Os filhos únicos vivem os desafios de crescerem sem irmãos; mas será que isso pode impactar, de verdade, no desenvolvimento socioemocional deles?
Especialistas e famílias discutem os principais mitos envolvendo filhos únicos e mostram que ter a companhia de irmãos pode ou não ter influências futuras, mas esse impacto não é, necessariamente, negativo.
Ter filhos é uma decisão difícil para qualquer pessoa: muitos optam por não ter, outros planejam cuidadosamente esse momento único, outros se veem às voltas com uma gravidez inesperada e outros preferem ter apenas um. Apenas um? É o que muitas pessoas pensam diante de pais de filho único. “Mas não vai ter outro?”, “Tem que dar um irmãozinho para ele”, “Quem tem um, não tem nenhum” e por aí vai.
Criados sem ter que dividir a atenção com um irmão, essas crianças são, muitas vezes, alvos de muito diz-que-disse dos adultos, especialmente dos mais próximos. Mas será que o fato de não ter irmãos impacta tanto a vida de alguém? Será que o senso comum envolvendo filhos únicos, como a de que eles serão mais egoístas, dependentes, solitários e mimados, faz sentido ou é apenas mito?
“Essas características são pejorativas para serem atribuídas a qualquer pessoa. O que notamos é que algumas crianças, filhas únicas, por não terem que compartilhar seu espaço e tudo que nele está inserido, podem ter mais dificuldade em dividir atenção, brinquedos, tempo; mas é importante lembrar que, mesmo sendo filho único, todos têm condições de aprender”, analisa a psicóloga Sirlene Ferreira.
Um estudo brasileiro, realizado com 360 adolescentes do ensino médio, trouxe conclusões interessantes a respeito do desenvolvimento socioemocional dos filhos únicos. Segundo a pesquisa, os aspectos socioemocionais das crianças filhas únicas não eram tão diferentes daquelas que tinham irmãos. Outros estudos anteriores já apontaram que o estereótipo do filho único não se sustenta na realidade: a respeito de problemas de personalidade, sociabilidade e satisfação pessoal, não há diferenças entre eles e as crianças com irmãos.
“O diferencial, nesse caso, não está relacionado ao número de irmãos que um indivíduo possa ter, mas ao ambiente no qual ele foi educado”, ressalta a psicóloga.
Embora existam muitos mitos envolvendo os filhos únicos, essa configuração familiar está cada vez mais presente nos lares brasileiros. A casa cheia de décadas atrás, embora ainda seja realidade em alguns lugares, é cada vez mais rara. Em 2008, o tamanho médio das famílias no Brasil era de 3,62. Dez anos depois, essa taxa está em 3,07, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse índice, que segue em queda, deve-se em parte a outro dado importante: a taxa de fecundidade das mulheres, que já foi de 6,16 (1940), está, atualmente, em 1,76 (2021).
Alguns familiares temem que a criação solitária seja nociva para o filho no futuro. É quando entram em cena os sonhos de dar um irmãozinho para a criança. “Eu penso em como será o futuro do meu filho, como ele ficará quando eu e o pai dele não estivermos mais aqui. Minha família é gigantesca, tenho sete irmãos; meu marido, três. Mas, no dia a dia, somos só nós. Então a ideia de ter uma família com três filhos seria para criá-los de forma bem unida, para que sejam amigos e possam levar a vida juntos, fazendo questão da companhia do outro”, afirma Vanusa Pimenta, mãe de Felipe, de 5 anos.
Já Letycia Moura, que é mãe de Izadora, hoje com 18 anos, conta que a filha nunca quis ter irmãos e que a base da educação, com limites e diálogo aberto e direto, foram decisivos na sua formação. “Ela sempre foi uma criança que os familiares e amigos queriam por perto, todos faziam questão que eu a levasse aonde eu fosse. Acredito que, independentemente da quantidade de filhos, a educação que os responsáveis dão é a base de suas ações, além de sermos diretamente o exemplo. Tem muitos filhos com irmãos que são esse estereótipo do filho único”, avalia.
Porém, ao contrário de Izadora, alguns filhos únicos clamam por irmãos. E quando isso não é possível, seja por alguma circunstância ou mesmo pela vontade dos pais, será que dá para “substituir” essa figura fraterna por primos, tios ou amigos?
“Pode acontecer da criança criar vínculos fraternos com outras pessoas. Essa adoção, quando ocorre, supre o espaço que, para algumas crianças, está vazio”, afirma Ferreira. Muitos pais buscam, inclusive, ter filhos em idades próximas, para que um faça companhia ao outro; porém, segundo a especialista, não ter a companhia de um irmão nos primeiros anos não, necessariamente, vai trazer prejuízos emocionais.
Os filhos que não têm irmãos, precisam ser estimulados a conviver com outras crianças, e isso pode acontecer quando eles têm acesso à educação infantil já nos primeiros anos de vida. “Todas as crianças têm direito de socializar, brincar e explorar o mundo. Essa oportunidade é fundamental para a formação do indivíduo, para estimular a capacidade de saber dividir e desenvolver a empatia”, emenda a psicóloga.
Não ter irmãos não significa um impacto negativo no desenvolvimento da criança. “Os pais devem saber diferenciar proteção de superproteção. Superproteger é limitar o aprendizado, impedir descobertas e isso sim é prejudicial ao desenvolvimento humano. Saber dosar a proteção é de extrema importância para o bom desenvolvimento psicossocial e cognitivo”, finaliza a psicóloga.
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O acesso à creche ou pré-escola desde a primeira infância (0 a 6 anos) é fundamental para o desenvolvimento integral de todas as crianças, filhas únicas ou não, aumentando a sua capacidade cognitiva de aprendizagem e de socialização. Segundo Daniel dos Santos, professor da Universidade de São Paulo (USP), a primeira infância é uma fase em que, pela maleabilidade do cérebro, grande parte do potencial humano é moldado pelas nossas experiências.