A participação de mulheres, pessoas negras e indígenas evidencia como a história vai além do grito do imperador por “independência ou morte”
Para falar sobre a independência do Brasil com as crianças, o Lunetas traz oito projetos que abordam a temática e mostra como vários conflitos entre 1808 e 1831 marcaram o processo para além do grito de Dom Pedro I.
Às margens do Ipiranga, o grito do imperador Dom Pedro I foi eternizado em “Independência ou morte” (1888), pintura de Pedro Américo. Contudo, considerar outras perspectivas para falar sobre o dia da independência do Brasil pode ajudar as crianças “a encararem a história como um processo e identificarem a si mesmas como sujeitos históricos”, afirma Luís Otávio Vieira, historiador e mestre em história social.
“O estudo do passado envolve a noção de possibilidades. Portanto, não está restrito apenas ao modo como foi. O Brasil, desde seu início, é multifacetado”, diz ele sobre “outras independências” que aconteceram antes, durante e depois de 1822, com a participação ativa de pessoas negras, indígenas e mulheres.
“Normalmente as pessoas associam a independência ao 7 de setembro de 1822. Mas, na realidade, foi um processo que começou em 1808 e terminou em 1831”, conta Vieira. Bahia, Maranhão e Pará, por exemplo, se tornaram independentes apenas em 1823. Como explica a historiadora Lorena Gnaccarini, o período termina com a renúncia de Dom Pedro I, em 1831, após a pressão popular na “Noite das garrafadas”. Neste episódio, brasileiros que se opunham ao governo enfrentaram os portugueses favoráveis ao império.
Segundo Vieira, há uma falsa ideia de que a independência no Brasil ocorreu sem conflitos. Contudo, ele cita alguns eventos que foram determinantes para esse processo. Na Revolução Pernambucana de 1817, a elite local lutou contra a corte portuguesa por mais liberdade e menos impostos, embora defendessem a manutenção da escravidão. Inspirado pela Revolução do Haiti, o militar Pedro da Silva Pedroso, conhecido como o “pardo do Recife”, tentou implantar um governo negro no estado.
“Liberalismo não significava abolicionismo. Os direitos eram para os cidadãos; escravizados eram considerados propriedades”, diz Gnaccarini
Também houve embates na Batalha do Jenipapo, em 1823, quando trabalhadores civis do campo, homens escravizados e indígenas lutaram contra portugueses armados no Piauí. Na Bahia, uma série de conflitos ocorreram entre 1822 e 1823. Já na Confederação do Equador de 1824, em Pernambuco, a população desejava um regime republicano que se contrapusesse ao autoritarismo de Dom Pedro I e à escravidão.
“As elites locais precisavam do imperador porque ele garantia a ordem social, portanto, a sociedade escravista”, destaca Gnaccarini. Mas, “o Brasil tinha a maior população negra livre da América (27%), enquanto nos EUA eram 5%. Era muita gente reivindicando por direitos.”
Para conhecer mais sobre as “outras independências” do Brasil, o Lunetas selecionou oito projetos que evidenciam a importância da pressão popular de pessoas negras, indígenas e mulheres.
Coordenado pela historiadora Claudia Hlebetz, o projeto “caixas da história” traz, em seu primeiro volume, livros digitais sobre a “Independência do Brasil”. Tem informações, poesias e desenhos para imprimir, recortar e brincar. Além disso, há um minidocumentário, um videolivro no YouTube, episódios de podcast e narrativas sobre o impacto da independência em populações negras e indígenas, com a sugestão de sites para saber mais. Atualizado de forma contínua, a intenção é de que as discussões sobre história do Brasil se estendam para cursos e rodas de conversa.
O programa de atividades visa expandir o conhecimento da história e da cultura nacional, bem como levantar propostas que possam impactar a vida das comunidades. Nas primeiras etapas, os alunos produzem histórias em quadrinhos dentro do recorte temático proposto e realizam uma imersão em diferentes linguagens artísticas. Depois, partem para vivências em territórios quilombolas e indígenas, e podem inclusive participar de um intercâmbio em Portugal.
A iniciativa produz e realiza curadoria de conteúdos sobre os 200 anos da Independência do Brasil e seus desdobramentos. Os conteúdos passam por distintos campos do conhecimento científico, pela arte, pela cultura e pelo mundo do trabalho. Entre as quatro trilhas disponíveis, “Independências” convida a revisitar “os esforços do passado que tentaram silenciar outros projetos de nação e compreender as diversas demandas populares e os seus sentidos de liberdade e independência na construção do Estado brasileiro”.
Com curadoria da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o portal reúne uma série de documentos (fotografias, periódicos, panfletos, poesias e quadrinhos) que contam sobre os processos de independência no estado. Como explica Jocélio Teles dos Santos, responsável pelo departamento de antropologia da UFBA, a independência baiana deve ser analisada de maneira interdisciplinar. Isso porque há disputa política e ideológica sobre suas narrativas desde a segunda metade do século XIX.
Em quatro capítulos, a websérie “Outros gritos da independência” aborda a participação da população negra, indígena, de mulheres e trabalhadores durante os processos de independência. “A imagem que simboliza a Independência e que nos foi passada é a figura de Dom Pedro I e de homens brancos fardados empunhando espadas. Mas o processo envolveu outros importantes grupos sociais que tiveram participação decisiva em combates e revoltas”, explica a cartilha que acompanha os vídeos, com informações e sugestões de atividades para realizar em sala de aula.
Produzido pelas Universidades Federal e Federal Rural de Pernambuco (UFPE e UFRPE), o podcast “No Recreio!” traz historiadores e historiadoras que respondem a questões enviadas por docentes e turmas da educação básica na intenção de contribuir com o debate público. Os 11 episódios da primeira temporada abordam temas como a participação de populações indígenas e afrodescendentes nas lutas por independência, as repercussões do período no continente africano e como se deram os embates na Bahia, Pernambuco e Piauí.
Produzidas pela Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com o Laboratório de Ensino e Material Didático (Lemad), do Departamento de História da USP, as cartilhas “Representações da independência no Brasil”, “Independência(s) em disputa no Brasil” e “As mulheres e a independência do Brasil” incorporam documentos históricos, textos de orientação direcionados a professores e sugestões de questões para trabalhar com os alunos. Entre os materiais, estudantes podem acessar jornais que falaram da independência em períodos como a ditadura militar, por exemplo.
As cinco trilhas formativas da Nova Escola abordam a participação de indígenas e negros no final do período colonial e como essas populações seguiram lutando pela sobrevivência, ainda que o país não fosse mais uma colônia. Os materiais trabalham habilidades alinhadas à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e ajudam os estudantes a identificarem preconceitos, estereótipos e violências contra estas populações no Brasil e nas Américas.
O professor Vieira comenta a participação de algumas figuras femininas na luta: