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No Pará, Melissa Noguchi faz questão de levar os filhos Ravi, 7, e Raul, 4, ao cortejo do Boi do Pavulagem, que arrasta milhares de brincantes pelo centro de Belém

Fernando Sette/Divulgação

No Pará, o cortejo do Boi do Pavulagem leva famílias inteiras ao arrastão cultural pelo centro da capital

lang="pt-BR">‘Olha pro céu, meu amor’: crianças no São João país afora
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‘Olha pro céu, meu amor’: como crianças brincam São João no país

Uma menina com vestido estampado e colorido, típico de festa junina, passa debaixo de um túnel formado por pares de mãos dadas. A matéria é sobre crianças no São João.

Brincantes do país inteiro que amam São João esperam pelo mês de junho desde a virada do ano, já planejando “a roupa de ir” para dançar quadrilha e forró, brincar de pescaria, e comer quitutes de milho e mandioca nas tradicionais festividades, especialmente crianças que vivem no norte e nordeste.

Entre cidades cheias de cores prontas para renovar as tradições, é de Campina Grande (PB) a maior festa junina do Brasil, confirmada pelo Instituto RankBrasil, e que reúne mais de 2,5 milhões de pessoas. Lá tem festa todos os dias de junho, apresentação de quadrilhas com mais de mil integrantes, comidas típicas e atrações culturais com shows de artistas nacionais e locais. Mas, além da festa principal, a cidade respira São João em outros espaços.

Zulmira Nóbrega, professora da Universidade Federal da Paraíba e autora do livro “O maior São João do mundo: multifaces de uma grande festa brasileira”, conta que as festas populares nessa época do ano se espalham pelas feiras, ruas e praças. “Isso mexe muito com a gente, é uma energia viva e ativa dentro de Campina Grande”.

Ela explica que a tradição veio de uma festa que dependia da movimentação da natureza e culminava com a boa colheita após o período da plantação. “A festa dependia do que era colocado à mesa a partir da colheita do milho e outros grãos. Como Campina Grande acolheu pessoas que fugiram de uma grande seca, em meados da década de 1930, porque aqui tinha um velho açude, formou-se um grande caldo de pessoas que se juntam para os festejos”. Para ela, a raiz junina é perpetuada por causa das pessoas, especialmente dos mais novos, cuja presença é muito valorizada.

“As crianças aderem ao espírito comunitário que recebem de seus familiares, em casa e nas escolas. Elas vivem os festejos com muita alegria e é isso que garante a sociabilidade e o reconhecimento dos diversos jeitos de viver na região”

Durante a pesquisa para o livro, Nóbrega percebeu a importância de manter as crianças conectadas com as tradições ao ver que muitas não conheciam elementos típicos da rotina da zona rural. “Quando perguntei o que era um poço artesanal, apenas três responderam que já tinham visto em filmes. Ou seja, elas estão acostumadas com uma cultura midiatizada”, afirma. “Por isso, é importante esses espaços e momentos de festa, para que conheçam as origens da formação da nossa cidade.”

As festas juninas são celebradas em alusão aos dias dos santos da igreja católica: São João, São Pedro e Santo Antônio. Apesar do fundo religioso, as celebrações misturam características das antigas festas da colheita do campo para a mudança de estações, com a chegada do verão e fim da primavera. Daí a forte presença de elementos da zona rural ou “caipiras”.

“Tem um sanfoneiro no canto da rua fazendo floreio pra gente dançar”

A paraibana Thaís Porto, fã de carteirinha da época, costuma comemorar o São João desde quando morava no interior com os pais, na cidade de Santo André (PB), e lembra da “ansiedade para vestir roupa junina, pintar o rosto de matuta, comer comida de milho e soltar traque (fogos) na rua”.

Agora, Porto quer repassar as raízes vivas para a filha, Alice, de 1 ano e 7 meses, na capital João Pessoa. Para ela, ser mãe trouxe à tona outra vez a expectativa junina. “Fico pensando como vou vesti-la e reviver a apresentação na escola. Ver que ela está amando o colorido da roupa e da festa é emocionante”.

Thaís Porto ensina à filha Alice,1, as tradições das festas de São João, em João Pessoa (PB). Imagem: Arquivo pessoal

As festas juninas se espalharam por todas as regiões do país e ganharam diferentes formas de comemoração. Heloísa Buarque de Hollanda, escritora integrante da Academia Brasileira de Letras e diretora do Programa Avançado de Cultura Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que é pela educação que as crianças podem conhecer a diversidade cultural da festividade. “A educação deve ter sempre uma preocupação multicultural e atenta às diferenças”, diz. “Conhecer os festejos e os comportamentos diferenciados leva a criança a compreender e a respeitar as alteridades.”

Para ela, as festas juninas são importantes para a transmissão de conhecimento entre as gerações, movimento feito “com lembranças, histórias de episódios pessoais e relatos aos filhos, netos, alunos e comunidades”.

“A passagem de experiências pelo contar é um fator de aproximação decisiva entre gerações”

Conheça outras festas populares do mês de junho:

  • Tradição do banho de cheiro, em Corumbá (MS)
    Crianças participam da produção dos festejos que antecedem o banho da imagem de São João, no rio Paraguai, como sinal de bênção. “A festa significa alegria, muitas cores, tradição e religião. Sempre vamos ao porto ver o banho de São João. Quando eu for adulta, vou querer ser assim com meus filhos também”, Luíza, 10.
  • Folguedo do Boi de mamão, em Santa Catarina (SC)
    Crianças acompanham com cantos e danças a encenação do boi de mamão e outros personagens como o vaqueiro, o veterinário, a cabra e a benzedeira, além de aprenderem a confeccionar artesanalmente as cabeças dos bonecos das festas.
  • Festival dos Bois em Miniatura, em Parintins (AM)
    Na terra da maior disputa de bois alegóricos Garantido e Caprichoso, meninas e meninos participam de um festival próprio, onde representam personagens do auto do boi e fazem parte da banda da batucada. “Fico muito feliz em brincar no boi em miniatura, assim vou me preparando para ser item do boi maior”, Pierre, 12.

Se no nordeste as quadrilhas e o forró são elementos essenciais para o São João, na região norte há também comemorações que envolvem a figura folclórica do boi bumbá, de simbologia histórica e cultural ligada ao conhecimento popular, sincretismo religioso e saberes ancestrais.

No Pará, o cortejo de teatro popular Pássaros Juninos reconta mitos amazônicos pelo olhar dos pássaros, por meio de encenações e músicas com a participação das crianças. Já o Boi do Pavulagem enche as ruas de Belém com famílias inteiras que acompanham o grande cortejo vestindo seus chapéus de fita, dançando e fazendo batuques.

“Sempre acompanhei os arrastões antes de ser mãe. É uma festa linda e necessária para manter e valorizar a nossa história e as nossas raízes amazônidas”, afirma Melissa Noguchi, mãe de Raul, 4, e Ravi, 7. Os meninos acompanham alguns rituais do cortejo, como a chegada do mastro, os batuques e o arrastão do boi pelo centro da cidade.

Para Noguchi, ocupar os espaços públicos com manifestações culturais ressalta a importância de uma cidade feita para as pessoas e para as crianças. “É um momento de celebração, pois durante os festejos do pavulagem nos tornamos prioridade nas vias por onde o cortejo passa.”

“Tem canjica, tem quentão, tem bandeira, tem balão”

O que não pode faltar nas festas juninas? Entre tantos elementos, a pesquisadora Zulmira Nóbrega destaca “a música típica com o forró, as danças de quadrilha e, principalmente, a alegria sertaneja, que é essencial e nos liga aos nossos antepassados”, diz.

No vídeo, a professora Nath Haussler explica a origem do São João para as crianças e comenta alguns elementos – da decoração às comidas típicas -, que podem variar em cada região. Conheça mais sobre alguns deles:

  • Bandeirinhas
    Principal decoração das festas juninas, enchem de cores o ambiente e demarcam o lugar do arraial. Começou com uma tradição em homenagem aos santos padroeiros com estandartes decorados e se espalhou com bandeirolas confeccionadas pelos brincantes. 
  • Fogueiras
    Tradicional símbolo junino, a fogueira de São João carrega também muitas simpatias e histórias populares. Para os católicos, a fogueira é acesa na véspera ou no dia do santo em homenagem ao seu nascimento. Conta-se também que as fogueiras eram sinal de festa em agradecimento à boa colheita.
  • Quadrilha 
    Dança típica das festividades juninas, tem origem europeia e recebeu influências da população rural brasileira como os sertanejos, indígenas e africanos. O nome vem do francês “quadrilles’, que marca o início dessa dança, antigamente feita por quatro casais que formavam um quadrado. Os pares usam vestidos rodados e camisas de flanela e chapéus de palha.
  • Forró
    Mais do que um ritmo musical, o forró é uma expressão artística nordestina que combina música, dança e festas populares. Foi a partir das canções de Luiz Gonzaga e a migração do povo nordestino que a manifestação se popularizou no país. Ao som da zabumba, sanfona e triângulo, os bailes de forró eram conhecidos como “arrasta-pé”, pois aconteciam em salões de chão batido. Atualmente, existem variações como o pé de serra, xote, xaxado, forró universitário ou eletrônico.
  • Comidas típicas
    São muitas as comidas preparadas no período junino, principalmente à base de milho, como canjica, pamonha, pipoca, mingau e bolos. Cada região possui pratos que carregam traços da própria cultura alimentar, como o quentão, bebida que surgiu no interior de Minas Gerais; o vatapá, da Bahia; o tacacá, do Pará. Outras delícias como paçoca, pé-de-moleque, bolo de macaxeira ou aipim estão presentes em todo o país.

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