Participação de crianças e adolescentes inspira otimismo climático em meio à crise ambiental
Com criatividade, afeto e coragem, crianças e adolescentes estão sendo ouvidos e propondo soluções para um futuro mais justo e verde. Otimismo climático começa com a escuta e a participação da infância.
Presenciar enchentes e ter a casa inundada é algo comum na vida de crianças e adolescentes do Jardim Pantanal, na zona Leste de São Paulo. Thais Rebeca, 12, e sua família já passaram diversas vezes por essa experiência e perderam móveis e itens pessoais. “Uma garoinha e já alaga”, conta. Isso porque as casas do bairro ficam em uma área de várzea do rio Tietê que, até hoje, não tem infraestrutura adequada.
“A gente tem que colocar pedras debaixo do beliche, do fogão e da geladeira, mas mesmo assim a chuva vem e, com ela, os ratos”, relata a menina, que enfrentou problemas de saúde por causa da situação. “Quando eu era bebê, vivia no hospital por causa das contaminações.”
As mudanças no clima já afetam profundamente a infância no Brasil. De acordo com estudo realizado pelo Núcleo Ciência pela Infância, crianças nascidas a partir de 2020 enfrentarão em média 6,8 vezes mais ondas de calor e 2,8 vezes mais inundações e perdas de safra do que os seus avós, que nasceram em 1960.
Na mesma linha, o relatório do Unicef aponta que mais de 40 milhões de crianças brasileiras estão sujeitas a enchentes, ondas de calor, poluição e insegurança alimentar. O Jardim Pantanal é um exemplo de território periférico e vulnerável a esses riscos. Mas iniciativas envolvendo as crianças combinam cuidado coletivo e otimismo climático para propor possíveis soluções.
Hoje, Thais integra o Comitê Infantojuvenil, promovido pelo Instituto Alana. O grupo discute as mudanças climáticas e pensa ações locais para problemas que têm afetado o mundo todo. Em junho, ela e centenas de crianças da região participaram da miniCOP, uma conferência climática inspirada na COP30, que acontecerá este ano, em Belém (PA).
“As miniCOPs têm como objetivo mobilizar, educar e incentivar o protagonismo infantojuvenil nas pautas climáticas”, conta Carolina Maciel, bióloga e especialista em clima e populações tradicionais do Instituto Alana. Assim, “a ideia é que escolas e organizações construam suas próprias miniCOPs, para escutar, dialogar e ampliar as múltiplas expressões das infâncias e adolescências sobre as mudanças climáticas e o direito a uma vida digna, saudável e justa”.
Na primeira experiência, meninos e meninas de diferentes idades participaram de discussões com temáticas como “arte, cultura e clima” e “justiça ambiental, racismo climático, criança e cidade”. Também deixaram recados como “sem natureza não há vida” e “não cortem as árvores”, por exemplo, em um grande painel, que será levado para a COP30 como símbolo da participação infantil no maior evento climático do mundo.
Crianças representam 18,1 milhões de pessoas no país – cerca de 8,9% da população – e serão o grupo mais afetado pelas mudanças climáticas. Mas elas não são apenas vítimas da crise climática, são também agentes fundamentais para enfrentá-la.
Quando a pergunta “o que podemos fazer?” é feita a elas, a resposta vem carregada de esperança e ação. Por isso, é importante ouvir e incluir as infâncias nas decisões sobre o planeta.
“Elas reconhecem a urgência, mas também a potência”, diz Carolina Maciel. “É o que chamamos de otimismo climático: a certeza de que ainda há tempo, desde que haja vontade política e compromisso coletivo.”
As maneiras de lidar com as questões relacionadas ao clima também ganham criatividade pelo olhar da infância. Gabriele Castro, 13, é integrante da Banda Alana, que explora a música para mobilizar e conscientizar. “No nosso repertório, a gente usa músicas que falam sobre o meio ambiente. Para ela, “a letra das canções podem conquistar os jovens e ser uma espécie de remédio para a situação que estamos vivendo”.
“Pé de dinheiro
Pede socorro
Preciso do futuro
Se não eu morro
Para de queimar
Minha floresta
Olha bem pra minha cara
Vê se tem besta escrito na testa?”
Canção “Para de queimar minha floresta”, de Lilica Rocha, que está no repertório da Banda Alana.
Pela experiência positiva com a banda, Gabriele acredita que a arte e a cultura podem ser ferramentas importantes para a defesa do meio ambiente. “Através da arte você consegue expressar o que está sentindo na hora.”
Apesar de engajados, os mais novos sabem que o poder público tem um papel fundamental para cessar a degradação que tem reflexos no cotidiano deles. Para Thais, a justiça ambiental deve agir como uma onça. “A onça tenta de tudo para pegar o que é dela. Então, ela luta pelo direito dela. E eu acho que a justiça ambiental é assim: uma luta constante, como a da onça pela vitória.”
Na visão da menina, a onça também representa o território. “A onça é a nossa comunidade. A gente tem que dizer: vocês falam sobre isso, mas não vivem o que a gente vive”, critica, referindo-se a empresários e países que ocupam os espaços da COP sem representar as populações mais afetadas.
Com o Comitê Infantojuvenil, crianças já promovem mudanças concretas. No ano passado, o grupo fez um mapeamento da temperatura nas áreas da escola EMEF Virgílio de Melo Franco e identificou que o parquinho era o local mais quente.
“O chão era de concreto, com poucas plantas”, conta Miguel Araújo de Oliveira, 16, um dos integrantes do Comitê. Após debater propostas para refrescar o ambiente, eles organizaram mutirões e então transformaram o espaço com materiais recicláveis. “A gente fez um balanço de bambu, fizemos um lago artificial e reflorestou. Hoje o chão não é mais de concreto, é de grama.” O novo espaço também é usado agora como área de estudos para os adolescentes.
“O que estamos fazendo não é só para nós. É para as crianças que virão, que já vão crescer com esse conhecimento e a vontade de cuidar do planeta”, diz Miguel, que segue planejando, junto com os colegas, novas ações no bairro.
Fonte: Passo a passo para organizar uma miniCOP (Instituto Alana e Unicef)
Em 2021, o Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança reconheceu formalmente que a mudança do clima é uma questão de direitos humanos infantil.