Especialistas explicam o que é verdade e o que é mito envolvendo um dos atos mais importantes para assegurar a saúde física e emocional do bebê
A amamentação é um momento importante de criação de vínculo entre mãe e bebê, mas pode ser difícil para muitas mulheres, além de ser repleto de mitos e verdades. O Lunetas conversou com especialistas e esclareceu as principais dúvidas sobre esse período.
Existe um ditado que diz que “a gestação é uma escola, mas a amamentação é uma faculdade”. Apesar da beleza e do vínculo que a imagem de uma mãe amamentando o filho representa, esse também pode ser um momento muito difícil, pois amamentar exige esforço físico e emocional, além de ser um tempo de vida (com muita restrição de sono!) dedicado a alimentar outro ser humano. Numa fase tão importante, é natural ter dúvidas sobre amamentação, seus mitos e verdades. Por isso, convidamos a enfermeira e consultora em amamentação Bruna Grazzi e a pediatra Márcia Zani para esclarecer o que é real e o que não é em tudo que cerca a amamentação.
“Algumas dessas afirmativas, embora não sejam verdadeiras, podem influenciar negativamente o ato de amamentar devido à pressão exercida sobre a mulher, além da responsabilização e da culpabilização dela por essa prática. No entanto, é fundamental não colocar essas questões à frente dos benefícios que só a amamentação pode trazer para o filho”, explica Grazzi sobre esse fenômeno fortemente influenciado pelo contexto histórico, social e cultural das mulheres.
Verdade. A amamentação faz bem para o bebê, para a mãe, para o planeta e para sociedade.
Na amamentação, o bebê recebe os anticorpos da mãe para proteção contra diversas doenças, tais como diarreia e infecções, principalmente as respiratórias. O risco de asma, diabetes e obesidade é menor em crianças amamentadas. A amamentação é um excelente exercício para o desenvolvimento dos ossos e músculos da face da criança, incluindo dentição, fala e respiração.
“Mamar no peito promove desenvolvimento de estruturas essenciais para uma boa respiração, alimentação, fala e tudo isso reflete em sono, nutrição, comunicação e respiração”, detalha a pediatra.
O aleitamento materno pode também melhorar a qualidade de vida das famílias, uma vez que as crianças amamentadas adoecem menos, necessitam de menos atendimentos médicos, hospitalizações e medicamentos, o que pode implicar em menos faltas ao trabalho dos pais, bem como menos gastos e situações estressantes. Além disso, a amamentação bem sucedida é fonte de prazer para mães e crianças, o que pode repercutir favoravelmente nas relações familiares e no estilo de vida.
Há evidências que mostram que a cada ano que a mulher amamenta, a chance de desenvolver câncer de mama diminui em até 6%, segundo dados do Ministério de Saúde. Já a criança tem menos chance de desenvolver diabetes tipos 1 e 2.
Além disso, alguns elementos do leite materno não podem ser replicados porque são exclusivos do próprio corpo, como as células precursoras (células-mãe). Essas “células milagrosas” têm capacidade de dar origem às células especializadas que constituem tecidos e órgãos.
A amamentação também é uma forma de alimentação sustentável. O leite materno é um alimento natural e renovável, ambientalmente seguro, produzido e entregue ao consumidor sem causar poluição, sem embalagens desnecessárias e desperdícios.
A amamentação diminui os custos com tratamentos nos sistemas de saúde, previne a fome e a desnutrição em todas as suas formas e garante a segurança alimentar dos bebês, mesmo em tempos de crise e catástrofe. O leite materno não impacta no orçamento familiar e contribui para a redução da pobreza, pois é gratuito e produzido diretamente da mãe para o seu filho.
Mito. Não há leite materno fraco. É importante ressaltar que o leite materno contém todos os nutrientes de que a criança necessita, sendo o alimento ideal e exclusivo até o sexto mês de vida e recomendado até os dois anos ou mais. A figura do leite fraco, nos dias de hoje, é uma das principais causas da complementação precoce, sendo que a comparação do leite humano com o de vaca serviu de fundamentação para essa crença.
O desconhecimento das características do leite humano pode induzir a lactante a desconfiar de sua capacidade de produzir leite de “qualidade” para a criança, levando a uma introdução alimentar precoce do bebê.
Depende. No geral, o bebê deve mamar sempre que desejar. Mas, por que o bebê sente fome rápido? É por que o leite materno é fácil de digerir; a fórmula, por outro lado, é homogênea do início ao fim, o que faz o bebê perder um pouco essa capacidade de saber quando já está se sentindo saciado.
A liberdade de horário na alimentação do recém-nascido traz vantagens para a dupla mamãe e bebê. A criança que mama quando quer, perde menos peso depois do nascimento e estimula a lactação da mãe. Dessa maneira, a descida do leite e a produção láctea são melhores e mais adequadas. A mamada livre também previne a dor, ingurgitamento e empedramento da mama pelo leite congestionado, além de colaborar para conter a ansiedade do bebê, que prejudica todo o processo, pois quando a criança vai ao peito com muita fome e vontade, é comum que ela machuque o seio da mãe.
“A livre demanda é recomendada sempre e para todos os bebês que mamam exclusivamente, já que através das mamadas o bebê sacia a fome e sede e regula suas emoções. Por conta disso, é importante que o acesso à amamentação não seja limitado. Por outro lado, alguns bebês podem pedir para mamar menos que o necessário, como é o caso dos prematuros ou com alguma condição específica de saúde. Nesses casos, deve ser garantido um mínimo de mamadas – entre 10 e 12 por dia – que precisam ser efetivas, podendo ser estimuladas pela compressão das mamas ou estímulo durante as mamadas. Mas não há limite, caso o bebê manifeste vontade de mamar mais que isso”, recomenda a pediatra.
Mito. Revezar não! O bebê deve esvaziar todo um lado primeiro, aí sim a mãe pode oferecer a outra mama. Alguns bebês esvaziam as duas, outros apenas uma (a mamada seguinte, então, deve começar com a mama que ficou cheia), outros esvaziam uma e querem um pouquinho da outra. Então nesse caso, depende da dupla mãe-bebê.
Mito. O leite materno contém substâncias bioativas, que são substâncias vivas. É como se fosse um “sangue branco”. Ele tem vitaminas, proteínas, minerais, células e anticorpos, glóbulos brancos e células-tronco – isso tudo a fórmula não produz. Vale lembrar que não existe fórmula idêntica ao leite materno, elas podem ser equilibradas e ter oferta semelhante, mas nenhuma fornece anticorpos contra doenças e bactérias vivas como o leite materno. “É indicado buscar por fórmulas e não compostos lácteos, e que sejam adequadas para a faixa etária. Na ausência de leite materno, as fórmulas de boa procedência são o alimento mais adequado para o bebê até 1 ano de vida. Após esse período, pode ser oferecido leite de vaca integral [caso o bebê não manifeste alergias]”, recomenda a pediatra. Segundo a especialista, os compostos lácteos oferecidos no mercado não são nutricionalmente saudáveis, pois contêm apenas uma parte de proteínas de leite e outra de aditivos nutricionais ultraprocessados.
Mito. Não precisa calejar os mamilos! A própria natureza se encarrega disso. Durante a gestação, a pele da aréola fica mais escura por causa da ação de hormônios que atuam no fortalecimento e aumento da resistência da pele. Os tubérculos de Montgomery (aquelas protuberâncias na aréola) produzem a hidratação e proteção natural para a aréola e o mamilo. Ao esfregar a região com a bucha, por exemplo, estamos retirando essa proteção e favorecendo o ressecamento, o que pode causar feridas.
Já as massagens nas mamas ajudam na produção de leite e são simples de serem feitas, mas devem acontecer no momento de apojadura, processo natural conhecido como “descida do leite” até cinco dias após o parto.
Verdade. Quando o bebê nasce, é um momento mágico, conhecido como “golden hour”, a hora de ouro – após esperar tantos meses para se verem, mãe e bebê podem finalmente olhar nos olhos um do outro. Este tempo no contato pele a pele, além de promover relaxamento e redução dos hormônios de estresse, também ajuda a liberar a ocitocina, que ejeta o leite para os ductos mamários.
Verdade. O colostro é o “ouro líquido”, e não apenas por ser amarelo! Ele é o primeiro leite que a mulher produz quando começa a amamentar. É altamente concentrado, repleto de proteínas e rico em nutrientes – por isso, mesmo uma pequena quantidade, pode fazer toda a diferença no estômago do bebê. O colostro combate infecções, ajuda no sistema imunológico, contribui para o funcionamento do intestino do bebê e previne contra a icterícia (condição que ocorre quando as células vermelhas do sangue quebram, levando o bebê a produzir bilirrubina, substância amarelo-alaranjada de difícil eliminação, pois seu fígado não está totalmente desenvolvido). O colostro contém milhares de anticorpos e funciona como a “primeira vacina do bebê”, com repercussões para a vida toda.
Verdade. Sim, mas é temporário e a mãe precisa estar com o aleitamento exclusivo, sem mamadeira ou fórmula. Esse efeito ocorre pelo alto índice de prolactina (hormônio que estimula a produção do leite), fazendo com que a mulher não ovule e nem menstrue. A mulher que amamenta pode voltar a menstruar de dois meses a um ano após o parto.
Verdade. O sabor de alguns alimentos é passado para o leite da mãe, incluindo substâncias que podem ser alérgicas e gerar cólicas no bebê, como aqueles à base de derivados do leite. A alimentação da mãe durante a amamentação deve conter alimentos in natura ou minimamente processados. No período de aleitamento materno, a mulher deve dar preferência a comidas feitas em casa e pratos que incluam alimentos naturais como frutas, legumes, verduras, arroz, feijão, carnes e ovos, ou seja, comer comida de verdade! Se a mãe tem uma alimentação saudável vai ajudar também na hora da introdução alimentar do bebê.
“O leite da mãe pode ter um sabor tanto mais adocicado, salgado, azedo, dependendo dos alimentos que ela consome. De modo geral, não é preciso evitar nenhum tipo de alimento, a não ser em casos nos quais existam alergias a algumas proteínas que podem passar pelo leite da mãe, como a alergia ao leite de vaca (APLV), mais comum em crianças de até 24 meses”, alerta a pediatra.
Bebidas como mate e café em excesso podem estimular o bebê. Cervejas ou qualquer outro tipo de bebida alcoólica não são recomendados, pois o álcool pode passar para o leite materno, se o consumo for excessivo e se o bebê ainda mamar em intervalos muito curtos. Quanto ao uso de cerveja preta, as especialistas são categóricas. “Não existe nenhuma evidência científica de que a cerveja preta estimula a produção de leite”, alerta Zani.
Em alguns casos, o bebê pode apresentar sintomas de alergia, como cólicas, refluxo, lesões na pele, sangue nas fezes, problemas respiratórios, entre outros. “Após identificado, o especialista pode recomendar a restrição de alimentos específicos da dieta da mãe”, explica a pediatra. Entre esses alimentos, estão o leite de vaca e derivados, castanhas e amêndoas, glúten, frutos do mar e ovos. “Porém é importante que essa dieta seja feita com orientação médica. Assim que possível, o especialista irá orientar também sobre a reintrodução desses alimentos para a mãe e, após a introdução alimentar, na dieta da criança”, emenda.
Mito. Amamentar não dói. Óbvio que a mulher fica com bastante sensibilidade no início, mas nada que a impeça de amamentar. Se ocorrer uma dor insuportável, rachaduras nos mamilos ou feridas, ela deve procurar um profissional em aleitamento materno para ajustar a pega do bebê, avaliar a linguinha e as técnicas de amamentação. Se estiver tudo certo, essa sensibilidade passa nos primeiros dias. Caso sinta qualquer desconforto, a mulher não deve hesitar em procurar ajuda especializada o mais rápido possível.
Mito. Todos os tipos de bico de peito possibilitam a amamentação. O bebê não deve abocanhar o bico do peito, e sim a maior parte da aréola. Mas nem todos os bicos dos seios são iguais, alguns são protusos (bico proeminente, fica para fora quando estimulado) ou planos (não é nem para fora nem para dentro), sem impacto na amamentação. Já o “invertido”, que é voltado para dentro, pode dificultar a pega correta do bebê, mas uma consultora de amamentação pode ajudar a mãe sobre como proceder.
Verdade. A chupeta e a mamadeira são desaconselhadas pela possibilidade de interferir negativamente na duração do aleitamento materno, entre outros motivos. Crianças que usam chupetas e mamadeiras, em geral, são amamentadas com menos frequência, o que pode comprometer a produção de leite, além de prejudicar a função motora oral e levar a problemas ortodônticos, pois os músculos faciais não são devidamente estimulados.
O uso de bicos artificiais pode ser um sinal de que a mãe está com dificuldades na amamentação ou de menor disponibilidade para amamentar. Há casos em que se recomenda o uso de colher dosadora e posteriormente o próprio copo para oferecer o leite ao bebê, em vez das mamadeiras. Procure apoio e orientação correta com o profissional de saúde.
Com certeza! A mãe angustiada, sofrendo, chorando ou irritada não consegue ter uma boa produção. O excesso de cortisol (hormônio do estresse) bloqueia a passagem da ocitocina (o hormônio do amor), responsável por ejetar o leite.
Além disso, a cobrança social por possíveis prejuízos estéticos decorrentes da amamentação, além da cobrança pela redução da atividade sexual (pelo desconforto com a saída do leite durante o ato sexual, além de outros motivos) é um assunto pouco explorado, mas que interfere na lactação. A mulher precisa estar muito segura e ter bastante apoio e compreensão neste momento.
Verdade. Isso porque a mama fica tão dura que o bebê não consegue abocanhar a aréola. Além disso, o leite empedrado não sai, pois está no estado mais sólido. Por isso é necessário fazer bastante massagem, ordenha, compressa quente para favorecer a vasodilatação e o leite fluir mais naturalmente.
O leite empedrado também pode causar mastite (inflamação da glândula mamária, seguida de infecção por bactérias) que causam muitas dores às lactantes. Uma dica é usar o coletor de leite, um recipiente de silicone que fica acoplado em uma das mamas recolhendo o leite excedente enquanto o bebê é amamentado na outra. Isso facilita a reserva de leite materno sem precisar de ordenha, principalmente para as mães que sofrem de hiperlactação.
Mito. No geral, toda mulher produz a quantidade de leite ideal para seu filho – a quantidade produzida costuma adequar-se à necessidade do bebê geralmente entre o segundo e o terceiro mês de amamentação, quando há uma queda nos níveis do hormônio da prolactina, responsáveis pela produção de leite. O que pode diferenciar é como a mama está sendo estimulada: se o bebê está em livre demanda, a mulher costuma produzir uma ótima quantidade de leite. Há casos de desequilíbrio na amamentação, como na hiperlactação. Mas é bastante comum a mãe queixar-se de “leite fraco” ou “pouco leite”. Esta queixa acontece, muitas vezes, porque a mãe está insegura sobre sua capacidade de amamentar, além de ficar confusa com as diferentes opiniões das pessoas do seu círculo familiar e social.
“Se houver sucção efetiva e frequente, a maioria das mulheres irá ter produção adequada de leite. Alguns raros casos de mama hipodesenvolvida ou problemas de saúde da mãe podem atrapalhar a produção. Outros fatores como controle das mamadas, em detrimento da livre demanda, uso de bicos artificiais e fatores que levam à ineficiência da sucção também podem levar a um estímulo inadequado que repercute em baixa produção”, ressalta a pediatra.
Mito. A prótese, em si, não impede a amamentação por não não alterar a glândula responsável pela produção do leite. O problema pode ocorrer no tipo de cirurgia escolhida, que envolve o local do corte e a região onde o implante é colocado.
A mulher também deve redobrar a atenção em relação à livre demanda. O risco de ocorrer bloqueio de ductos, ingurgitamento, empedramento e até mastite é maior em relação às mulheres que não têm prótese. Por isso a mama deve ser massageada e esvaziada com frequência.
É raro haver mães que não podem amamentar, exceto em alguns casos, como as mães com HIV. A amamentação cruzada, quando outra mulher amamenta o bebê, é contraindicada pela Organização Mundial de Saúde e Ministério da Saúde, pois existem várias doenças transmitidas através do leite materno, incluindo HIV e hepatite. Se o bebê precisar tomar o leite de outra fonte, que não seja da própria mãe, o ideal é buscar o banco de leite da cidade, onde existem processos rigorosos de exames e triagem das doadoras, além de análise e pasteurização do leite. A Fiocruz tem um mapa com a rede de banco de leite humano em território brasileiro.
Mito. A amamentação não é um ato íntimo e a mãe não precisa se privar desse momento: pode ser feita em qualquer lugar, a hora que quiser, pelo tempo que for necessário, sem que a mãe passe por qualquer tipo de constrangimento. Inclusive a legislação brasileira (artigo 1 do PL 1.654/2019) protege o direito da mulher de amamentar em lugares públicos.
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