Quando as crianças entram na mira de operações policiais

Se crianças e adolescentes são expostos à violência em comunidades e escolas de São Paulo e Rio de Janeiro, é possível falar que uma operação deu certo?

Eduarda Ramos Publicado em 05.04.2023
Imagem em preto e branco de um policial fardado segurando um fuzil. A foto ilustra uma matéria sobre operações policiais.
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Resumo

Os rastros de operações policiais em São Paulo e Rio de Janeiro também atingem as crianças, mas as soluções para a truculência policial ainda parecem distantes em um país marcado pela violência desde a sua formação.

Duas crianças estão entre as quatro pessoas feridas após uma operação policial na comunidade de Paraisópolis, em São Paulo, na segunda-feira (3). A manhã desta quarta-feira (5) foi tomada por carros blindados e bombas de gás lacrimogêneo depois da invasão de criminosos na escola CIEP Elis Regina, no Complexo da Maré (RJ), expondo crianças e adultos à truculência policial.

Em entrevista à Rádio CBN, o governador Tarcísio de Freitas comenta que é necessário “devolver a sensação de segurança para sociedade” e que, “quando a gente enfrenta a criminalidade, muitas vezes, apesar de querer evitar ao máximo, tem o confronto, que nunca é desejado”. Em fevereiro, foi registrado um aumento de 29% na letalidade policial em São Paulo, quando comparada ao mesmo período em 2022. No Rio de Janeiro, mais crianças foram baleadas em três meses de 2023 do que em todo o ano de 2022.

Para Dennis Pacheco, pesquisador do Fórum de Segurança Pública, estamos diante de um problema sistêmico: “a violência é uma das linguagens privilegiadas de resolução de conflitos no Brasil, somada à nossa herança colonial”, diz. Segundo ele, alguns dos caminhos para lidar com a situação passam pelo aumento do controle da atividade policial, responsabilização das cadeias de comando das operações e enfrentamento ao racismo, intensificando “a pressão antirracista da imprensa e da sociedade civil”.

Lucas Alencar, assistente social e pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Política Social da PUC-SP, complementa: “não existe solução a curto ou médio prazo para algo que acompanha a sociedade brasileira desde a sua fundação”. Além disso, ele comenta que medidas como a transferência de investimentos às instituições de segurança pública para outras políticas que fortaleçam as comunidades, e o desmonte das polícias, não são amplamente defendidas no âmbito institucional.

“Não parece que as operações policiais nas favelas buscam combater a violência. Embora o ‘combate’ funcione enquanto discurso legitimador, o que acontece na verdade é uma disputa pelo uso dela enquanto forma de domínio daqueles territórios”

Em entrevista ao Lunetas, a psicóloga Bruna Richter conta que o efeito imediato da violência é o sofrimento. Ela explica que, apesar de ser impossível mensurar todos os danos causados pela violência, o sentimento de injustiça e invisibilidade são algumas das sequelas que a criança exposta à agressividade pode manifestar ao longo da vida. Insegurança, baixa autoestima, tristeza profunda, problemas escolares, dificuldades em relacionamentos futuros e propensão para o isolamento ou para a própria violência também são esperados.

A segurança não é só uma sensação

Alencar pontua que a falta de segurança das famílias que moram nas periferias não é apenas uma sensação, ao contrário do que acontece com parte da população que vive nas regiões nobres das cidades. “São essas famílias pobres e negras que compõem as estatísticas de todas as violências praticadas no Brasil”, ressalta.

Pacheco reforça que “as transformações político-administrativas [adotadas por João Dória, ex-governador de São Paulo] não deram conta de mudar o perfil das vítimas, majoritariamente homens jovens, negros, pobres e periféricos”. As medidas envolvem o uso de câmeras corporais nas fardas de policiais, a criação da Comissão de Mitigação de Risco, que analisa ocorrências envolvendo ações policiais, e mudanças de discurso.

Já no Rio de Janeiro, o especialista comenta que o estado seguiu na direção oposta, onde se observou “uma redução importante causada pela ação proposta ao Supremo Tribunal Federal que proibia operações policiais em favelas, mas que não teve efeito duradouro por causa da ausência de vontade política de reduzir a letalidade policial”, conclui.

Relembre alguns episódios de endosso à violência

“Se fizer o enfrentamento com a polícia e atirar, a polícia atira. E atira para matar”, João Dória, ex-governador de São Paulo, em outubro de 2018

“A polícia vai mirar na cabecinha e… fogo”, Wilson Witzel, ex-governador do Rio de Janeiro, em novembro de 2018

“Câmera nos uniformes policiais é voto de desconfiança”, Tarcísio de Freitas, em maio de 2022

“É inegável que o encorajamento público à violência de representantes do poder executivo tem impacto quase imediato no comportamento das corporações”, comenta Alencar.

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