Educação racial nas escolas requer uma construção coletiva

Experiências de escolas que incluíram educação racial no currículo mostram que a transformação precisa de escuta e envolvimento de toda a comunidade escolar

Carolina Pelegrin Publicado em 26.06.2025
Imagem mostra um grupo de estudantes adolescentes negros sentados em um auditório e aplaudindo.
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Resumo

Para criar ambientes mais acolhedores e combater o racismo, escolas integram a pauta racial no currículo e na rotina escolar. Esse processo passa pela formação integral dos profissionais e a conexão da escola com a comunidade.

Entre os motivos mais comuns que levam um adolescente a mudar de escola estão uma oportunidade de trabalho para os pais em uma nova cidade, a insatisfação com o ensino ou dificuldades financeiras, por exemplo. Mas, para Lauren, 16, a motivação foi outra. Ela precisou mudar de escola depois de não encontrar acolhimento ao sofrer racismo, aos 14 anos. “Faltou compromisso e até um certo respeito da parte da direção da escola”, lamenta.

A mãe Alyne Garcia Jobim, que é diretora de articulação e relacionamento na Superintendência de Educação Profissional do Rio Grande do Sul, concorda que faltou suporte. “Isso aconteceu apesar de a escola ter uma comissão de ações afirmativas, onde, inclusive, minha filha fazia parte.” Lauren conta que, até o 6º ano, havia debates sobre a questão racial, porém “deixaram essa pauta de lado”, seguindo apenas o currículo escolar comum.

Imagem mostra uma adolescente negra, de cabelos curtos loiros sorrindo para uma selfie.
Lauren em sua nova escola, o Colégio Estadual Francisco Antônio Vieira Caldas Jr.

Hoje, a adolescente estuda no Colégio Estadual Francisco Antônio Vieira Caldas Jr, em Porto Alegre (RS). O local é uma das duas escolas escolhidas para receber o programa piloto Escola Referência Antirracista do governo do estado. Segundo esse modelo, construir uma escola antirracista é um trabalho feito em comunidade, a partir da integração de forças distintas.

A ideia do programa Escola Referência Antirracista surgiu em 2022, durante uma capacitação de lideranças educacionais no Rio Grande do Sul. Nos anos seguintes, a equipe desenvolveu uma ampla investigação, visitou escolas e analisou números oficiais, para, em 2024, iniciar a implementação.

A segunda escola piloto é a Escola Estadual de Ensino Médio Professor Tolentino Maia, que fica na cidade de Viamão (RS). A professora Amanda Fedrize conta que aprendeu muito com a transição, pois a capacitação contínua foi essencial para se sentir “mais à vontade com as palavras”. Além de reconhecer ferramentas concretas de ensino e ampliar o diálogo com os estudantes sobre o tema. “As transformações na escola resultaram em um ambiente mais acolhedor e respeitoso para todos, independente da cor ou da origem.”

Da experiência como educadora social em comunidades da periferia de Porto Alegre, Amanda trabalhava com questões raciais e já se considerava uma pessoa antirracista. Mas, segundo ela, antes “preparava as aulas de forma mais pontual”. Agora, busca “integrar os temas antirracistas de forma transversal em diferentes disciplinas”. Além disso, conta que a problematização sobre racismo chega, às vezes, de forma espontânea na sala de aula.

“A escola é um vetor da comunidade”, defende Marcelo Jeronimo, subsecretário da Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul. Responsável pela implementação do projeto nas escolas, ele explica que os dados que avaliam a educação básica no país alertaram para a urgência do tema. Isso porque indicam que “talvez, por conta de todo esse ambiente tóxico e agressivo, o estudante não chegue nem a concluir os seus estudos”, comenta. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2023, 71,6% dos alunos que não completaram o ensino médio eram pretos e pardos.

Intencionalidade para as ações cotidianas

Para Lucimar Dias, professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB), o racismo na escola ocorre em duas dimensões: a interpessoal – que foi a vivenciada por Lauren – e a institucional, quando a escola não cumpre a lei. “Também é manifestação de discriminação racial quando a escola ignora a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que diz que é obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira”, explica.

Lucimar argumenta que “uma educação antirracista não é só uma questão curricular”. Para ela, o conteúdo deve acompanhar a etapa de educação daquele estudante. Além disso, deve considerar a formação profissional, distribuição dos recursos, e as conexões entre a escola e seu território. Segundo ela, o “Movimento Negro Educador” oferece importantes contribuições para guiar uma educação racial efetiva.

O conceito de Movimento Negro Educador tem raízes nos conhecimentos dos movimentos sociais negros. Ele defende, entre outras coisas, que escolas promovam atividades de valorização e representação dos saberes ancestrais, como por exemplo: desfile de cabelo, oficina de turbante e exaltação das roupas afro-brasileiras. Elaborado pela professora Nilma Lino no livro homônimo, propõe uma reflexão sobre a desconstrução de currículos tradicionais, apresentando os saberes e a valorização da cultura afro-brasileira como um caminho para uma educação emancipatória, e promovendo uma sociedade mais justa.

Informação e capacitação são, segundo Marcelo Jeronimo, os pilares de um currículo escolar que inclui educação racial. Assim, rodas de conversa com gestão, professores, comunidade e os alunos, além de oficinas para o compartilhamento de ideias e formulação de metodologias, fazem parte da rotina na escola.

“Nosso intuito é fazer algo que seja replicável, que a gente entre no dia a dia da escola”, reforça Marcelo.

Esse processo de construção coletiva permitirá que a escola se torne um espaço seguro, onde todos os indivíduos, independentemente de sua cor ou origem, possam aprender e se desenvolver plenamente.

Antirracismo para todos

Em um mundo marcado pela polarização, onde pautas identitárias sofrem resistência que, por vezes, inviabilizam o debate, um dos desafios para impulsionar a educação antirracista é considerar quem praticou a violência racial.

Em São Paulo, o Espaço Ekoa institucionalizou duas ferramentas para promover uma educação antirracista: uma Carta de Princípios, assinada por todos que se envolvem com a escola, garantindo compreensão e comprometimento com a luta contra a discriminação racial, e um Protocolo de Escola Antirracista, que estrutura ações pedagógicas diante de situações de racismo.

Ana Yazbek, diretora e sócia do Ekoa, explica que a motivação da escola é não só atuar na prevenção, mas também não ser surpreendida quando um caso de racismo acontecer. Portanto, a abordagem envolve escuta e apuração dos fatos, ouvir todos os lados, chamar as famílias e, então, decidir o que fazer.

“Buscamos identificar o tipo de reparação necessária, promovendo reflexões e, quando necessário, aplicando sanções, como advertências, sempre aliadas a um trabalho contínuo para transformar mentalidades”

Nesse processo, o acolhimento de quem sofreu racismo é prioridade. Para quem praticou, busca-se proporcionar a oportunidade de aprendizado e mudança, reforçando a gravidade do ocorrido, mas evitando a expulsão do aluno. Assim, as reparações são decididas a partir de negociação das partes, com a reflexão: “O que posso fazer para que você se sinta melhor, considerando que provoquei isso em você?”

Desse modo, Ana defende repetição, paciência e persistência para o letramento racial. “O incômodo faz parte de reconhecer a gravidade da situação. Amenizar os fatos não ajuda. É necessário dar a eles a devida dimensão”, alerta a diretora.

Embora as mudanças sejam promissoras, a distância entre teoria e prática do caso de Lauren revela a dificuldade na hora de responsabilizar os culpados. “Sempre busco compartilhar informações para conscientizar não só os alunos negros, mas principalmente os alunos brancos que reproduzem o racismo muitas vezes por falta de conhecimento”, afirma Lauren. Mesmo com o desafio, ela e sua mãe consideram que só o letramento racial de toda a comunidade escolar tem o poder de gerar mudança.

* Esta reportagem foi produzida com o apoio da Imaginable Futures.

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