Experiências mostram como trabalhar o protagonismo nas escolas

Mais do que oferecer aprendizagem formal, a escola precisa ser espaço de diálogo para que estudantes se tornem ativos na produção de conhecimento

Beatriz Carneiro Camilla Hoshino Publicado em 06.06.2024
Quatro crianças estão fazendo um trabalho em grupo
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Resumo

Desenvolver ações que incentivem o protagonismo das crianças ajuda a torná-las ativas no processo de produção de conhecimento, personalizando as trajetórias escolares e fortalecendo o senso de pertencimento à comunidade escolar.

“Uma escola democrática em que se pratique uma pedagogia da pergunta”, defendia o filósofo e educador Paulo Freire. Assim, o papel da escola é estimular que as crianças produzam conhecimento ativamente. Nesse sentido, cada estudante é protagonista no seu processo de aprendizagem.

Contudo, esse processo não acontece de modo espontâneo nem dispensa intervenções, diz a orientadora pedagógica Miruna Kayano Genoino. Portanto, “é preciso incentivar o protagonismo de crianças e adolescentes por meio de ações intencionais”, explica a mestre em Escrita e Alfabetização pela Universidad de La Plata, na Argentina.

“O professor tem o papel de trazer experiências que estudantes não irão acessar sozinhos, para mediar o conhecimento que quer apresentar e enriquecer os saberes que eles já possuem”

Ou seja, não significa ser permissivo em relação a todas as atitudes de crianças e adolescentes. Também não significa que todas as sugestões serão aceitas sem considerações. “O protagonismo não é só do estudante, é da comunidade escolar como um todo. Então, cada um tem que entender em que momento é possível participar”, afirma Maria Lucia Voto, gerente de projetos do Instituto Ayrton Senna. Nessa construção, o diálogo é fundamental.

O patrono da educação brasileira desde 2012, que ajudou a destacar o papel central do diálogo no processo de aprendizagem, também dizia que a troca de saberes entre educadores e estudantes ajuda a estabelecer um conhecimento coletivo e colaborativo nas escolas.

Para Mônica Murad, psicóloga e orientadora educacional da escola Moppe, esse diálogo pode partir da relação entre os conteúdos ensinados e as experiências dos alunos. Isso torna a aprendizagem mais contextualizada e capaz de promover autonomia entre as crianças. Além disso, esse processo acaba “criando um ambiente acolhedor e seguro”. Segundo ela, isso “favorece a expressão das vivências e dos sentimentos das crianças, e envolvendo as famílias e a comunidade local no processo educativo”.

Protagonismo nas escolas

Na prática, as escolas têm estimulado a postura de protagonismo dos estudantes de diversas maneiras. Em São Paulo, no espaço Ekoa, que propõe uma educação integral, os alunos são instigados a problematizar e produzir conhecimento. A escola desenvolveu, por exemplo, as chamadas “oficinas de ideias”, nas quais se escuta crianças de quatro a 11 anos sobre aquilo que estão aprendendo e produzindo, em diferentes áreas de interesse.

“Elas são encorajadas a explorar seus próprios interesses e investigações. Os projetos vão desde a criação de receitas culinárias até programação para criar jogos. Esses momentos têm revelado os anseios e as paixões dos pequenos”, explica Miruna Genoino, responsável pelo acompanhamento das turmas.

Em Sobral, no Ceará, alunos do 6º ao 9º ano da Escola em Tempo Integral Maria Dias Ibiapina são responsáveis por controlar a frequência escolar e desenvolver projetos que atendem às demandas da instituição, como a limpeza das salas. Layres Loiola, orientadora educacional da instituição, destaca que esse movimento reconhece os estudantes como parte fundamental na tomada de decisões relacionadas ao ambiente escolar.

Lá, os adolescentes podem desenvolver habilidades de liderança por meio de disciplinas como Protagonismo Juvenil (PJ) e Projeto de Vida (PV). A abordagem educacional da ETI Maria Dias Ibiapina segue os princípios do Instituto de Responsabilidade pela Educação (ICE). Segundo Loiola, esse modelo pedagógico promove uma visão de juventude criativa, participativa, protagonista e atuante na educação integral.

Acolhimento e personalização da trajetória escolar

Contudo, os índices de desempenho e evasão escolar no Brasil revelam uma escola desconectada da realidade dos estudantes. De acordo com o último Censo Escolar, o ensino médio é a etapa com maior taxa de repetência e evasão, com 3,9% e 5,9%, respectivamente. Ainda, nesse período, a modalidade de educação escolar quilombola registrou a maior taxa (11,9%), seguida da educação indígena (10,7%), a rural (5,2%) e a especial (3,7%). 

Maria Lucia Voto explica que uma mudança de estratégia nas escolas pode ajudar a reconquistar os alunos que se afastam por não se sentirem parte do processo de aprendizagem. “A construção de laços entre educadores e estudantes, educadores e famílias, e estudantes e seus pares, ajuda a desenvolver o pertencimento ao ambiente escolar e diminuir índices de abandono e evasão.”

Por fim, ela ainda complementa que a promoção de ações voltadas para o protagonismo juvenil nas escolas faz com que estudantes se sintam acolhidos. Isso irá influenciar a formação de suas identidades e potencialidades, inclusive com reflexos diretos no desenvolvimento cognitivo, abrindo espaço para personalizarem a própria trajetória educacional. “A dedicação do estudante vai mudar, porque ele vai sentir que aquilo está sendo feito para ele, que ele foi escutado.”

Para que essas ações funcionem, “é importante que toda a comunidade escolar entenda o que é o protagonismo, qual é a sua importância e como ele será trabalhado”, diz Voto.

Três elementos fundamentais para garantir o protagonismo dos estudantes: 

  • Professores e gestores parceiros dos estudantes, agindo como mediadores da participação;
  • Atividades estruturadas, que gerem aprendizagens significativas;
  • Um currículo que permita a personalização das trajetórias educacionais.

Mas, de modo geral, é possível observar que o desenvolvimento de protagonismo, colaboração e engajamento, por exemplo, caem ao longo dos anos. Um estudo recente da OCDE identificou que os estudantes de 15 anos relataram níveis mais baixos na maioria das habilidades socioemocionais analisadas do que os estudantes de 10 anos. Uma das hipóteses é a existência de mais oportunidades de desenvolvimento dessas competências com estudantes mais novos, que possuem mais vínculos com educadores.

“Até finalizar a educação infantil, é mais difícil encontrar escolas que não escutem de alguma maneira as crianças. As próprias crianças demandam isso”, afirma Miruna Kayano Genoino. Já a partir do ensino fundamental, a orientadora pedagógica acredita que é necessária uma organização cuidadosa do currículo, da rotina, dos princípios, para que as crianças continuem sendo protagonistas na produção de conhecimento. “A partir dessa faixa começam as demandas para atender a metas rápidas de aprendizagem, como as de alfabetização, e esse espaço de escuta vai diminuindo.”

Mudanças para manter o protagonismo nas escolas

A escola Maria Dias Ibiapina também estimula a eleição de líderes de turma e do chamado “vereador mirim”. Essa posição é ocupada por um estudante escolhido pelos seus colegas para representar a turma em questões específicas dentro do contexto escolar. Ele deve incentivar a participação cívica e o envolvimento dos alunos nas decisões que afetam seu aprendizado, por exemplo.

Para Ana Sofia Carneiro, 14, uma das candidatas à líder de sala no 9º ano, o desenvolvimento do protagonismo é o grande responsável pela forma como consegue se posicionar em relação a diversas situações cotidianas. Ela observa como essa cultura escolar vem se ampliando. “Durante o período de provas, quando alguém domina um conteúdo que outro não entende, vejo os alunos se ajudando mutuamente, explicando conceitos e oferecendo apoio”, conta.

“Esses gestos de solidariedade fortalecem nossos laços de amizade e criam um ambiente de aprendizado mais colaborativo e inclusivo”

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Arquivo pessoal

As alunas Lara Loenya (à esquerda), Vitória Alves (ao centro) e Emily Vitória (à direita), da Maria Dias Ibiapina, em atividade do projeto “minha escola diz não ao bullying”

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Acervo pessoal

Crianças do espaço Ekoa em roda de conversa, uma das iniciativas para estimular o protagonismo escolar

A orientadora educacional da instituição, Layres Loiola, conta que o protagonismo juvenil está ajudando inclusive a reduzir os casos de bullying na escola. Isso porque os alunos compreendem que são figuras ativas para prevenir e combater a prática. “Eles cultivam uma cultura de paz e comunicação respeitosa entre si, o que é essencial para manter um ambiente seguro e acolhedor na sala de aula.”

Já o espaço Ekoa priorizou a organização de um período integral que não só abrange os conteúdos pedagógicos, mas também reserva tempo para “ouvir as crianças e garantir que possam desenvolver outros aspectos essenciais, como brincadeiras, crescimento emocional e construção de relacionamentos significativos”, diz Miruna Kayano Genoino.

Seguindo essa perspectiva, as crianças também podem opinar durante as rodas de conversa e as assembleias. Nessas ocasiões, a escola explica o que é regra, para que entendam de onde vêm algumas decisões que precisam ser seguidas. Então, “encorajamos as crianças a agirem por si mesmas, estimulando a reflexão sobre problemas e incentivando a compreensão das soluções.”

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