Uma carta aos bebês nascidos em meio à pandemia

Quero agradecer a estes bebês por terem sido fonte de inspiração e alegria que me fizeram esquecer, por alguns instantes, a dor e o indizível desse momento

Juliana Prates Publicado em 05.04.2021
foto de um bebê recém-nascido dormindo, e uma mão adulta sobre sua cabeça
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Resumo

Juliana Prates escreve uma carta de agradecimento aos bebês que nasceram nos anos de 2020/21, pois acompanhar, mesmo que pelas redes sociais, cada marco do desenvolvimento de muitos bebês tornou-se fonte de inspiração para passar por esse momento tão difícil.

Querido e querida bebê de 2020 e 2021,

Esta é uma carta para você. Espero que daqui a uns vinte anos, quando você buscar saber mais sobre o ano do seu nascimento, você encontre essa coluna em forma de carta em algum lugar do ciberespaço. 

É possível que, ao pesquisar sobre seu ano de nascimento, você leia sobre números horríveis, eventos inimagináveis. As palavras pandemia, covid-19, morte, intubação, primeira e segunda (e outra) ondas devem aparecer com uma frequência bastante elevada. Grande parte dessas informações serviu para descrever o horror que a humanidade viveu nesses tempos. 

Mas não é sobre isso que quero falar com você nesta singela carta. O propósito de te escrever é para te agradecer imensamente por ter sido a minha principal fonte de alegria e encantamento, nesse mundo que parece estar perdendo o brilho. 

Nesses mais de doze meses de distanciamento social e de tantas notícias terríveis e de dores indescritíveis, tem sido você que mantém viva a minha esperança.

Não a esperança em um futuro melhor, como costumam dizer ao afirmarem que “as crianças são o futuro da nação”. Mas como o melhor que o presente pode me oferecer. De fato, como professora de psicologia do desenvolvimento da criança, sempre considerei o período do primeiro ano de vida fascinante, encantador. 

O processo de acompanhar um bebê desde o seu primeiro dia de nascido até completar um ano sempre me chamou a atenção pela intensidade e velocidade das mudanças. Aquele corpinho aparentemente frágil, que não consegue nem sustentar a própria cabeça, pouco parece com aquela criança balbuciante, que em alguns casos já está dando os seus primeiros passos, que se comunica, interage e que tanto nos encanta aos doze meses. 

Mas o encantamento de professora e pesquisadora se transformou, nesses tempos pandêmicos,  em uma adoração pela incrível beleza e potência dos processos de desenvolvimento. Eu, que sempre defendi (e de certa forma continuo defendendo) que as crianças não devem ser expostas nas redes sociais, passei a ansiar por cada pequena foto e/ou vídeo de vocês, postado por mães e famílias corujas. 

Nada era mais tranquilizador para mim do que ver que, a despeito dos números crescentes das vidas perdidas, você continuava a se desenvolver.

O primeiro sorriso, o rolar na cama, a tradicional foto na pose de esfinge, o precioso movimento de pinça, o sentar, o engatinhar, os ensaios de ficar em pé, a gargalhada, as brincadeiras, as caretas engraçadas com os primeiros alimentos, os balbucios e as primeiras palavras tão desejadas por todos. Apenas a observação desse milagre chamado desenvolvimento me faz sair desse loop temporal infinito que entramos desde o começo da pandemia. 

Eu que sempre falei da importância da rotina das crianças como forma de favorecer um desenvolvimento saudável, passei a me ancorar nos seus marcadores desenvolvimentais como forma de me manter viva.

Imagino que para as mães, pais, avós e cuidadores, não deve ser nada fácil cuidar de um bebê nesse contexto tão adverso. Imagino que, muitas vezes, as lágrimas de cansaço escorrem pelo rosto de quem cuida e não está podendo ser cuidado. Provavelmente, em muitos momentos, essas famílias nem consigam perceber esse meu encantamento, envolvidas no cuidado intenso e necessário. Espero que elas consigam perceber que observar essas pequenas conquistas cotidianas pode ser um verdadeiro bálsamo de alegria e esperança. 

É por isso que agradeço imensamente a você, bebê, por ser exatamente como você é e permitir que, através da observação do seu desenvolvimento, eu possa, mesmo que por alguns instantes, esquecer as mortes, as dores, o indizível dessa pandemia.

Muito obrigada a Arthur, Clara, Letícia, João, Kiara, Irene que me ajudaram a passar por esse ano. Obrigada às famílias desses bebês lindos por compartilharem comigo pequenos pedacinhos dessa incrível jornada. Espero que no baú de memórias de vocês fiquem a interação, a troca, o amor e o cuidado. Do meu lado, juro que estou fazendo o meu melhor para retribuir tamanha beleza, contagiando outros sobre a magia do desenvolvimento da criança, para que talvez…

…os bebês deixem de ser vistos apenas como um projeto de futuro e passem a ser vistos pela potência do que são.

Com amor,

Juliana Prates.

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