‘Com a vovó é mais legal’: o que os avós fazem diferente agora? 

Fatores sociais e econômicos de cada família levam avós a fazerem pelos netos o que não fizeram pelos filhos

Célia Fernanda Lima Publicado em 19.07.2024
imagem de capa para matéria sobre avós e netos mostra uma mulher branca, idosa, de cabelos brancos, segurando no colo uma menina branca, d ecabelos cacheados e sorridente
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Resumo

A partir de histórias de leitores e a explicação de uma socióloga sobre o perfil dos novos avós, Lunetas investiga por que é mais comum eles dedicarem mais tempo aos cuidados dos netos, fazendo por eles o que não faziam para seus filhos quando eram somente pais.

“Quando eu engravidei, meu pai correu para se aposentar. O motivo? Ele queria que a neta nunca precisasse ir para a creche ou ter babá. Ele e minha mãe fizeram questão de cuidar dela e do meu sobrinho”, comentou a leitora de Lunetas Sthefany Soares, em uma interação sobre avós e netos, proposta aos nossos seguidores no Instagram: “o que seus pais já fizeram pelos netos e não fizeram por você?”. “O que eles fazem pelas crianças agora e que não puderam fazer por mim e pelo meu irmão é ter tempo. Não porque não quiseram, mas porque não podiam.”

A partir das respostas, é possível perceber como os pais mudam quando se tornam avós e como justamente os filhos, que agora são os pais, notam a diferença. É o caso de Keila Fraga, que contou a história de um Natal. “Minha filha pediu uma boneca que eu não tinha dinheiro para comprar nem fazia questão desse investimento. Mas adivinhem quem apareceu com uma? Minha mãe, que sempre economizou cada centavo e não gastava com bobeiras.”

Se os avós têm mais tempo e se dedicam a tarefas como cozinhar para as crianças, como o pai de Mariana Kraiser que agora faz “sopas, carnes, batata frita e ainda pica chocolate em pedacinhos e coloca no iogurte”, tem também aquela história clássica de avós que mimam os netos. “Eles deram chocolate no café da manhã! Comigo e meu irmão o chocolate era só se comesse salada de almoço”, contou Iara Niero.

“Nunca na minha infância ou adolescência comi uma comida feita por ele. Acho maravilhoso!”, escreveu Mariana Kraiser

As mudanças de uma mãe quando se torna avó 

“Eu achava afetação esse amor por netos e questionava como poderia ser maior e melhor que amar os filhos”, diz a professora carioca Iara Amaral. “Mas, quando peguei minha neta Marina no colo, entendi que netos são ‘filhos com açúcar’, como minha mãe dizia”.

Avó de três, Iara admite que, mesmo sendo pedagoga, costumava ser mais rígida. “Hoje, sou mais paciente com birras, dengos e manhas, porque entendo que é uma forma das crianças argumentarem.” Além disso, ela passou a repensar várias questões sobre como aproveitar mais o tempo com a família. “A experiência e a sensação de que o tempo passa rápido demais me fizeram entender que as melhores lembranças não serão da casa limpa e perfeitamente organizada, mas dos momentos juntos. Isso me faz deixar tudo para ir buscá-los na escola quando tenho folga, parar na pracinha com eles ou lanchar demoradamente numa padaria, por exemplo.”

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Arquivo pessoal

A professora carioca Iara Amaral, 56, admite que os netos, Marina, 5, Betina, 3, e Bento, 18 meses, a tornaram mais paciente e a fizeram repensar o tempo de qualidade com a família.

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Arquivo pessoal

Em Manaus, a doula Juliana Nascimento percebe como a mãe, Ana Maria, e o pai, Arthur, têm mais tempo disponível para se dedicarem aos cuidados com os cinco netos do que na época que cuidavam dos filhos.

Já a manauara Juliana Nascimento, mãe de cinco, destaca como os pais mudaram quando viraram avós. “Percebo que hoje eles têm mais tempo. Eles fazem tudo elevado à quinta potência atômica pelos netos, em comparação ao que fizeram por mim”, diz. “Tenho consciência de que a responsabilidade da criação dos filhos é minha, mas eles são minha rede de apoio principal. Aprendo com eles a demonstrar amor com a presença e tempo de qualidade mais do que dar presentes.” Para Ana Maria, mãe de Juliana, com a chegada dos netos, “o amor pela família só aumentou”.

Uma boa relação com os avós faz bem à saúde  

Avós que cuidam de netos têm 37% menos risco de morte do que pessoas na mesma faixa etária que não cuidam de crianças, mostrou um estudo alemão da Berlin Aging Study, que investiga mudanças no funcionamento psicológico a partir dos 70 anos.  Isso porque a conexão emocional entre os idosos e as crianças previne sintomas de depressão e outros transtornos mentais. Além disso, o estudo afirma que, nesse processo, as crianças também desenvolvem melhor suas habilidades socioemocionais e a autoestima, pois “acreditam ser alguém com qualidades para serem amadas”.

Do mesmo modo, uma pesquisa norte-americana da Universidade de Emory constatou o aumento nas atividades cerebrais associadas à “empatia emocional” cada vez que avós veem seus netos. A partir de exames de ressonância magnética funcional, foi possível observar que as avós podem ter os mesmos sentimentos que os netos quando interagem com eles.

Avós de hoje são diferentes dos avós de antigamente? 

Os perfis dos avós dependem de fatores sociais e econômicos de cada família, diz a cientista social e demógrafa da Unicamp, Joice Melo Vieira. Assim, o trabalho dos avós e avôs vão determinar se podem dar mais atenção aos netos ou vão se sentir sobrecarregados com a responsabilidade de cuidar mais uma vez de crianças pequenas. 

Segundo ela, há aqueles avós relativamente jovens, que estão trabalhando e seguem ativos; e avós aposentados, em uma condição mais definida e com a rotina em que os netos fazem mais parte”. Por outro lado, para os avós que ainda não se aposentaram ou que se enquadram na geração sanduíche, isto é, que ficam responsáveis pelo cuidado não só dos netos, mas dos pais idosos, a carga pode ser ainda mais intensa, afirma.

Ao recordar dos avós, Iara Amaral conta que o tempo juntos era amoroso e de aprendizado. “Minha avó me ensinou bordado, crochê e fazia os melhores bolos e doces. Já meu avô tinha mãos enormes e quentinhas que nos abraçava e nos assistia brincar”. Assim, ela observa a mudança no comportamento dos avós atuais em relação aos tempos de sua infância. “Vejo que muitos pais, hoje, transferem responsabilidades para os avós. Então, o vínculo se torna mais de cuidado. Posso dizer que faço tudo por amor e o que puder minimizar as tarefas de meu filho e minha nora com meus três netinho, eu faço.” 

Para a leitora Adriana Horta, que é filha e avó, um dos motivos da diferença é que “os pais estão melhor financeiramente quando são avós, e têm mais tempo. Daí fica mais fácil dar esse tipo de mimo para os netos”, comentou no Instagram. “Quando meus filhos eram crianças eu ainda estava ascendendo profissionalmente e a preocupação era morar, comer, vestir e cuidar da saúde deles.”

Em resumo, a socióloga Joice Melo Vieira destaca três grupos principais de novos avós: 

1- Avós esteio da família: Oferecem amparo financeiro ou emocional para cuidar dos netos durante a primeira infância. Por vezes criam os netos, o que demanda tempo e atenção integral. Estão mais próximos da imagem dos avós do passado.

2- Avós sociais: Grupo que teve mais oportunidade de ascensão social e criaram famílias com visões mais atuais dos papéis de gênero. São aqueles que focam na autorrealização, mantêm uma rotina saudável de alimentação, exercícios físicos, viagens e convivência da família, mas sem assumir responsabilidades permanentes com os netos. 

3- Avós solitários: Moram sozinhos, têm pouco contato social com filhos e netos, geralmente por viverem em outras cidades. Não necessariamente são mais ricos ou pobres, com mais idade ou menos. Porém, são os que mais necessitam de atenção do Governo.

Outro ponto são as famílias cada vez menores, como mostrou o último censo do IBGE. Assim, avós com menos netos podem “estar ainda mais ligados a eles”. Ou “a experiência de se tornar avó e avô poderá ser menos universal, porque mais pessoas decidem nem ter filhos”, observa Joice. Nesse cenário, “com famílias cada vez menores ou sem filhos, é preciso fomentar a solidariedade no círculo comunitário, estimular a convivência inter e intrageracional, popularizar noções básicas de autocuidado e saúde mental.”

Para atenuar a sobrecarga dessa configuração familiar, ela ressalta a necessidade de mais creches. Do mesmo modo, a importância de ações voltadas para o cuidado de idoso, como popularizar os chamados “day care”. “O Brasil é um país muito familista e as pessoas pensam que há questões que as famílias devem resolver sozinhas. Isso é um equívoco e atrasa a tomada de consciência coletiva sobre problemas que atingirão a todos, seja a curto ou médio prazo”, afirma. “Esse planejamento não pode ser individual, pois é preciso pensar nas situações de solidão, de sobrecarga, de responsabilidades financeiras e emocionais.”

“Se vamos trabalhar mais no futuro e conviver menos com os netos é uma afirmação incerta. O importante é ter planejamento, já que formar famílias com filhos e netos e mantê-las exige estabilidade”, diz Joice Melo Vieira. 

Por isso, cuidar do presente focando na saúde e no tempo com a família é uma das prioridades para muitos avós, como Iara. “Não sou cobrada para nada e faço tudo por amor pelos meus netos. São eles que me preenchem nos dias de hoje”.

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