A exclusão de mães e seus filhos pelo movimento childfree

Um bar em São Paulo ter barrado uma mãe levanta debate sobre excluir crianças e suas mães do convívio social

Eduarda Ramos Publicado em 18.04.2022
A exclusão de mães e seus filhos pelo movimento childfree: na foto, uma mãe carrega o filho no colo. Ambos mantém um semblante de preocupação e possuem pele clara. A imagem possui intervenções de rabiscos coloridos.
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Resumo

Excluir crianças do convívio social é também excluir mães. É necessário refletir sobre o óbvio: crianças são gente. Devemos buscar por um mundo onde a repulsa naturalizada aos pequenos não seja algo comum.

“Quando meu filho tinha uns 15 dias eu fui comprar pastel na xepa da feira e uma senhora se sentiu no direito de me mandar ir pra casa, em pleno puerpério, sem conseguir fazer uma refeição sequer”, conta Marion, mamãe do Lucas, hoje com 1 ano. Essa movimentação de repulsa às crianças – por um balbucio mais alto ou por amamentar em público, por exemplo – ganhou força e um nome nos últimos anos: childfree.

O nome “childfree” (em tradução livre, “livre de crianças”) batiza um movimento iniciado por mulheres nos Estados Unidos na década de 1970, em repúdio à sensação de serem obrigadas a terem filhos, tratando a maternidade como o que ela deve ser: opção. Apesar de reivindicações contra práticas que reforçam a maternidade compulsória – como baixo acesso a contraceptivos, dificuldade de realizar procedimento de laqueadura, educação sexual como tabu e proibição do aborto na maioria dos casos -, o movimento ganhou novas ramificações e objetivos. Adultos se sentem no direito de exigir que crianças não façam parte do convívio social ou proferem discursos de ódio voltado aos pequenos.

Além da histerectomia (procedimento cirúrgico de remoção do útero), não existe nenhuma outra forma de evitar gravidez com 100% de eficácia, o que exclui até mesmo a laqueadura. Segundo pesquisa da Bayer em parceria com a Federação Brasileira das Associações de Obstetrícia (Febrasgo), cerca de 62% das mulheres brasileiras já tiveram pelo menos uma gravidez não planejada no Brasil. O índice fica acima da taxa média mundial de gestações não intencionais, que é de 40%.

Excluir crianças é também excluir mães

“Mesmo que seja um lugar ok a gente se desacostuma [a sair], porque só da criança chorar tem gente que já olha torto. Lembro que eu morria de nervoso de pegar o ônibus com Lucas e ele chorar, muita gente não sabe lidar direito com a situação. Eu tentava sair com ele só pro shopping porque era bem incômodo ir para a maioria dos cantos”, relata Thayane, que também é mamãe de um Lucas, este com 6 anos. Assim como Thayane, cada olhar feio que Marion recebe faz com que perca cada vez mais a vontade de sair, se prendendo em casa para evitar situações desagradáveis.

As duas mulheres compõem uma estatística de mais de 11 milhões de mães solo no Brasil. Muitas vezes sem rede de apoio, levar os filhos aos lugares em que gostariam ou precisam frequentar, de restaurantes a hospitais, é a única saída para a vida continuar andando. Casos como o do Miúda Bar – que proibiu uma mãe de entrar no estabelecimento em plena luz do dia – reforçam uma postura que esquece que mães e seus filhos também são gente. Excluir crianças do convívio social é muitas vezes excluir as mães também.

“Tem gente que só quer me ver sem meu filho sendo que quem cria sou eu, como se pudesse jogar ele em qualquer canto por aí, como se o pai tivesse o mesmo trabalho que eu”, conta Thayane. Quando o Lucas nasceu, muitas pessoas ficaram por perto pela novidade que era um bebê na área, mas não demorou muito para que se afastassem conforme o menino crescia. Marion endossa a sensação de solidão vivida devido à exclusão do filho, sentindo que perdeu muitos amigos e colegas depois de parir, pois pessoas que eram consideradas próximas simplesmente sumiram. 

Todo adulto já foi criança um dia

Mas afinal, desde quando se tornar adulto e prezar por espaços “childfree” virou um atestado de civilidade? “Também fazemos birra quando algo não sai do nosso jeito, choramos ou gritamos quando estamos frustrados. A dificuldade em lidar com as sensações internas não é algo exclusivo das crianças”, comenta a psicóloga Amanda Bachiega sobre  adultos também estarem em constante formação. Falas como “criança chora” ou “criança faz bagunça” não justificam discursos e atitudes de ódio destinados aos pequenos, pontua a especialista. Afinal, crianças são pessoas. Com sentimentos, choros e sorrisos.

Previstos pela Constituição de 1988, os direitos das crianças devem ser cumpridos e protegidos com prioridade absoluta. Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

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