“Um ambiente protegido e seguro, onde a criança pode explorar suas emoções, resolver conflitos internos e trabalhar traumas ou dificuldades de forma lúdica e espontânea.” Assim a psicóloga infantil e psicanalista, Juliana Borges, define terapia para os mais novos. “É uma intervenção específica para situações em que a criança apresenta dificuldades emocionais, comportamentais ou de desenvolvimento que interferem em seu bem-estar e funcionamento diário, esclarece.
“Embora todas as crianças enfrentem desafios e períodos de adaptação ao longo do seu desenvolvimento, muitas conseguem passar por esses momentos com recursos próprios ou com o apoio dos pais, cuidadores e professores.” Muitas vezes, segundo Borges, são os cuidadores os que mais precisam desse serviço.
“Nem todas as crianças precisam de terapia, mas toda criança que faz terapia pode se beneficiar em seu desenvolvimento”
Lilian Christine Lopes conta que a filha Sol, 12, teve dificuldade de aceitar o diagnóstico de uma diabetes tipo 1, há quatro anos. Por isso, a endocrinologista e a pediatra sugeriram terapia para a menina, mas Lilian também acabou sendo impactada. “Achei muito importante até mesmo por não saber, às vezes, o que falar para ela”, confessa a mãe.
Participação das famílias na terapia infantil
Tudo começa com uma entrevista com os responsáveis para entender o contexto familiar e obter informações sobre o histórico da criança e a queixa principal, explica Juliana Borges. Ao longo dos atendimentos, sessões periódicas com a família servem para verificar o comportamento da criança fora da terapia, bem como receber orientações de como apoiar seu desenvolvimento emocional.
“Quando necessário, realizamos sessões que envolvem pais e filhos juntos para trabalhar dinâmicas familiares e fortalecer vínculos”, diz. Para além da família, é importante ter a escola como aliada. Por isso, quando necessário, professores também acompanham a criança. Ou seja, os principais cuidadores participam de todo o processo.
Como é a terapia para crianças?
“No caso dos adultos, a psicoterapia é pautada no diálogo e troca entre psicólogo e paciente”, afirma a psicóloga infantil e arteterapeuta, Fernanda Dantas. Já no caso das crianças, sobretudo em função das diferenças no desenvolvimento cognitivo, emocional e comunicacional, a brincadeira é um recurso essencial. Portanto, o ambiente ideal para a terapia infantil é acolhedor e estimulante, com brinquedos, livros, materiais de arte e jogos.
“O brincar é uma das principais ferramentas terapêuticas, permitindo que as crianças expressem sentimentos, medos e desejos de maneira simbólica”, afirma Juliana Borges.
Como a capacidade de atenção também é menor, cada sessão requer menos tempo de duração – entre 30 e 45 minutos. Nos encontros, a criança pode guiar a atividade de acordo com seus interesses e suas necessidades emocionais do momento.
Não há uma idade específica para começar a terapia. “Isso depende muito das necessidades individuais e do contexto familiar”, detalha Borges. A especialista esclarece que, no caso de crianças muito pequenas, há o envolvimento dos pais ou cuidadores principais, com foco no fortalecimento do vínculo e no suporte ao desenvolvimento emocional infantil. A partir de dois ou três anos, os pequenos desenvolvem habilidades básicas de comunicação e podem se beneficiar de intervenções terapêuticas diretas, principalmente brincadeiras e atividades lúdicas.
Em idade escolar, já é possível recorrer a formas mais ativas de participação na terapia, utilizando tanto a fala quanto o brincar para explorar sentimentos e pensamentos. Ainda segundo Borges, embora o espaço criativo possa continuar sendo um recurso, adolescentes podem se engajar mais na terapia de forma verbal e introspectiva.
Quando a criança precisa de terapia?
- Mudanças comportamentais, como aumento repentino de atos agressivos, explosões de raiva, irritabilidade ou retraimento social;
- Comportamento regressivo, como voltar a fazer xixi na cama ou chupar o dedo;
- Mudanças de humor, como sentimentos persistentes de tristeza ou apatia que duram várias semanas, ansiedade excessiva, com preocupações ou medos exagerados e ataques de pânico;
- Declínio no desempenho escolar, desinteresse, dificuldade de concentração, falta de motivação;
- Sintomas físicos, como mudanças no apetite, perda ou ganho significativo de peso, dificuldade para dormir, pesadelos frequentes ou acordar muitas vezes durante a noite;
- Atitudes comportamentais, como participação em atividades perigosas, comportamento impulsivo ou autodestrutivo, como mentir ou roubar, aumento de atos desonestos ou ilegais;
- Aumento dos conflitos com irmãos, colegas ou outros membros da família, dificuldade para fazer amigos ou manter relacionamentos;
- Sintomas psicossomáticos, como queixas físicas sem motivo aparente, dores de cabeça e estômago, sinais de abuso ou negligência, como medo irracional ou exagerado de certas pessoas ou lugares e comportamentos sexuais inapropriados para a idade da criança;
- Expressão de ideias suicidas, com comentários sobre querer morrer, sentimentos de desesperança ou referências à autoagressão são sinais críticos.
Caso esses sinais sejam observados de forma persistente, é importante procurar ajuda de um profissional de saúde mental especializado. “Intervenções precoces podem ser cruciais para o desenvolvimento saudável da criança e para a resolução de problemas antes que se tornem mais graves”, defende Borges.
Tudo que é dito nas sessões é sigiloso? Em quais situações o psicólogo pode acionar os pais para contar algo sobre o que a criança compartilhou?
Durante a terapia infantil, seja individual ou em sessões familiares, a confidencialidade é importante para criar um ambiente seguro e confiável onde a criança se sinta à vontade para expressar seus sentimentos e pensamentos. “Durante o acompanhamento psicológico, quando necessário, o psicólogo conversa com a criança sobre o que será compartilhado com os pais e o porquê, respeitando a capacidade dela de compreender e consentir, conforme a idade e maturidade”, descreve Dantas. O sigilo, portanto, só deve ser quebrado quando há riscos para a criança, em situações de abuso (de todas as naturezas), risco de autolesão ou suicídio, violências e negligência, por exemplo.
Terapia fortalece a parentalidade
Não são apenas as crianças que se beneficiam do processo terapêutico. Segundo os especialistas, o acompanhamento psicológico pode auxiliar no desenvolvimento de habilidades parentais, ensinando aos responsáveis métodos de disciplina que são firmes, mas não punitivos, e que promovam cooperação e respeito. Ao receberem informações sobre o desenvolvimento infantil, os cuidadores aprendem sobre o que esperar de cada fase, e como identificar sinais de dificuldades emocionais.
“A psicoterapia também ajuda a família a lidar com grandes transições, como mudanças de casa, divórcio ou chegada de um novo membro”, diz Borges.
Além disso, com a terapia, os cuidadores aprendem a gerenciar o estresse e a ansiedade relacionados à parentalidade, encontrando um espaço seguro para explorar e processar as próprias emoções e os desafios pessoais.
Ou seja, ao equipar as famílias com as ferramentas e conhecimentos necessários, a terapia promove um ambiente familiar mais harmonioso e saudável para todos os envolvidos. Ali, elas aprendem técnicas para se comunicar, resolver conflitos e fortalecem seus vínculos.
Lilian conta que, desde que a filha começou a fazer terapia, muitas mudanças aconteceram. “Hoje ela consegue lidar melhor com a raiva. Nosso convívio melhorou muito, a autoestima dela e aceitação também.” A mãe complementa que, assim como Sol, ela buscou ajuda para lidar melhor com a doença, mas também para as suas questões. “O apoio dos profissionais nos ajuda a lidar com conflitos e seguir em frente.”
Cynthia Ladvocat lembra ainda que o terapeuta tem a seu favor, além da técnica, um recurso poderoso: a resiliência da própria família. “Quando as condições externas são favoráveis e o contexto de intervenção é de confiança, as famílias têm possibilidade de negociar obstáculos previamente intransponíveis”, avalia.
“É preciso acreditar na eficácia da intervenção terapêutica e na competência das famílias”
Por fim, os especialistas confirmam a máxima de que “está tudo bem precisar de ajuda”. A tarefa de criar filhos é imensa. E, muitas vezes, vai ser necessário contar com um suporte adicional. “A presença, o acolhimento, a comunicação adequada e a atenção são maneiras de se aproximar dos filhos. Ainda assim, é importante que os pais e responsáveis se lembrem que nem sempre será possível resolver tudo sozinhos”, resume Borges.
Terapia familiar
“Sempre que uma criança apresenta um problema, um sintoma ou uma dificuldade, a sessão junto aos familiares é bastante importante para o diagnóstico”, explica Cynthia Ladvocat, psicóloga, psicanalista e terapeuta familiar da Associação Brasileira de Terapia Familiar. “O terapeuta deve entender como o problema da criança é visto por todos, incluindo-a na explicação de como se sente na família.”