Livros de Otávio Júnior retratam a favela para as crianças
De cima do morro, Otávio Júnior nos convida a conhecer a favela a partir do olhar de crianças negras e moradoras de comunidades periféricas cariocas que assumem o protagonismo. As vivências cotidianas das quais é “testemunha ocular”, transformadas em narrativas infantojuvenis, acredita o autor, são capazes de ressignificar o espaço em suas potências, sem ignorar a violência que o atravessa.
“Sou um autor negro e periférico”, orgulha-se. Com a tarefa de equilibrar o lado bom e o mais divulgado lado ruim da vida nas favelas, Otávio Júnior compartilha sua vontade mais genuína: “Quero valorizar a nossa gente, trazer a representatividade para o meio literário, contar boas histórias e ampliar vozes a partir do livro, que é um objeto transformador”.
“Que as pessoas de fora da favela possam se conectar com a cultura da favela e que as pessoas de dentro da favela possam se sentir representadas”
Para ele, a força da literatura pode potencializar o debate, encaminhando mudanças sociais, para que o seu território ganhe outros contornos nos noticiários que não apenas o espaço da dor e da luta. “São muitas histórias a serem contadas”, reflete.
Esse projeto está em andamento e ganhou mais visibilidade após vencer o prêmio Jabuti. No livro “Da minha janela”, premiado na categoria melhor livro infantil 2020, uma janela é símbolo da transformação possível, de onde se enxerga questões como violência e vulnerabilidade social, mas também se vê além, destacando aspectos positivos da cultura local e aspectos das brincadeiras tradicionais, como a bola de gude, a pipa, o pião.
Outro exemplo de como a literatura pode muito a favor da realidade, o livro “Morro dos Ventos” recupera a memória de crianças mortas em decorrência do extermínio promovido pelo Estado racista brasileiro, para que não sejam esquecidas.
Livro, um objeto de transformações
O encontro com um livro no lixão transformou a vida do autor quando ainda tinha oito anos. Para que as crianças tenham contato com o livro de formas menos inusitadas, Otávio se dedica a criar histórias e a descobrir “formas encantadoras e mágicas de levar o livro e atividades literárias para os ambientes periféricos”, conta. Esse trabalho de responsabilidade social por meio da literatura, como formador de pequenos leitores e incentivador da leitura nas favelas brasileiras, lhe rendeu a alcunha de “livreiro do Alemão”.
Além de ter sido responsável por abrir bibliotecas e espaços de leitura, ele também criou o projeto “Ler é 10 – Leia Favela”, “um laboratório de experimentação, que me possibilitou ter contato com o público leitor, editores, pesquisadores, educadores sociais, pensadores conectados com a infância brasileira”, reflete.
“Há muitos anos, penso em inovação, em projetos multiculturais e multiplataformas para transformar a realidade das favelas via literatura. Esses profissionais ligados à literatura infantil e juvenil me abraçaram quando eu era muito jovem e me deram a oportunidade de sonhar em trabalhar com literatura, sonhar em levar a literatura para as pessoas que não têm condições financeiras de ter um livro ou de ir até uma biblioteca, uma livraria. A partir dessas experiências, cresci pessoal e profissionalmente, refletindo sobre questões sociais. Pude desenvolver os meus projetos, sobretudo os meus livros pensados na infância na periferia.”
“A transformação que nós queremos em relação à sociedade virá por meio da literatura, da cultura, da educação, do empreendedorismo”
Otávio Júnior também está interessado na conexão entre as múltiplas infâncias brasileiras – “crianças da favela, quilombolas, ribeirinhas, indígenas e crianças urbanas, pertencentes a um território tão diverso e multicultural quanto o Brasil”, pontua. Para tanto, acredita na importância de as crianças se verem espelhadas nessas figuras.
“Nós temos grandes líderes para a questão racial, sobretudo mulheres negras à frente de pautas antirracistas, de projetos muito potentes ligados à construção e ao fortalecimento da identidade negra a partir de livros, séries, filmes, música, exposições e inclusive da publicidade, uma vez que muitas empresas entenderam que a grande maioria da população é negra. E isso é muito bem-vindo no sentido da criação de produtos artísticos, como a literatura, que está muito bem servida de autores e autoras negras, e traz muito forte a questão da identidade.”
“As crianças podem e devem se conectar a tudo isso”
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