Psicanalista comenta a relação entre cultura consumista e depressão, orienta os pais sobre como devem agir e alerta sobre os riscos da publicidade infantil
Ao comentar a relação entre cultura consumista e depressão, a psicanalista Vera Iaconelli orienta os pais sobre como devem agir e alerta sobre os riscos da publicidade infantil.
A cultura que estimula o consumo exagerado tem afetado crianças e adolescentes, inclusive com casos de depressão, pois nos faz querer sempre mais. Para orientar pais e mães, a psicanalista Vera Iaconelli comenta o valor que damos às coisas e as consequências de sermos estimulados o tempo todo ao consumo.
Um dos efeitos da publicidade é justamente fazer crer que a próxima compra seria capaz de nos satisfazer. Como a satisfação nunca se completa – sempre vamos desejar algo novo -, a promessa se mantém para o próximo objeto. “E assim, sucessivamente, seguimos no autoengano de que o consumo aplacará nossa falta”, reflete Vera, em entrevista ao programa Criança e Consumo, do Instituto Alana.
“Quando a criança mal deseja e já ganha o objeto desejado, ela não consegue completar o processo de formular o desejo, esperar, efetivamente conquistar e brincar até estragar, para então almejar outro objeto e fazer o luto do que estragou ou se perdeu. A criança que não espera que seus desejos se formulem corre o risco de demandar furiosamente objetos para descartá-los logo em seguida.”
“Muitas vezes, os pais pensam que a criança não pode se frustrar. Então, eles tentam fazer o melhor para a criança, pensando que devem preencher sem parar e não se dão conta de que é preciso deixá-la esperar. Mesmo o recém-nascido, que precisa de um cuidado ostensivo, pode esperar um tanto para mamar.”
O processo de formulação dos desejos, segundo Vera, também ajuda a criança a ir descobrindo quem ela é. “Por exemplo, uma criança que prefere uma bola a uma boneca, ou roupas a um brinquedo. Isso fala um pouco dela.”
Por outro lado, os objetos adquiridos podem ser confundidos com a própria identidade do sujeito, além de agregarem valor social. “Você usa uma caneta para escrever, mas essa caneta precisa ter estampada uma marca reconhecida”, exemplifica a psicanalista. “Este algo a mais, desnecessário do ponto de vista prático, ajuda a construir a ideia de que o que eu tenho diz quem eu sou.”
Contra a publicidade e a lógica capitalista, Vera sugere “fazer campanhas e mobilizar para que exista uma pressão social ou uma vontade política de enfrentá-los. A tendência é que as empresas, não em nome do bom mocismo, mas de interesses econômicos, se adaptem”, diz. “Cidadãos podem rejeitar certas formas de vender e empresas dispostas a mudar de postura podem ter um apelo para fidelizar o consumidor. Por exemplo, a questão ecológica mudou várias empresas que continuam ávidas por lucro. A sustentabilidade acabou sendo o diferencial para alguns consumidores, e as empresas se ajustaram às expectativas.”
“A criança absorve o mundo como uma esponja. Ela percebe o valor dos objetos nas relações sociais, mas o faz sem capacidade crítica. Quando ela vê uma publicidade de um brinquedo que voa, é incapaz de entender que não é bem assim. Portanto, a publicidade abusa da credulidade infantil e seduz sem escrúpulos. São os pais que devem fazer a escolha do que oferecer aos filhos em qualquer âmbito: comida, roupa, brinquedos. Dentro dessa seleção prévia, desse filtro parental, a criança terá uma margem de escolha”, aconselha a psicanalista.
* A entrevista completa está disponível no site do Criança e Consumo.
Iniciativa do Instituto Alana criada para debater a publicidade infantil e apontar caminhos para minimizar e prevenir o consumismo na infância.
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No livro “O tempo e o cão”, Maria Rita Kehl trabalha a questão do tempo e da depressão. Para falar de alguns quadros depressivos crônicos, Kehl mostra pais onipresentes, ansiosos demais, que não aguentam ver a criança chorar sob nenhuma circunstância e não sustentam seu tempo de falta ou vazio. Assim, o desejo não se formula e a ausência de desejo é a depressão. “É preciso ajudar a criança a lidar com a falta, sem a pretensão de eliminá-la, pois ela sempre vai existir”, pontua Vera.