‘E o irmão do meio?’: como equilibrar a atenção entre os filhos

Especialistas sugerem quebrar os mitos de que os irmãos do meio ficam deslocados e famílias contam como tentam dar atenção e carinho na mesma medida

Célia Fernanda Lima Publicado em 04.09.2024
Imagem para matéria sobre irmão do meio mostra uma mulher branca, de cabelos ruivos e curtos deitada e abraçada com três crianças brancas sorridentes, um menino e duas meninas
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Resumo

O irmão do meio tende a carregar o status de filho isolado ou aquele que recebe menos atenção. Para famílias e especialistas, esse mito pode ser desconstruído a partir do cuidado dedicado a cada filho, conforme o contexto cultural e a configuração familiar.

Quando Benício, 5, ganhou um irmão mais novo, perdeu automaticamente o posto de filho caçula. A chegada de Conrado, 4, mudou a configuração da família e a rotina de todos, principalmente a de quem até então era o “bebê da casa”. “Ele estranhou ter mais um irmão em casa. Tive que me dedicar ao bebê e além disso, o Henry [que é o irmão 12 anos mais velho] ficou bem próximo do caçula”, conta a mãe dos três, a pedagoga Samanta Souza.

Nesse cenário, Benício foi ocupando então o posto de irmão do meio ou irmão sanduíche. Aquele que fica entre um irmão mais velho, que está ganhando novas responsabilidades, e um mais novo, que passa a descobrir pela primeira vez o que o do meio já aprendeu.

Para Samanta, nem sempre é possível dedicar um tempo exclusivo a cada um. “Não temos muitos momentos individuais. Basicamente fazemos tudo junto quando estamos em casa”, diz. Na balança de cuidados com os filhos, é preciso se dividir entre a criação de um adolescente e de dois meninos pequenos, mesmo com Benício e Conrado estudando em horários diferentes, além do trabalho dentro e fora de casa.

Apesar disso, a orientação de Marcelle Alfinito, psicóloga especialista em psicanálise e psiquiatria da criança e do adolescente, é ter “uma atenção individualizada com o filho do meio, assim como os outros filhos”. Desse modo, segundo ela, os próprios irmãos não sentiriam o peso das abordagens diferentes, já que cada faixa etária tem suas demandas. “Ao criar um ambiente em que a criança se sinta valorizada e amada, os pais ajudam a mitigar os potenciais efeitos negativos que são associados a essa ordem de nascimento, que na verdade não é determinante.” Ela também sugere promover uma conexão com os filhos, estimulando o pertencimento mas também as individualidades.

“O principal é compreender as diferenças e aproveitar o melhor de cada um”

Como equilibrar a atenção entre os filhos

Ter mais de um filho e cuidar da criação de pessoas que estão crescendo juntas mas com perfis diferentes pode não ser fácil.

Mas, por outro lado, há quem note de cara os benefícios para os filhos mais velhos quando um bebê chega em casa. “Não considero que ser o irmão do meio significa ter menos atenção, e isso não interfere nas características e demandas individuais. Talvez seja até um alívio e ajuda na independência”, afirma a professora Adriana Dantas, mãe de três adultos, com 31, 28 e 22 anos.

Segundo ela, mesmo que o filho do meio tenha sentido um ciúme inicial com a chegada do mais novo, isso não afetou a convivência entre eles na adolescência e juventude. “Existiam disputas por brinquedos ou atenção, claro. O Gui estranhou a chegada de Gustavo, mas como ele já frequentava a escolinha, tinha também outros interesses”, lembra.

Para Adriana, que já aprendeu a se dividir entre os três filhos, não existe fórmula para ser a mãe perfeita para o filho do meio ou para o mais velho e o caçula. “Cada filho precisa de espaço e de tempo específicos. A Ana Luísa é muito independente e aventureira. O Guilherme, que é o irmão do meio, é colaborativo e mais introvertido. Já o Gustavo é mais falante e bem-humorado”, conta. “Até hoje eu ainda tento equilibrar o cuidado entre eles, ficando disponível quando precisam e percebendo os sinais que merecem atenção.”

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Arquivo pessoal

Mãe de três meninos, a pedagoga Samanta Souza, de Uberlândia (MG), conta que Benício, 5, o filho do meio, estranhou a chegada do irmão mais novo, Conrado, 4. Ela tenta dividir a atenção entre os mais novos e o filho mais velho, o adolescente Henry, 17.

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Arquivo pessoal

A professora Adriana Dantas, de Brasília (DF), conta que, apesar dos filhos já crescidos, ainda divide a atenção entre os três e não acredita que o filho do meio tenha moldado a personalidade por causa da ordem do nascimento em relação aos irmãos.

Do mesmo modo, Samanta percebe que enquanto o filho do meio pede para ficar mais tempo próximo e abraçado com ela do que antes, ele também apresentou um apego maior com o irmão mais novo. “Benício não aceita se separar do menor. Quando, por exemplo, o Conrado vai ficar na casa da avó, ele quer ir junto.” Às vezes, a mãe também observa que, mesmo os três irmãos brincando e brigando na mesma proporção, Benício está ficando um pouco mais agressivo. “Talvez seja alguma necessidade dele que eu não esteja atendendo”, reflete.

Como não deixar nenhum filho deslocado?

Para tentar equilibrar a atenção e valorizar a presença de cada filho na rotina, a psicóloga Marcelle Alfinito traz algumas orientações para as famílias:   

  • Reserve um tempo para cada criança
    Isso ajuda a reforçar o valor único de cada um dentro da família
  • Valorize as qualidades
    Desenvolve a autoestima e encoraja as habilidades e os interesses de cada filho
  • Não faça comparações
    Entenda que cada um tem o seu jeito, por isso têm espaço e importância próprias
  • Inclua-os em decisões familiares respeitando cada idade
    Assim eles se sentem valorizados e pertencentes à família

Mito ou verdade: o filho do meio recebe menos atenção?

Apesar da teoria sobre a “Síndrome do filho do meio”, do psicanalista austríaco Alfred Adler, especialistas consideram essa ideia um mito. Isso porque, além de construída no início do século 20, uma época em que as famílias eram mais numerosas e em um contexto cultural específico, questões pessoais influenciavam a teoria, já que o próprio autor era filho do meio.

“Essa teoria se refere à ideia de que o filho do meio pode sentir que não recebe a mesma atenção em comparação aos irmãos. Porém, não há um estudo consolidado com evidências científicas”, explica a psicóloga Marcelle Alfinito.

Para ela, afirmar que o filho do meio estará fadado a se sentir deslocado ou perdido dentro da família é “um desserviço”. Além de depender dos ambientes culturais, “existem outros fatores que influenciam como, por exemplo, a própria personalidade de cada filho, que é constituída individualmente, e o recorte da dinâmica familiar e o estilo de educação dos pais”.

No livro “O poder secreto das crianças do meio”, as autoras Catherine Salmon e Katrin Schumann dizem que geralmente os filhos do meio são “negociadores, mediadores e possuem autoestima equilibrada”. Segundo elas, esse perfil bem definido se deve ao fato de conseguir entender melhor os dois lados estando entre dois irmãos. Na mesma linha, Alfred Adler defendia que a personalidade de cada filho era moldada a partir da ordem do nascimento.

Alfinito comenta que “o primogênito pode ser mais responsável porque os pais o colocam no papel de cuidador. O filho do meio pode desenvolver habilidades de mediação. Por fim, o mais novo pode ser o mais mimado pois é comum que os pais já tenham relaxado um pouco.” No entanto, ela reforça que podem até existir sentimentos e experiências comuns aos filhos do meio, mas a regra não se aplica a todas as famílias.

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