Uma em cada cinco crianças sofre de algum transtorno alimentar

Especialistas recomendam atenção aos sinais na relação com a alimentação e comentam como redes sociais afetam a autoimagem desde a infância

Célia Fernanda Lima Publicado em 15.03.2023
Foto em preto e branco de uma menina de franja cobrindo o rosto com o braço diante de um prato de comida. A matéria fala sobre transtorno alimentar na infância
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Resumo

Crianças e adolescentes sofrem cada vez mais com transtornos alimentares, como anorexia, bulimia e compulsão alimentar. Pressão estética e ansiedade podem influenciar.

Compulsão alimentar, bulimia e anorexia. Viver um transtorno alimentar seguido do outro trouxe “tristeza e confusão” para a vida da nutricionista Letícia Rios. “Eu era uma criança introspectiva e muito ansiosa que sofria piadinhas nas escolas, o que me fazia muito mal. Desde pequena, eu já tinha essa percepção de corpo, também porque minha mãe se preocupava excessivamente com o peso. Desenvolvi obesidade dos cinco aos 16 anos”, recorda. Aos poucos, Rios começou a pesquisar sobre alimentação e intensificar os exercícios físicos. “Emagreci 30 quilos em seis meses, saindo da obesidade direto para a anorexia”, conta.

A pressão estética que crianças sofrem desde muito cedo pode influenciar no desenvolvimento de problemas relacionados à alimentação. Os casos são mais comuns do que se pode imaginar: 1 em cada cinco sofre de algum distúrbio alimentar; sendo 30% meninas contra 16% de meninos. Os números aumentam de acordo com a idade e com o índice de massa corporal (IMC), que determina se alguém está ou não dentro do peso ideal de acordo com sua altura.

Uma pesquisa divulgada pela Associação Médica Norte-Americana analisou mais de 30 estudos de 16 países. A análise revelou que 22% do total de crianças e adolescentes, de 6 a 18 anos, apresentaram algum tipo de transtorno alimentar, que são condições comportamentais que alteram os hábitos alimentares. Geralmente, essas alterações estão associadas a conflitos emocionais, que podem ser influenciados por questões genéticas e ambientais.

As crianças dão sinais, procure ajuda  

No estudo, especialistas explicam que o primeiro passo é identificar se a criança tem algum tipo de desordem alimentar (alterações pontuais nos hábitos alimentares) para então encaminhá-la a um diagnóstico de distúrbio mais grave. Por sentirem vergonha ou estigmatização, muitas crianças e adolescentes não falam sobre o assunto, ocultando os principais sintomas, alerta a pesquisa. Por isso, os números podem ser subdiagnosticados.

O acompanhamento familiar e uma equipe multidisciplinar, composta por médicos, psicólogos e nutricionistas, são essenciais para o tratamento de crianças e adolescentes que sofrem com algum tipo de transtorno alimentar, porque impactam a saúde física, mental e a vida social diretamente. A atenção aos sinais deve ser contínua. Entenda mais sobre cada condição:

Anorexia:

  • perda exagerada e rápida de peso
  • recusa a participar dos momentos das refeições com a família
  • prefere levar a comida para o quarto e não come
  • se interessa exageradamente pelo valor calórico dos alimentos
  • tenta fazer atividade física intensa

Bulimia:

  • costuma usar o banheiro logo após as refeições
  • procura por laxantes e diuréticos
  • pula refeições com frequência
  • usa roupas folgadas para se esconder
  • ingere porções muito pequenas de comida

De olho na educação alimentar e na saúde mental das crianças

“A infância e a adolescência são fases de muita imaturidade, por isso, reforço a importância dos pais ficarem ao lado e buscarem ajuda. Hoje, ainda tenho tenho preocupação com a alimentação e o corpo, mas como de tudo e faço terapia. Trabalho com nutrição para ajudar as pessoas a encontrarem equilíbrio e saúde na alimentação”, enfatiza Rios.

Camila Junqueira, psicanalista e coordenadora do curso sobre Problemáticas Alimentares, no Instituto Sedes Sapientiae, reforça a necessidade de ficar atento ao comportamento alimentar da criança. “Os pais devem notar se o filho está muito ansioso e se, por exemplo, a vontade de comer é emocional. Ou seja, não está ligada à fome do corpo mas a uma necessidade de conforto. Como se a comida fosse um remédio calmante. Daí já é uma relação transtornada com a alimentação. Então, a indicação é procurar um psicólogo e não somente um nutricionista”.

Junqueira explica que desde cedo a criança precisa ter uma boa relação com a comida no dia a dia, com respeito às preferências de cada um, pois a inflexibilidade em impor algum cardápio ou padrão pode ser prejudicial. “A partir dos dois anos de idade as crianças começam a exercitar o ‘não’, inclusive para a comida. Os pais não precisam forçar ou obrigar as crianças a rasparem o prato, pois ela vai perder o contato com a saciedade, podendo comer mais do que gostaria”, diz.

Por outro lado, dietas sem acompanhamento não podem ser opção. Isso porque as crianças têm as fases de crescimento particular, os chamados estirões, e precisam consumir porções diferentes ao longo dos anos. “Com a mudança corporal, é comum que elas tenham fases que demandam mais alimentação. Aos olhos dos pais elas podem estar gordinhas, mas tem o momento que crescem e os padrões corporais mudam”, explica a psicanalista.

Como as redes sociais potencializam a situação?

Com o aumento do uso das redes sociais e as relações virtuais entre os jovens durante o período crítico da pandemia de covid-19, cresceu em 15% os índices de transtornos alimentares em adultos e adolescentes. “A gente sente no consultório e na vida social dos adolescentes esse aumento. Na infância está mais ligado à comida. Já na adolescência, reflete sobre o corpo”, explica Junqueira. Segundo ela, o impacto negativo dessas mídias na autoestima e autoimagem é um indicativo, principalmente para as meninas, porque muitos influenciadores pregam magreza e jejum intermitente nestes ambientes digitais. “Os pais precisam questionar os filhos sobre a aderência a esses padrões e monitorar o uso das redes, que pode ser um ambiente tóxico”, alerta.

Foi também o caso da atriz Jennette McCurdy, do seriado jovem “iCarly”, que, aos 11 anos, desenvolveu transtornos alimentares após seguir dietas restritivas. Ela ouvia da mãe que precisava estar magra para conseguir papéis em Hollywood. “Eu fazia exercícios obsessivamente, media a minha cintura toda noite antes de dormir”, declara em um trecho de seu livro.

As problemáticas do uso sem controle dessas redes em relação à mudança na alimentação das crianças foram tema de uma pesquisa da Universidade de Toronto e da Califórnia, que acompanhou por um ano mais de 11 mil crianças de 9 e 10 anos. O estudo revelou que a cada hora de tempo gasto em telas, há o aumento de 62% em desenvolver compulsão alimentar periódica – quando há episódios recorrentes de alto consumo de alimento sem controle – e que pode levar a transtornos mais graves.

Depois de uma campanha da Academia de Distúrbios Alimentares dos Estados Unidos cobrar mais responsabilidade das plataformas sociais, o Tik Tok, por exemplo, passou a trazer informações sobre o assunto. “Se você ou alguém que você conhece estiver passando por problemas com a imagem corporal, alimentação ou exercício, é importante saber que a ajuda existe e que você não está sozinho”, diz o texto do aplicativo. Por fim, o usuário é orientado a procurar ajuda de acordo com o seu país. Aos brasileiros, a busca direciona para o Grupo de Apoio dos Distúrbios Alimentares da Associação Brasileira de Transtornos Alimentares.

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