Como falar sobre capacitismo com as crianças nas Paralimpíadas?

O evento esportivo pode inspirar meninas e meninos com e sem deficiência a ter modelos a seguir e aprender novas formas de ver o mundo através da inclusão

Célia Fernanda Lima Publicado em 28.08.2024
Imagem de capa de matéria sobre Paralimpíadas mostra uma foto de atletas paralímpicos da delegação brasileira vestindo roupas verde e amarela e comemorando em um estádio
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Resumo

Os Jogos Paralímpicos começam esta semana e vão até o dia 8 de setembro. Entenda como acompanhar com as crianças as competições pode ser uma oportunidade para falar de inclusão e apresentar novas referências no esporte.

“Acompanhar o esporte paralímpico com as crianças pode motivar a inclusão desde a infância”, diz Fabrizio Veloso, psicólogo do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB). Segundo ele, o evento traz a oportunidade de falar sobre diversidade, a importância de respeitar as diferenças e trabalhar a empatia“. Além disso, é possível mostrar para as crianças que há limitações na vida de pessoas com ou sem deficiência. “E isso não significa incapacidade ou incapacitação, mas formas diferentes – que não necessariamente são melhores ou piores – de aprender e de executar uma tarefa ou resolver situações.”

O psicólogo também explica que, à medida em que meninos e meninas se identificam com um paratleta, “eles têm a possibilidade de se desafiar para um propósito e seguir um sonho ou uma meta, tanto no esporte quanto em outras áreas”. Principalmente entre crianças com deficiência quando percebem que é “uma inspiração tangível”. Ou seja, quando entendem que aquele modelo é possível para elas.

Quando a gente lida com as crianças, há uma possibilidade enorme de combater o preconceito do melhor jeito. Assim, quanto mais a gente fala sobre o assunto, mais a gente naturaliza e apresenta referências para elas”, afirma o cineasta André Bushatsky. Ele é diretor da série “Da inclusão ao pódio”, disponível na Globoplay, que apresenta em quatro episódios quem são os atletas paralímpicos e os bastidores dos treinos na Escola do CBP. Ao mesmo tempo que estimula a representatividade do movimento paralímpico, a produção também mostra o impacto transformador do esporte na vida dos atletas e da sociedade ao abordar questões de inclusão e o valor de ter referências positivas para as novas gerações.

“As crianças são a porta de entrada para mais inclusão das pessoas com deficiência no esporte”, diz Bushatsky. “Há muitas famílias que deixam essas crianças com deficiência no sofá quando elas têm que se integrar na sociedade e interagir. Então, o primeiro episódio, que se chama ‘Tirem as crianças da sala’, mostra justamente que é preciso incentivá-las a praticar esportes.”

Além de grandes nomes paralímpicos como Carol Santiago e Daniel Dias, a série apresenta a história do atleta mirim de badminton, Gabriel Lucas, 10, que tem nanismo; e da principal atleta da prova de 100 metros peito na natação paralímpica, Alessandra Oliveira, 16. “Os dois perceberam como foi importante encontrar um lugar de acolhimento para se desenvolverem, tanto como atletas quanto no convívio social”, conta o diretor.

Conquistas que vieram do incentivo e da inclusão

Alessandra foi diagnosticada aos três anos com vasculite, doença que causa uma inflamação dos vasos sanguíneos. Por isso, ela teve que amputar parte dos braços e pernas. Mas, ainda na infância, se adaptou para acompanhar as aulas. “Minha escola foi muito acolhedora e os professores nunca me deixaram de lado. Aprendi a escrever, a jogar xadrez e as matérias como qualquer outro aluno”, lembra.

Faz seis anos que Alessandra começou a competir pelo Comitê Paralímpico Brasileiro. Primeiro, no atletismo, depois, na natação. Desde então, não para de conquistar medalhas. Foi ouro no Parapan-Americanos de Santiago 2023, ouro e prata no Campeonato Brasileiro 2023 e teve mais conquistas em eventos internacionais. Embora não tenha atingido a marca para ir aos Jogos Paralímpicos, que começam nesta quarta-feira e vão até o dia 8 de setembro, ela já tem várias metas. “Quero treinar para liderar o ranking mundial, competir o campeonato brasileiro ainda este ano e chegar em 2025 no campeonato mundial.”

Segundo ela, o segredo é concentração. “Nas competições é tudo muito técnico e dependo de uma boa entrada na piscina. Então, eu visualizo a prova enquanto nado e, se o resultado for positivo, já tenho uma reação feliz”, conta.

Todo esse gás tem uma fonte inspiradora: Carol Santiago, nadadora paralímpica com baixa visão, recordista mundial dos 50 metros livre e três vezes medalha de ouro em Jogos Paralímpicos. “Ela é minha referência não só pela identificação na modalidade, mas pela disciplina e história”, revela.

Embora o Brasil seja considerado uma potência nos Jogos Paralímpicos, Alessandra nota “uma diferença muito grande” em como a visibilidade de atletas paralímpicos ainda é menor se comparada a de outros atletas. “Mas entendo por quê. Antes, as pessoas com deficiência eram excluídas de tudo. Agora que estamos conquistando muitas coisas e temos mais estrutura”, explica. “Porém, ainda é um pouco triste perceber que, mesmo trazendo muitas medalhas paralímpicas ao país, às vezes isso não é tão valorizado quanto uma medalha olímpica”. Durante as Paralimpíadas de Tóquio 2021, o Brasil ocupou a sétima posição do ranking de medalhas, com 22 ouros de um total de 72 medalhas.

Imagem mostra atleta da paralimpíadas, Alessandra, uma menina negra, de cabelos cacheados, usando um casaco com cores da bandeira do Brasil e uma medalha de ouro.
Alessandra Oliveira, 16, é a atual campeão da natação no Parapan-Americanos, na categoria 100 metros peito. Ela conta que desde a infância foi estimulada a praticar esportes.

Atletas paralímpicos podem ser inspiração para todas as crianças

Mariana D’Andrea, 26, atual campeã paralímpica em halterofilismo até 73 kg, faz parte da delegação de 255 atletas com deficiência que vão disputar os Jogos Paralímpicos de Paris. Ela recorda que desde criança a condição do nanismo não a impediu de praticar esportes. “A minha professora de educação física sempre me incentivou. Mas meu maior incentivador foi meu pai, porque ele me colocou na natação, no taekwondo e sempre quis que eu fizesse algum esporte.”

O psicólogo do CBP, Fabrizio Veloso, confirma que ainda existe uma “imposição cultural e social que não associa as pessoas com deficiência ao esporte”. No entanto, quando uma criança inicia as atividades, ela desenvolve mais autonomia e descobre novas habilidades. “A prática rotineira de esporte influencia na confiança em tomar decisões e atingir metas. Então, ela só tem a ganhar”, diz.

Além disso, “pessoas com deficiência que praticam esportes tendem a construir um sentimento de pertencimento maior do que aquelas que não praticam. Isso porque elas têm mais convívio social, troca de experiências e aprendizados possíveis nessa rotina”, explica. Segundo ele, o esporte na vida de uma pessoa com deficiência pode combater a sensação de isolamento, “que muitas vezes não é só um sentimento, mas uma realidade. Por isso, a prática esportiva impacta positivamente na formação da autoestima e também tem um papel importante para a inclusão social“.

Nesse sentido, Mariana defende a importância de naturalizar, desde a infância, a inclusão e interação de pessoas com deficiência. “Nunca senti preconceito, nem tive problemas, pois me adaptava nas brincadeiras e nas aulas”, lembra.

Imagem mostra a atleta da paralimpíadas, Mariana Dandrea, uma mulher branca, com naninsmo, vestindo uniforme da seleção brasileira e comemorando após a prova de halterofilismo
Campeã paralímpica de halterofilismo até 73 kg, Mariana D’Andrea diz ser um orgulho poder interagir nas escolas e se tornar referência para todas as crianças.

Para a atleta, a interação com as crianças é uma oportunidade de quebrar tabus sobre preconceitos e limitações. “Quando visito escolas para contar sobre a minha carreira, explico por que sou desse jeito e percebo que só tem lado positivo em estar com as crianças, pois vejo que elas não têm preconceito. A conversa é sempre divertida. As crianças são curiosas e me fazem muitas perguntas. Também brincamos e elas ficam surpresas porque eu sou do tamanho delas.” Fonte de inspiração para crianças com e sem deficiência, Mariana diz ter “muito orgulho de ser uma atleta paralímpica e ser referência, porque as crianças ficam superfelizes quando me veem”.

Rumo à Paris para conquistar sua segunda medalha, ela deixa um recado também às famílias que vão acompanhar os Jogos Paralímpicos. “Incentivem as crianças a se aproximarem da pessoa com deficiência e a ter mais contato. Expliquem que somos iguais e que uma deficiência não vai deixar uma pessoa impossibilitada de brincar, por exemplo.”

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