Ter hobbies na infância é ter liberdade criativa no brincar

Crianças têm o direito de ser livres para descobrir o que mais gostam de fazer e explorar a criatividade. Saiba como a família pode incentivar essa descoberta

Carolina Pelegrin Publicado em 20.05.2025
Foto de um grupo de crianças usando tintas e pincéis para pintar. Todos usam roupas coloridas.
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Resumo

Pais e mães podem ajudar as crianças a encontrarem seus hobbies, observando nas brincadeiras os interesses e a criatividade. Estimular uma atividade para passar o tempo livre deve servir para relaxar e criar conexões sem imposição.

Isabelly tinha 3 anos quando pediu sua primeira máquina de costura à mãe, Natach Bono. O pedido parecia incomum, mas ao perceber o nível de detalhes que a menina já desenhava em seus croquis, resolveu levá-la para conhecer um ateliê de costura. “Ela começou a desenhar roupinhas para cachorro e a costurar também. Foi uma festa!”, recorda sobre o início de um dos hobbies da menina.

Assim, após receber a máquina, cada pedaço de tecido que Isabelly tocava, o mundo se transformava em um ateliê mágico, repleto de possibilidades. “Meu avô é mecânico. Ele tinha uns trapos velhos para limpar a mão da graxa, e havia diversos tecidos floridos. Então, eu peguei e transformei tudo em roupas”, conta.

A partir daí, os brinquedos deixaram de ser a primeira escolha de presente. Tecidos, linhas, tintas e pincéis se tornaram protagonistas das compras em família. “Presentes para as amigas? Ela mesma criava. Me recordo que uma delas queria muito um porta-joias. Então, Isabelly me pediu todo o material e criou”, lembra Natach.

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Arquivo Pessoal

Isabelly com sua primeira máquina de costura. A menina desenvolveu o interesse por desenhar e criar roupas desde os 3 anos e isso se tornou seu primeiro hobby.

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Arquivo pessoal

Aos 15 anos, Isabelly já sabe fazer roupas e cria novos hobbies como design de unhas e culinária.

Famílias apresentam o mundo além das telas

Ter um hobby, ou seja, uma atividade prazerosa de fazer nos tempos livres, é um estímulo ao desenvolvimento das crianças. Desde que não seja algo imposto, mas que tenha surgido do próprio interesse de meninos e meninas, a família pode ajudar na descoberta de um passatempo analógico.

A psicóloga Gabriela dos Santos, especialista em neurociência, explica que nesse processo a tarefa principal dos pais é observar, identificar e incentivar. “Dentro do nosso desenvolvimento cerebral, os pais têm um papel muito importante. Isso porque são eles que estão ali transcrevendo e repassando para a criança como o mundo funciona.”

Até mesmo o uso saudável de telas pode fazer parte desses momentos. Ao perceber um padrão de interesse da criança, os cuidadores podem incentivar a atividade mostrando vídeos e tutoriais, por exemplo. Ou trazer histórias da vida dos pais sobre aquilo, como uma forma de trocar informações com a criança e até reforçar os vínculos.

Portanto, essa mistura de observação, tentativa, erro e acerto é a estratégia de Leonardo Campos para identificar quais hobbies apresentar para filha, Ana Cariús, de 5 anos. “Você precisa mostrar as possibilidades, porque, às vezes, a criança não conhece, né?”

Foi assim, que ele apresentou um de seus hobbies à filha, o interesse pelas palavras-cruzadas. Ele sabia que a atividade agregava duas aptidões similares de Ana: escrever e pintar. “Nos livros que ela gosta de pintar, sempre tem um exercício. Então, enquanto resolve, faz um caminho colorido ou pinta as letras”, explica.

Ana gostou das palavras-cruzadas. Além disso, a observação sensível do pai rendeu momentos de aprendizado mútuo. “Uma vez, tinha uma pergunta que eu não sabia e ela também não. Eu pensava ser um animal totalmente diferente. Depois procuramos a resposta, e eu vi que ela estava com a razão”, conta. “Demos muita risada, porque era uma coisa totalmente nova para mim e para ela. Foi um momento legal.”

Prestar atenção ao brincar é o melhor caminho

Para acertar na sugestão, Leonardo observou que o interesse genuíno por pintura despertou um comportamento proativo de Ana, que contava os dias para brincar com um livro de colorir com aquarela.

“Como ele era um livro que tinha tinta, não deixávamos acessível o tempo todo, mas ela sabia exatamente o dia de usar. Quando chegava, ela perguntava: hoje é dia de pintar?”, se diverte o pai ao lembrar a animação da filha.

Essa troca constante entre pais e filhos vai além do presente, pois é um elo que se aperfeiçoa com o tempo. Como pais, é fundamental prestar atenção às escolhas espontâneas da criança. Pode ser dançar, correr ou colorir. A partir disso, a família pode pesquisar dicas sobre qual atividade despertará a criatividade dos pequenos.

Criança é naturalmente curiosa, é naturalmente criativa, elas gostam de pegar, de testar e de jogar”, defende Gabriela. A psicóloga reforça que o hobbie é fruto dessa atividade escolhida por meio da curiosidade.

Como Ana ainda é muito nova, a estratégia do pai para incentivar atividades e garantir um interesse genuíno é a pergunta: “o que a gente vai fazer hoje?”. Para Gabriela, esse tipo de abordagem é importante porque dá a chance da criança trazer o que ela quer e também a possibilidade de negociar a sugestão vinda do adulto. “Assim, a criança exercita o direito de escolher algo que tenha prazer.”

A liberdade dos hobbies e a resiliência para o mundo

Depois de tanto experimentar na sua máquina de costura, os interesses de Isabelly foram mudando. Quando a energia criativa da adolescente passeava pelo realismo, ela foi convidada a fazer o desenho que iria compor a parede do colégio. Mais tarde, mergulhou no mundo do design de unhas. Atualmente, aos 15 anos, ela continua disposta a explorar mais novidades. “Estou vendo muitos vídeos de receita e bolo, estou adorando”, conta a adolescente.

A estudante deixa uma dica para quem quer encontrar aquilo que gosta. De acordo com ela, é preciso se questionar: “o que você acha lindo e faz seu olho brilhar? O que você faz bastante?”

Contudo, a personalidade inquieta e plural de Isabelly é fruto de uma relação de liberdade. Natach reforça que apoiar a filha nessas atividades, exibindo interesse natural, é uma oportunidade de elas se conectarem e nutrirem a autoconfiança. “O mais importante foi criar um ambiente que ela se sentisse segura para explorar, errar e se divertir”, afirma.

Nessa dança de explorar o mundo, os pais podem se perguntar como dosar a liberdade de mudar de hobby e construir resiliência. Gabriela dos Santos explica que um hobby pressupõe não obrigatoriedade e por isso é importante entender que essa energia vai mudar conforme o desenvolvimento da criança. No entanto, alerta: resiliência não é sinônimo de sofrimento.

“É importante não só a performance, os resultados, mas também ter prazer nas coisas, ter leveza, ter qualidade de vida.”

Então, ouvir a criança e perceber seu comportamento é o melhor caminho para entender se a desistência parte de desinteresse ou ela não vê mais aquela atividade como hobby. A partir disso, o papel dos pais é orientar sobre persistência, se necessário.

Um passatempo é um momento de diversão

“O hobby é uma atividade de prazer, uma atividade que você gosta, que é legal, divertida e leve para você”, explica a psicóloga. Dessa forma, ocupa um lugar na vida das crianças onde a expressão criativa é livre, sem a pressão por resultados.

Além disso, isso impulsiona o autoconhecimento e preenche lacunas de autoconfiança. “Quando termino e vejo o que criei, dá um orgulho, sabe”, compartilha Isabelly sobre a satisfação de concluir uma peça.

Ainda não é possível dizer se ela seguirá qualquer um de seus hobbies como profissão. Para a mãe, por enquanto, o mais importante é garantir que a filha se divirta, sem pressão com carreira ou compromissos financeiros.

“Muitas vezes, como adultos, esquecemos como é se divertir pelo simples prazer de criar, sem se preocupar com o resultado”, diz Natach. Influenciada pela filha, ela também pôde, enfim, despertar o olhar para o mundo com mais curiosidade e imaginação. Prova de que as crianças são quem mais mais inspira os adultos a olharem para aquilo que “faz o olho brilhar”.

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