Introdução alimentar: OMS lança novo guia para bebês

Entre as recomendações, a Organização Mundial da Saúde inclui alertas para o uso de fórmulas só até os 12 meses e para o consumo precoce de açúcar e gorduras

Thais Szego Agencia Einstein Publicado em 13.12.2023
imagem ilustra matéria sobre o guia alimentar da OMS e mostra um bebê negro sentado em uma cadeirinha de alimentação, srrindo e comendo ao lado d amãe, uma mulher negra, sorrindo e segurando um prato de comida.
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Resumo

Documento da Organização Mundial da Saúde coloca em xeque algumas diretrizes atuais para a alimentação complementar de bebês. Novo guia recomenda o aleitamento materno e o uso de fórmulas e suplementos em casos específicos.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) produziu um novo guia para alimentação complementar de lactentes e crianças de 6 a 23 meses de idade, trazendo as principais diretrizes sobre o assunto. O documento apresenta recomendações para orientar as famílias desde a amamentação, passando pela introdução alimentar até o consumo de diferentes alimentos, como o leite de vaca e outros alergênicos.

Um dos principais pontos que geraram grande repercussão entre pediatras e nutricionistas é em relação à introdução alimentar precoce (antes dos seis meses para algumas situações específicas) e, quando o aleitamento materno não for possível, as fórmulas só devem ser usadas até os 12 meses de vida. A Agência Einstein procurou especialistas na área para debater o tema e auxiliar na orientação dos responsáveis pelas crianças em oferecer uma alimentação saudável.

Alimentação infantil

Agir de maneira correta durante a introdução alimentar, quando o leite materno ou a fórmula infantil não são mais adequados para atender às necessidades nutricionais da criança, pode influenciar em toda a vida do pequeno.

“A introdução alimentar é um ponto sensível para muitas famílias, pois existe grande preocupação em fazer o que é melhor para o bebê associada a orientações de diferentes profissionais e conselhos de familiares e amigos, o que fica ainda mais intenso com as redes sociais que permitem que esses palpites cheguem o tempo todo de todos os lugares”, opina a pediatra Sabrine Teixeira Ferraz Grunewald, professora adjunta do Departamento Materno Infantil da Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais.

Os primeiros anos de vida da criança é um período fundamental para que elas aprendam a aceitar alimentos e bebidas saudáveis e a estabelecer padrões alimentares em longo prazo. “Esse período coincide com a fase de pico de risco de falha no crescimento e no aparecimento de deficiências nutricionais”, explica Vanessa Ramis Figueira, nutricionista sênior do Departamento Materno-Infantil do Hospital Israelita Albert Einstein.

A especialista lembra que as consequências da alimentação inapropriada nesse período podem estar relacionadas ao crescimento inadequado, desnutrição, excesso de peso e carências de micronutrientes que pode levar a prejuízo do desenvolvimento motor, cognitivo e socioemocional e aumento do risco de doenças infectocontagiosas. “Outro ponto importante é que a prevalência de sobrepeso e obesidade aumentou muito nos últimos anos, o que exige uma nova visão sobre o tema”, ressalta a nutricionista.

O documento da OMS, divulgado em outubro deste ano, tem o intuito de substituir as duas diretrizes anteriores relacionadas ao tema, uma de 2003 e a outra de 2005. Ambas eram focadas na desnutrição e não contemplavam a população de alta renda, que foi incluída neste novo guia voltado também para países de todas as classes sociais. O documento considera as necessidades dos bebês que são ou não amamentados, excluindo as crianças prematuras, com baixo peso ao nascer, se recuperando de doenças graves ou com deficiências neurológicas.

Veja os itens que fazem parte do novo guia e as considerações dos especialistas ouvidos pela Agência Einstein em relação a eles:

1 – A amamentação deve continuar até dois anos ou mais

Esta não é uma recomendação nova, já que as principais instituições de saúde defendem há bastante tempo que o ideal é que a amamentação seja mantida após a introdução alimentar até, pelo menos, os 24 meses de vida. Nesse item,o documento chama atenção para o fato de que para seguir essa recomendação. As mães que amamentam necessitam de proteção, ambiente propício e assistência, como creches e salas de apoio à amamentação no local de trabalho, horários flexíveis para amamentar, acesso à informação, orientação e serviços de aconselhamento para dúvidas.

Em caso da necessidade do uso de outro leite no lugar do materno dos 12 até os 23 meses, os autores consideram que não há evidências suficientes para recomendar o leite de vaca desnatado ao invés do integral ou o leite vegetal no lugar do animal. Já os que têm adição de açúcares, não são apropriados em nenhuma situação.

2 – No caso de crianças de 6 a 11 meses que não são amamentadas, tanto fórmulas infantis quanto leite de vaca podem ser utilizados para alimentá-los. Já a partir de um ano de vida, as fórmulas infantis ou compostos lácteos não são mais recomendados

Essa é uma das grandes diferenças do novo guia em relação aos lançados anteriormente. “Os estudos que compararam o consumo de leite de vaca com o de fórmulas infantis nessa faixa etária não encontraram diferenças nos desfechos relacionados a crescimento, desenvolvimento e adoecimentos na infância”, conta a pediatra Grunewald.

“Esse é um dos exemplos de que as diretrizes atuais procuraram ser mais flexíveis e devem considerar características individuais das famílias, além de aspectos culturais e econômicos envolvidos nessa decisão, afinal, o custo das fórmulas pode ser excessivo para muitas delas.”

Mas, essa decisão precisa ser ponderada. “Existem posicionamentos da Sociedade Brasileira de Pediatria e de outras sociedades médicas evidenciando que a introdução de leite de vaca in natura antes do final do primeiro ano de vida pode desencadear problemas importantes, como maior risco de anemia, sangramentos intestinais e alergia alimentar”, diz o pediatra e nutrólogo Mauro Fisberg, membro do corpo de orientadores em pediatria e ciências aplicadas em pediatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenador do Centro de Excelência em Nutrição e Dificuldades Alimentares do Instituto Pensi, ligado ao Hospital Infantil Sabará.

“O leite materno é o alimento mais indicado para o suprimento de cálcio, vitaminas e minerais, e, em caso de impossibilidade da continuidade da amamentação, indica-se o uso de fórmulas infantis adequadas à idade. Com certeza existem argumentos econômicos ligados ao seu preço que podem impedir a utilização desse tipo de produto, além do risco de haver diluição inadequada e a distribuição para outros membros da família. Por isso, a Sociedade Brasileira de Pediatria acredita que deveria haver algum tipo de subsídio para a população de baixa renda para que ela possa ter acesso ao produto adequado”, diz Fisberg, que é membro titular do Departamento de Nutrologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo.

3 – A introdução de alimentos complementares deve ser iniciada a partir dos seis meses de idade

Apesar dessa recomendação, a diretriz reconhece que algumas crianças podem se beneficiar com a incorporação de alimentos antecipadamente, levando em consideração os seguintes riscos em potencial: aumento da morbidade por doenças gastrointestinais em locais onde a higiene dos alimentos e da água não é adequada, baixa qualidade nutricional dos alimentos complementares em comparação ao leite materno em países de baixa renda, desenvolvimento inadequado e risco de obesidade.

Ela também considera a preocupação com a introdução tardia – após os 6 meses de idade – de alimentos complementares devido à inadequação do leite materno em nutrientes essenciais, especialmente ferro, e o risco de isso afetar a aceitação de novos sabores e texturas. Além disso, evidências sugerem que atrasar a introdução de alguns alimentos, como nozes e amendoim, pode favorecer alergias alimentares ao invés de preveni-las.

“Essa recomendação é um dos diferenciais do novo documento, já que as orientações brasileiras e internacionais destacam a introdução da alimentação complementar aos seis meses de vida, idade na qual a maioria dos bebês já apresenta um desenvolvimento neuropsicomotor adequado para serem alimentados com segurança”, diz a pediatra.

“No entanto, a maioria dos estudos que comparou diferentes momentos para a introdução alimentar não encontrou diferenças estatisticamente significantes em relação a itens como ganho de peso, anemia, doenças respiratórias ou alérgicas. Dessa forma, os profissionais também devem levar em consideração questões culturais e preferências familiares no momento de avaliar quando os alimentos devem começar a fazer parte da dieta da criança”, acrescenta.

“Há muitos anos, a Sociedade Brasileira de Pediatria adota o conceito da OMS que indica que o aleitamento materno deve ser exclusivo pelo menos até o sexto mês, o que pode ser considerado uma orientação que tem o objetivo de proteger as mães e as crianças de todos os níveis sociais, garantindo as vantagens imbatíveis do leite materno”, diz Fisberg.

O pediatra e nutrólogo explica que, do ponto de vista clínico, considera o conceito da Academia Americana de Pediatria e da Sociedade Europeia de Pediatria, Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição (ESPGHAN), que preconiza o início da alimentação complementar após o sexto mês de vida. Em alguns casos, mediante avaliação do pediatra, pode ser iniciada entre o quarto e o sexto mês, segundo o especialista, mas nunca antes das 16 semanas nem depois das 26 semanas de vida. Ele destaca que essa decisão requer a análise das curvas de crescimento, do estado nutricional materno, entre vários outros aspectos da mãe e do bebê, reforçando o conceito de que o aleitamento deve ser exclusivo pelo maior tempo possível.

4 – Crianças de 6 a 23 meses devem ter uma dieta diversificada

As diretrizes anteriores estabeleciam uma média calórica a ser atingida nesse período. Já a atual tem foco em uma dieta diversificada na qual verduras, legumes, frutas e alimentos de origem animal, incluindo carne, peixe ou ovos, devem ser consumidos diariamente. Leguminosas, nozes e sementes devem fazer parte do cardápio com frequência, especialmente quando carne, peixe ou ovos e vegetais são limitados no cardápio. O consumo de itens ricos em amido deve ser minimizado, pois não fornecem proteínas de alta qualidade ou nutrientes, como ferro, zinco e vitamina B12.

5 – Alimentos ricos em açúcar, sal, gorduras trans, adoçantes e bebidas açucaradas devem ser evitados e o consumo de suco de fruta natural deve ser limitado

A diretriz considera muito importante que ocorra o aconselhamento dos responsáveis em relação aos danos de curto e longo prazo no consumo desses alimentos.

“O documento destaca que os estudos que avaliaram a ingestão de sucos não revelaram evidências de impacto negativo em desfechos de saúde, entretanto, como os concentrados são ricos em açúcar natural, ainda é recomendado evitá-los, especialmente antes do primeiro ano de vida”, diz Grunewald.

“Por isso, ao contrário do que algumas páginas das redes sociais informaram de maneira errada nos últimos dias, a OMS não liberou o consumo do suco de frutas.” Vale destacar que o Guia Alimentar para Crianças Brasileiras menores de 2 anos, publicado em 2019 pelo Ministério da Saúde, também não recomenda a oferta de açúcar e preparações que contenham esse ingrediente até os 24 meses de idade.

6 – O uso de suplementos nutricionais e alimentos fortificados pode ser indicado para crianças de 6 a 23 meses

Esses itens podem entrar em cena em algumas situações em que as necessidades de alguns nutrientes não estão sendo atingidas por meio da alimentação normal. Mas, é essencial que isso só aconteça diante de recomendação médica que deve ser feita levando em consideração a necessidade de cada uma e a situação da região onde mora.

7 – A alimentação responsiva deve ser estimulada

“As diretrizes anteriores estabeleciam um número de refeições diárias dependendo do consumo e das metas nutricionais, já a atual ressalta a importância de as crianças de 6 a 23 meses de idade serem incentivadas a se alimentar de forma responsiva, ou seja, incitadas a comer de forma autônoma, respeitando suas preferências, desenvolvimento, necessidades fisiológicas e apetite e incentivando a autorregulação na alimentação”, explica Figueira, nutricionista do Einstein.

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