8 autores de livros adultos que também escreveram para crianças

Obras de escritores consagrados como Saramago e Clarice Lispector são oportunidade de aprimorar o percurso leitor com uma literatura potente

Renata Rossi Publicado em 09.11.2023
Fotomontagem com as imagens de três escritores: Clarice Lispector, bell hooks e José Saramago
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Resumo

Autores consagrados na literatura como José Saramago e Clarice Lispector produziram vasta obra para adultos, mas também têm livros voltados para a infância. Conheça quem são alguns desses outros autores e o que escreveram para as crianças.

Ao entrar em uma livraria e pedir ajuda para escolher um presente para uma criança, em geral as primeiras sugestões do livreiro seriam contos de fadas ou clássicos, em versões bem caprichadas. E se você perguntar sobre livros de autores que você admira que também escreveram para crianças? Afinal, ao explorarem temas universais, obras de grandes autores, sejam clássicos ou contemporâneos, expõem as crianças a diferentes perspectivas e experiências de vida.

Conheça quem escreveu uma ou mais história infantil:

  • 1. Italo Calvino
    O autor que estudou os livros clássicos, tornou-se ele mesmo um cânone da literatura do século 20. Em seu centenário, que seria comemorado em 2023, chega ao Brasil uma nova edição de uma narrativa para crianças escrita por Calvino. Esse texto tinha ficado de fora da antologia “Fábulas italianas” (Companhia das Letras), coletadas pelo autor nos mesmos moldes das clássicas coletâneas dos irmãos Perrault, na França, e dos Grimm, na Alemanha.
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“Perde quem fica zangado primeiro”, Italo Calvino e Susanne Janssen (Companhia das Letrinhas)

Com a divertida linguagem do autor italiano, essa história é sobre três irmãos que recebem de seu pai doente um saco de moedas como herança. Cada irmão corre o mundo para multiplicar a herança como orientou o pai, só que encontram pelo caminho um padre que faz uma aposta: quem ficar zangado primeiro perde o saco de moedas. Quem será que perdeu?

  • 2. Elena Ferrante

    De identidade desconhecida, Elena Ferrante é o pseudônimo da autora (ou autor, não se sabe) responsável pela tetralogia napolitana que começa com “A amiga genial”. Além desse fenômeno literário, Ferrante escreveu o romance sobre maternidade “A filha perdida”, considerado um divisor de águas em sua carreira, também adaptado para o cinema.

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“Uma noite na praia”, Elena Ferrante e Mara Cerri (Intrínseca)

Essa fábula sombria trata de temas como abandono e retoma o universo de “A filha perdida” para narrar a interminável noite de sustos e surpresas vivenciada por Celina, uma boneca que é perdida em uma praia.

  • 3. Olga Tokarczuk
    Vencedora do Nobel de Literatura, em 2018, a polonesa conquistou leitores ao redor do mundo com os livros “Sobre os ossos dos mortos” e “Correntes”, ambos publicados no Brasil pela Todavia. Em suas produções infantis, em parceria com a ilustradora Joanna Concejo, coloca os personagens, de alguma forma, como exemplares – ou vítimas – dos tempos de hoje.
    As duas obras não cabem em nenhuma caixa que você queira colocá-las, escreve Mell Brites, editora do selo Baião, responsável pelas publicações destinadas às infâncias da Todavia. “São para a infância, mas também para adultos. São livros ilustrados, mas também novela gráfica. São críticas duras ao modo de ser contemporâneo, mas são também uma ode a ser e estar no mundo.” Além de destacar “a pesquisa sobre a condição humana”, Brittes diz que ambas “trazem críticas contundentes e não propõem saídas fáceis, finais felizes ou mensagens pedagogizantes, ainda comuns nos livros para crianças e jovens.”
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“A alma perdida”, Olga Tokarczuk e Joanna Concejo (Todavia)

Era uma vez um homem que trabalhava muito e quase não prestava atenção no tempo que passava diante de seus olhos. Não que sua vida fosse ruim. Ele apenas sentia que tudo ao seu redor estava plano, como se estivesse se movendo na folha de um caderno de matemática inteiramente coberta por quadradinhos iguais e onipresentes.

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“Um senhor notável”, Olga Tokarczuk e Joanna Concejo (Baião)

Senhor Aparecido era um homem muito expressivo. Bastava apenas uma olhada para ele e seu rosto ficarem guardados na memória de qualquer um. Quando descobre o universo das selfies, essa prática se torna uma obsessão. Mas não demora muito até que ele comece a perceber que, com o excesso de exposição, sua face de belos contornos está ficando cada vez menos nítida.

  • 4. José Saramago
    Entre os cinco livros do português destinados às crianças, o único intencionalmente escrito aos “miúdos”, como ele dizia, foi “A maior flor do mundo”, de 2001. Os demais títulos do vencedor do Nobel de Literatura em 1998 fazem parte de sua produção para adultos que dialogam com as infâncias e foram editados como contos ilustrados, por iniciativa da Fundação Saramago, que trabalha para preservar e divulgar sua obra.
    Para Antônio Castro, editor da Companhia das Letras, selo responsável pelas obras de Saramago no Brasil, incluindo as infantis, “a volta de sua obra para o público infantil mostra, a meu ver, a potência de um texto que é realmente universal e ‘se traduz’ para a criança com a mesma facilidade que se faz ao adulto”.
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“O primeiro barco”, José Saramago e Amanda Mijangos (Companhia das Letrinhas)

“Antes de construir o primeiro barco, o homem sentou-se na praia a olhar o mar”. A frase abre essa narrativa recém-lançada aos pequenos leitores. Frente ao oceano, é sempre necessária uma dose de ousadia e força para que a aproximação seja bem-sucedida. E, nas palavras de José Saramago, este encontro se torna ainda mais sublime. O texto foi originalmente publicado no livro “Cadernos de Lanzarote II”, de 2014, com o título “Prefácio para um livro”.

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“A maior flor do mundo”, José Saramago e João Caetano (Companhia das Letrinhas)

Em “A maior flor do mundo”, Saramago conta às crianças sobre sua ideia de uma história que poderia ser a mais bonita de todos os tempos se ele tivesse habilidade para escrever a esse público.

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“O lagarto, José Saramago e J. Borges (Companhia das Letrinhas)

O texto, uma das crônicas do livro “A bagagem do viajante”, beira o fantástico, com nuances de ironia, uma das características da escrita de Saramago. No auge da confusão, quando um lagarto gigante aparece no meio de um bairro movimentado, um acontecimento transforma tudo. Cabe ao leitor decidir se depois do ocorrido acredita ou não em fadas.

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“O silêncio da água”, José Saramago e Yolanda Mosquera (Companhia das Letrinhas)

Um episódio da infância de Saramago, registrado em “As pequenas memórias” (2006), toma fôlego ao se transformar em livro ilustrado. Relançada em 2022, nesta obra acompanhamos a disputa de Saramago menino com um peixe, “que pela sua força, devia ser uma besta corpulenta”, em um dia de pesca no rio Almonda, que banha a aldeia onde viviam seus avós. A voz do menino, resgatada de seu baú de memórias, dialoga com a infância a partir da aventura, da ingenuidade e também de uma pontinha de teimosia.

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“Uma luz inesperada”, José Saramago e Armando Fonseca (Companhia das Letrinhas)

O convite para acompanhar o tio em uma expedição a pé até Santarém para vender bácoros, pequenos porcos criados pelos avós, se transforma em uma jornada de deslumbramento. Mais uma das crônicas de “A bagagem do viajante” que vira livro ilustrado e nos leva em viagem, dia e noite, guiados pelas estrelas, lendo nas imagens o percurso e o extraordinário a partir do olhar da criança até “aquilo que não tornou mais a acontecer”.

  • 5. bell hooks
    Intelectual reconhecida por sua obra sobre raça, classe e gênero, bell hooks apresenta, por meio da literatura infantil, seu pensamento para leitores de todas as idades. Nestas obras, por exemplo, pode-se saber um pouquinho mais sobre construção de imagem de criança negra e afetividade, em linguagem acessível.
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“Ranheta ruge rosna”, bell hooks e Chris Raschka (Boitatá)

Neste seu livro mais recente, de 2023, a autora propõe um caminho de autoaceitação às crianças, em vez de esconder seus sentimentos mais confusos. O objetivo é falar de acolhimento e elaboração da personalidade. Afinal, saber redirecionar as emoções permite que cada um possa assimilar o convívio em sociedade à medida que crescem.

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“Meu crespo é de rainha”, bell hooks e Chris Raschka (Boitatá)

Depois de testemunhar um ato de racismo numa escola primária do Brooklyn, nos Estados Unidos, quando uma professora leu para as crianças uma história sobre cabelos “ruins”, hooks escreveu seu primeiro livro infantil, em 1999. Além de enaltecer a beleza dos fenótipos negros, exaltando penteados e texturas afro, aproxima crianças negras e não negras à reflexão sobre identidade de maneira afetuosa.

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“Minha dança tem história”, bell hooks e Chris Raschka (Boitatá)

Em “Minha dança tem história”, a autora amplia e ressignifica o leque de possibilidades do que é ser um menino a partir da história de Bibói, um garotinho que arrasa nas batalhas e nas rimas, enquanto descobre quem ele é.

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“A pele que eu tenho”, bell hooks e Chris Raschka (Boitatá)

De forma poética, “A pele que eu tenho” abre um diálogo com as crianças sobre raça e identidade e ressalta o perigo que é julgar uma pessoa no primeiro olhar.

  • 6. Gabriel García Márquez
    Conhecido por seus romances como “Cem anos de solidão”, o escritor e jornalista colombiano, também vencedor do Nobel de Literatura, em 1982, teve parte da sua obra publicada em versões para o público infantil. Dessa forma, jovens leitores puderam acessar o realismo fantástico, que é sua marca registrada.
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“Um senhor muito velho com umas asas enormes”, Gabriel García Márquez e Carme Solé Vendrell (Galera Júnior)

Depois de uma chuva incessante, um casal vê caído em seu quintal um homem com asas enormes, que acreditaram ser um anjo. Essa presença mexeu com todo o vilarejo.

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“A luz é como água”, Gabriel García Márquez e Carme Solé Vendrell (Galera Júnior)

Neste conto, Gabo narra, de forma lúdica e delicada, como dois irmãos resolvem navegar pelo jorro de luz saído de uma lâmpada quebrada.

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“O mistério do coelho pensante”, Clarice Lispector e Kammal João (Rocco)

Seu primeiro livro infantil passou mais de uma década guardado na gaveta antes de ser publicado, em 1967. A obra conta a história de Joãozinho, um coelho branco muito esperto. De tanto farejar ideias com seu focinho inquieto, Joãozinho inventou uma que iria dar o que falar: fugir da casinhola de grade de ferro sempre que esquecessem a sua comida.

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“A mulher que matou os peixes”, Clarice Lispector e Mariana Valente (Rocco)

Publicado originalmente em 1968, é um livro sobre perdas, animais e sobre uma mãe que não tem medo de falar a verdade. Clarice deixou os peixinhos de seu filho morrerem de fome, admite sua culpa e está pedindo perdão. Seria tudo muito simples se essa não fosse uma história para crianças. Nesta edição, as ilustrações são de Mariana Valente, neta de Clarice Lispector.

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“A vida íntima de Laura”, Clarice Lispector e Odilon Moraes (Rocco)

No conto, a galinha é apresentada como um ser que “tem muita vida interior” e, sobretudo, um “disfarce do ovo” – símbolo do mistério da existência. Como de costume, Clarice vai nesta obra descortinar junto às crianças leitoras o mistério existente sob a vida cotidiana. Tudo a partir do pequeno universo de Laura, uma galinha muito simpática, de pescoço bem feio, casada com um vaidoso galo chamado Luís.

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“Quase de verdade”, Clarice Lispector e Carla Irusta (Rocco)

Lançado postumamente, esse título é narrado, ou melhor, “latido”, por Ulisses. Nesta homenagem da escritora ao seu cachorro vira-lata, conhecemos a história de uma figueira invejosa que traça um plano para obrigar as galinhas a colocarem ovos continuamente. Com toques de metalinguagem e um forte conteúdo político, abordado de forma lúdica e bem-humorada, a autora provoca os pequenos com “uma história que até parece de mentira e até parece de verdade”.

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“Doze lendas brasileiras – Como nasceram as estrelas”, Clarice Lispector e Suryara (Rocco)

Para cada mês do ano, uma lenda ou um conto retrata tradições da cultura brasileira e dos povos originários, com a participação de personagens do folclore, como a sereia Iara, o Curupira e o Saci-Pererê. A história que dá nome ao título conta como, em uma aldeia, travessos curumins deram origem a “gordas estrelas brilhantes”. Apesar das fábulas terminarem com um aprendizado, em uma delas, Clarice alerta: “Será que a moral desta história é que o bem sempre vence? Bom, nós todos sabemos que nem sempre. Mas o melhor é a gente ir-se arranjando como pode e dar um jeito de ser bom e ficar com a consciência calminha.”

  • 8. Maya Angelou
    A escritora e ativista norte-americana passou anos sem falar depois de um episódio de violência na infância. E quando decidiu voltar a se expressar, teve muito a dizer. O diálogo de sua obra com as crianças foi proposto pela escritora, editora e fotógrafa Sara Jane Boyers. Foi ela quem transformou um poema de Angelou em livro, com ilustrações a partir de obras originais de Basquiat.
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“A vida não me assusta”, Maya Angelou e Jean-Michel Basquiat (Darkside)

A obra reúne os talentos da poeta e ativista Maya Angelou e do artista gráfico Jean-Michel Basquiat. Dois artistas com histórias de vida sofridas e infâncias problemáticas, mas que nunca se deixaram intimidar. Não importa qual obstáculo apareça no caminho, você sempre pode encontrar forças para superá-lo. O livro, publicado originalmente há 30 anos, chegou ao Brasil apenas em 2018. Neste mesmo ano, o país recebeu pela primeira vez uma mostra individual de Basquiat.

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