservação do meio ambiente é assunto previsto na legislação brasileira, a partir da Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), estabelecida pela Lei nº 9.795, e deve estar presente em todos os níveis e modalidades do processo educativo. Como observa Yazbek, a educação ambiental apresenta valores essenciais para que crianças transformem a maneira de pensar e agir para lidar com os desafios do futuro. “Mas, quando falamos com as crianças sobre preservação, precisamos levar em consideração sua idade e qual contato podem ter com debates para não dispararmos uma ansiedade, que não é propulsora de ações”, pondera.
A chegada da lista de materiais escolares já era polêmica antes mesmo da sustentabilidade se tornar pauta prioritária do planeta. Diferentes tipos de tintas, isopor, colas, papéis, canetinhas, durex colorido e EVAs: além do valor e da dificuldade de encontrar alguns itens, um dos principais questionamentos das famílias costuma ser se as crianças realmente precisam de tudo isso para ter boas experiências.
Para Grandisoli, a resposta é “não”. Ele indica que tanto as escolas quanto as famílias façam um monitoramento constante dos materiais que são utilizados ao longo do ano para que as listas seguintes possam ser revisitadas. Nesse sentido, segundo ele, dispensar o que não é essencial para a aprendizagem passa a ser sempre a melhor opção. E, caso necessário, optar por materiais que possam ser reciclados ou reaproveitados.
Para eliminar o plástico da lista e estimular o contato com a natureza e seus ciclos, uma opção para as escolas é pedir às famílias que reúnam elementos naturais recolhidos com as crianças no tempo livre. Além de incluir os pequenos em um exercício de brincadeira e experimentação fora do ambiente escolar, é uma oportunidade de conversar sobre a importância do contato com a natureza para o desenvolvimento infantil.
“Repensar a lista de materiais é um passo excelente na direção do consumo consciente nas escolas”, defende.
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