Operação Verão e o direito de ir e vir de crianças e adolescentes

Governo e Prefeitura do Rio fazem acordo para não apreender crianças e adolescentes sem flagrante durante operação de segurança na capital fluminense

Da redação Publicado em 22.02.2024
imagem em preto e branco ilustra matéria sobre a operação verão, no rio de janeiro e mostra um menino negro vito de cima, na beira de uma praia.
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Resumo

No Rio de Janeiro, jovens negros foram apreendidos durante a Operação Verão sem nenhum tipo de flagrante. Após denúncias de segregação racial, houve um acordo entre Governo e Prefeitura para considerar ilegal essa prática da polícia nas praias cariocas.

Com o objetivo de “proporcionar mais segurança à população”, a Operação Verão promoveu, no fim de 2023, ações de reforço do patrulhamento da cidade do Rio de Janeiro. Mas, apreensões ilegais sem flagrante deixaram claro que meninos e meninas, em sua maioria negra, vindos de comunidades e bairros periféricos, não podem ocupar praias como Ipanema e Copacabana.

De acordo com reportagem do O Globo, um adolescente de 16 anos, abordado enquanto ia para um campeonato de beach soccer com três vizinhos, foi obrigado a desembarcar e conduzido para uma central de acolhimento. Também foram encaminhados para um centro de recuperação 89 adolescentes, em seis dias de abordagem. Eles, então, relataram que foram levados sem qualquer explicação. Sobre o caso, Pedro Mendes, advogado do Instituto Alana, comenta que “a mera presença do seu corpo em um espaço ocupado majoritariamente pelas elites é lida como uma ameaça à segurança e ela, por si só, justifica apreensões ilegais em nome de uma suposta ‘prevenção à criminalidade’”.

A situação chegou, portanto, à Justiça após a denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro. A alegação era de que as ações da polícia seriam um ato de “segregação racial”. Assim, após vários movimentos judiciais que proibiam e depois liberavam a polícia a seguir com as medidas, o caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). O pedido foi do Ministério Público Federal e Defensoria Pública do Estado do Rio, com participação do Instituto Alana na condição de amicus curiae.

O que ficou decidido?

A partir de agora, a polícia do Rio não pode mais apreender e encaminhar menores de 18 anos a delegacias ou unidades de acolhimento. Somente se houver um flagrante de ato infracional ou por mandado judicial. Além disso, as organizações sociais e os órgãos estatais presentes na audiência de conciliação do STF devem elaborar um Plano de Ação. O prazo é de 60 dias e o plano deve garantir os direitos de crianças e adolescentes em abordagens como as da Operação Verão.

Para o advogado Mendes, que participou da audiência presidida pelo ministro Cristiano Zanin, a decisão é importante. Isso porque envolve direitos fundamentais previstos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “É o direito de ir e vir, de brincar na praia, de convivência comunitária, de lazer e de ocupar esse espaço.” Além de declarar que as apreensões de crianças e adolescentes sem fundamento são ilegais, a discussão se prolongou para questões sobre preconceito racial e social.

Prática de “segregação racial”

O Ministério Público do Rio de Janeiro argumentou, então, que a ação policial seguia uma prática de “segregação racial”. Além de “limitar o acesso de adolescentes negros a espaços da cidade, em prol de uma pseudo segurança pública para a população mais privilegiada”. Na época, um representante da Associação de Moradores de Copacabana se pronunciou, em redes sociais, dizendo que “esses jovens ameaçam a segurança”. E que “não fazer nada em relação a eles esvazia o bairro, o turismo, a cidade”.

Os resquícios do “menorismo” no Brasil

Conforme a lógica do menorismo, vigente no país antes da Constituição de 1988, crianças em situação de pobreza e vítimas de violência ou que cometessem crimes – à época, chamados de “menores em situação irregular” – eram alvos de intervenção estatal, sem qualquer diferenciação, e estavam sujeitas à institucionalização. Ou seja, operava no Brasil a ideia de que crianças e adolescentes pobres deveriam ser recolhidos da sociedade, sem voz e sem direitos, esclarece Mendes em artigo publicado em parceria com Glaucia Marinho e Gabriel Sampaio. Em 2020, o STF, durante o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3446, declarou que é ilegal a apreensão não fundamentada de crianças e adolescentes.

Com as denúncias, organizações a favor dos direitos de crianças e adolescentes questionaram a decisão e se juntaram ao Ministério Público com uma ação judicial. Portanto, após os movimentos a favor e contrários às apreensões, Mendes explica que o STF derruba a decisão no Rio de Janeiro. Porém, “isso tem valor para garantir a proteção de crianças e adolescentes negros periféricos do país inteiro, que muitas vezes são o principal alvo da polícia.”

“Brincar na praia, reunir-se com os amigos ou apenas exercer a livre circulação e ocupação do espaço público são direitos garantidos por lei, com prioridade absoluta a todas as crianças e a todos os adolescentes, sem distinção”, diz Pedro Mendes.

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