Leite de vaca e fórmula: quando a criança realmente precisa?

Muitos fatores influenciam a quantidade e a frequência do leite de vaca e das fórmulas depois do desmame. O que dizem os especialistas sobre o seu uso ideal?

Camilla Hoshino Publicado em 07.12.2017 Atualizado em 09.04.2023
Leite de vaca: foto em preto e branco de um menino, que toma mamadeira enquanto seu pai o segura no colo.
OUVIR

Resumo

Quando acaba o período de amamentação exclusiva, é preciso continuar tomando leite? Qual leite é o ideal para cada idade e cada criança? Tire suas dúvidas sobre o assunto.

É difícil imaginar uma infância sem a presença do leite. Direto do peito da mãe, fórmulas ou leite de vaca, a substância parece fazer parte do cotidiano de quase todas as famílias brasileiras. Mas quando acaba o período de amamentação exclusiva e as crianças começam a comer alimentos sólidos, é preciso continuar tomando leite? Em caso de desmame precoce, é preciso substituir o leite por fórmulas? Qual leite é o ideal para cada idade e cada criança?

Não há dúvidas em relação aos benefícios do leite materno. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde recomendam o aleitamento materno por dois anos ou mais, sendo exclusivo nos seis primeiros meses. Contudo, as opiniões dos especialistas em relação ao leite de origem animal, fórmulas infantis ou outras dietas ideais variam muito.

Aleitamento e desmame

Embora o aleitamento materno seja amplamente recomendado, a amamentação pode ser um desafio para muitas mães. Como consequência, isso muitas vezes resulta no desmame precoce do bebê. “Se não houver possibilidade de amamentar, o pediatra indicará um leite artificial, tentando sempre usar a fórmula láctea mais próxima da composição do leite materno”, explica Rosangela Interaminense Garbers, pediatra neonatologista e membro do Comitê de Neonatologia da Sociedade Paranaense e Brasileira de Pediatria.

Dados sobre aleitamento materno


Apenas 38,6% das crianças no Brasil mamam exclusivamente até os primeiros seis meses de idade. O dado foi apontado pelo relatório da OMS e do UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), em parceria com a Global Breastfeeding Collective, publicado em setembro de 2017. Dos 194 países avaliados no estudo, apenas 23 apresentaram taxas de amamentação exclusiva acima de 60%.

Vários fatores podem estar associados ao desmame precoce, como a falta de apoio ou de informação, questões psicológicas ou fatores genéticos. “O retorno das mães ao trabalho é um grande motivo”, afirma a pediatra neonatologista Rosangela Garbers.

Além disso, a assessoria de comunicação do Ministério da Saúde reforçou, em nota, que a introdução antes do tempo de água, chás, sucos, outros leites e fórmulas infantis, junto com o uso de chupetas e mamadeiras, também estão relacionados ao desmame precoce. Outra opção para não recorrer às fórmulas e prosseguir com o aleitamento materno, são os bancos de leite. Ali, as mães podem doar leite, ou pegar leite para alimentar seus bebês.

O leite de vaca na alimentação infantil

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda que o leite de vaca, fluído ou em pó, não seja oferecido a crianças menores de um ano. Já Rosangela orienta que o leite de vaca na forma integral (LVI) seja evitado até dois anos de idade. O motivo das sugestões, tanto da SBP quanto da pediatra, é o potencial alergênico do leite. Além do fato do alimento não conter nutrientes suficientes para crianças pequenas.

Dados do Caderno “Saúde da Criança: Aleitamento Materno e Alimentação Complementar”, do Ministério da Saúde, publicado em 2015, indicam que cerca de 90% das reações alérgicas em crianças são causadas por oito principais alimentos, entre eles o leite de vaca, ao lado do ovo, amendoim, nozes, soja, trigo, peixes e crustáceos. “Pela sua disponibilidade e pelo baixo custo, principalmente em relação às fórmulas, o leite de vaca, muitas vezes, acaba entrando na dieta de bebês recém-nascidos muito cedo”, pontua Rosangela.

Ainda de acordo com o Caderno “Saúde da Criança: Aleitamento Materno e Alimentação Complementar”, citado anteriormente, no Brasil, o leite de vaca foi consumido por 62,4% das crianças menores de seis meses, em 2015. Na impossibilidade de amamentar o bebê com o leite materno ou de optar pela fórmula infantil – por conta do alto custo – , antes de introduzir o leite de vaca na alimentação do bebê, a recomendação da Secretaria de Atenção Básica do Ministério da Saúde é que as famílias consultem um profissional da saúde. Assim, podem receber orientações relativas à forma mais adequada e segura de utilização do alimento para cada idade.

Image

iStock

Cerca de 90% das reações alérgicas em crianças são causadas por oito principais alimentos, entre eles o leite de vaca

E o cálcio?

Em diferentes períodos da vida, do momento do nascimento até a fase adulta, os tipos de leite também cumprem diferentes papéis. Após o primeiro ano de idade, quando o leite de vaca não é mais contraindicado, a ingestão dessa substância pode cumprir um papel nutricional importe para o desenvolvimento da criança.

Os conselhos da OMS para o consumo de cálcio variam de 300mg a 400mg por dia, nos primeiros meses de vida ou período da amamentação, e até 1.300mg por dia na adolescência, por exemplo. Para suprir essa necessidade, de acordo com a especialista, é importante a ingestão de leite três vezes ao dia até os dois anos. “Há no mercado, atualmente, inúmeras marcas e tipos de leites destinados à população infantil, cada uma com particularidades diversas. Cabe ao pediatra indicar o ideal”, diz.

Os rótulos e as composições

A nutricionista Paola Preusse, autora do blog Maternidade Colorida, atenta que é essencial ler os rótulos dos produtos para saber qual a composição e se há adição ou não de açúcar. Ela explica que a diferença entre o leite comercializado nos sacos plásticos, também conhecidos com “leite de saquinho”, e os leites em caixa, diferem em relação ao processo térmico utilizado para a conservação – e não na origem.

“Costumo dizer que, de preferência, escolher o leite de saquinho refrigerado. Ele é o leite fresco e pasteurizado (processo de esterilização de alimentos), sem adição de conservantes”, explica. O de caixinha (UHT/Ultra-High Temperature ou ultrapasteurização, em português, conhecido como leite longa-vida), como ela descreve, passa por um processo diferente de aquecimento. Ele mata inclusive os micro-organismos saudáveis, além de ser revestido pelo alumínio da embalagem. Por isso dura mais e pode ficar fora da geladeira até ser consumido.

Já o leite em pó se refere ao produto obtido por meio da desidratação do leite de vaca integral, desnatado ou semidesnatado. “Com a retirada de água, ele acaba promovendo maior concentração de nutrientes como proteínas, gorduras, vitaminas e minerais. O mesmo vale para os derivados do leite como iogurtes e queijos. No caso do iogurte, o melhor é o natural, que tem leite e fermento lácteo e não tem composição com adição de açúcar”, observa.

Comer ‘fora da caixa’

Apesar do leite de vaca ser um dos alimentos mais fáceis para suprir o cálcio diário, há outras opções de alimentos que cumprem essa função. “Ele pode ser substituído pelos leites vegetais de grão de bico, aveia, gergelim, linhaça, soja ou nozes”, sugere Paola Preusse. Mas ressalta que é preciso prestar atenção se a idade da criança é adequada para essas matérias-primas e se elas não irão causar nenhum tipo de alergia.

“Cada criança tem um organismo e se adapta melhor de uma maneira”

Clara, filha da nutricionista, por exemplo, desmamou com dois anos e três meses, sem tomar qualquer leite artificial ou fórmula até este período. Após o desmame, começou a tomar leite de vaca, mas apresentou aumento de muco e dermatite, associada à alergia à proteína do leite de vaca (mais conhecida como APLV). Assim como outras crianças podem apresentar intolerância à lactose.

“As famílias costumam dar leite na mamadeira, pois é mais fácil a criança aceitar. Assim, elas começam a ganhar peso, pois o leite é um alimento calórico, mas o grande segredo da alimentação é a variação. Se o filho não come brócolis, tente couve, espinafre ou escarola”, sugere a nutricionista Paola Preusse, incentivando o uso dos vegetais escuros na alimentação.

Dietas veganas

Como as as famílias possuem diferentes crenças, histórias e posições ideológicas, nem todas as mães e pais optam por incluir o leite de vaca ou de outros animais na dieta das crianças. É o caso de Renata Signoretti, mãe do Otto, de um ano e 11 meses. A gaúcha conta que ainda amamenta, mas que sua ideia é que o filho continue a ter uma dieta vegana a partir dos dois anos.

“Quando ele tinha um ano, fizemos um exame de sangue, que apontou a necessidade de suplementação de ferro. Então, tudo pode ser feito com o acompanhamento de um nutricionista”, explica Renata. A sua escolha tem o aval de médicos e pesquisas.

De acordo com o documento “Posição da Associação Americana de Diabetes: dietas vegetarianas”, publicado no “Journal of the American Dietetic Association”, em 2009, dietas vegetarianas ou veganas bem planejadas são saudáveis, possuem nutrientes adequados e podem trazer benefícios em relação ao tratamento de determinadas doenças.

A publicação “Food Fact Sheet”, da Associação de Nutricionistas do Reino Unido de 2017 também confirma que, se bem planejadas, essas dietas podem ser apropriadas para qualquer estágio da vida. Apesar de todas as orientações, para a nutricionista Paola Preusse, não há como ditar regras para as dietas. Muitos fatores influenciam nas escolhas por um alimento ou outro. “Tudo isso é avaliado no consultório”, defende.

Leia mais

Comunicar erro
Comentários 1 Comentários Mostrar comentários
REPORTAGENS RELACIONADAS