As andanças da mãe são pano de fundo para conversas com o filho sobre a vida e os encantamentos compartilhados a cada retorno
No livro “Minha mãe caminha”, as caminhadas são o ponto de partida para uma conversa entre mãe e filho. Enquanto a mãe quer sair para andar, o filho demonstra curiosidade sobre esse desejo, do qual ele não participa, mas passa a entender que é bom.
Mulheres mães que caminham. Um passo depois do outro, o percurso pode levá-las a quilômetros de casa ou ao próximo quarteirão. Na caminhada, é possível encontrar respostas para suas dúvidas e inspiração para seus trabalhos. Por isso, mesmo que sigam sozinhas, elas voltam para contar o que viram em suas andanças aos filhos.
Caminho para encontrar o mundo ou para me reencontrar no mundo?
Neste livro, mãe e filho conversam sobre a vida tendo como ponto de partida as caminhadas da mãe pelo mundo. O convite é para olhar para os caminhos e dividir com os nossos aquilo que faz brilhar os olhos, todos os dias. “Não sei bem porque. Mas desde que a conheço é assim. Ela acha que é preciso conhecer muito chão para escolher os melhores caminhos”, diz um trecho do texto.
Quem narra a história é o filho que, na expectativa de acompanhar a mãe, sempre fica. Então, acaba se acostumando com a ideia de que aquela vontade, um tanto misteriosa para ele, faz bem – para os dois.
Isso porque, nos reencontros a cada chegada, mãe e filho trocam reflexões sobre a vida, sobre o que deixamos e trazemos dos caminhos percorridos. Assim, eles se aproximam, com a surpresa do que move a curiosidade e o desejo, de um e do outro.
“Sinto saudades da mamãe.
Mas me alegro tanto quando
ela volta que aprendi a ficar
um pouquinho contente quando
ela sai pelo mundo.
Ela traz bolhas cheias de histórias,
e um sorriso novo.” – trecho de “Minha mãe caminha”
Das andanças pelas terras onde viveu Guimarães Rosa, em Minas Gerais, brotaram as palavras escritas por Isabel Malzoni. Foi assim, com as imagens coloridas com tinta feita de terra do sertão mineiro, que ela percorreu quase 200 km de um caminho que celebra esse autor que ajudou a escrever o Brasil.
As pegadas e digitais que ilustram as páginas de “Minha mãe caminha” são da escritora e de seus filhos, Antonio e Diego. “Para mim, fazer trilhas é uma forma de refletir sobre a vida, de conhecer mais lugares e até de encontrar soluções”, conta Isabel.
Aproveitar as caminhadas para se manter conectada ao fazer artístico durante a licença-maternidade foi importante para a ilustradora Laura Gorski. “Sempre tive o hábito de recolher elementos da natureza por onde passo. Então, continuei esta recolha nas caminhadas diárias com a minha filha no carrinho pela vizinhança”, diz Laura.
Assim, das folhas, flores e terra recolhidas nos caminhos percorridos, meses depois, nasceu uma série de imagens femininas, que se transformou em exposição e no embrião do livro “Minha mãe caminha”.
“Quando vi as imagens, fiquei muito tocada. Sentia aquelas mulheres feitas de terra florescendo, descobrindo os próprios caminhos. Não sabia, mas as palavras já estavam em mim para criar o livro”, relembra Isabel. “É um livro que fiz para celebrar a maternidade, a relação entre mães e filhos. Não é sobre ser caminhante, mas poder escolher caminhos todo dia e se encantar com o mundo.”
Os percursos dessas duas mulheres caminhantes foi um encontro, que se desdobra no livro e nos convida a abrir e expandir os caminhos da leitura. Os significados da obra não param por aí: as dimensões têm as medidas dos pés e das mãos das autoras, Isabel e Laura.
A autora Isabel Malzoni conta que aprendeu como caminhante que, ao chegar em um lugar andando, deve-se chegar pisando de leve. É preciso ter respeito pela trajetória percorrida e pelo novo território. Só assim, é possível desfrutar do que o lugar oferece.
Do mesmo modo, as primeiras experiências com a maternidade muitas vezes se assemelham a uma caminhada. É preciso respirar, dar pequenos passos e ter respeito pela relação que está em construção.
Ao abrir passagem para quem está chegando, nem sempre sobra espaço para a mãe. Mas, com o correr do tempo, os percursos vão se assentando e aquela vontade de voltar a sair pelo mundo pode ressurgir.
Quando? Não há resposta certa. Cada mãe aprende o caminho a trilhar. Desse tempo no ninho, as passadas podem se multiplicar e tornar os novos percursos ainda mais bonitos.