Pandemia e infância: precisamos cuidar de quem cuida das crianças

Para garantir os direitos das crianças em tempos de pandemia, é necessário fortalecer políticas e ações que tragam segurança para seus cuidadores

Pedro Hartung Publicado em 25.03.2020
Foto de uma mãe e uma criança negras se abraçando com os olhos fechados. Artigo sobre a necessidade de cuidar de quem cuida.
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Resumo

É impossível cuidar das crianças com absoluta prioridade sem cuidarmos de quem cuida delas: pais, mães e responsáveis. Isso significa garantir que todas as famílias tenham o apoio social e estatal para que possam desempenhar seu papel com segurança e tranquilidade.

Escolas vazias. Praças e quadras inabitadas pelos risos e vozes infantis de costume. As ruas estão sem bola de futebol, bicicleta ou pequenos passos até a sorveteria mais próxima. Para onde foram as crianças? 

A pandemia do novo coronavírus nos apresenta, sem dúvidas, tempos desafiadores. Para ficarmos unidos, devemos nos manter separados. Para expressarmos nossa solidariedade social, necessitamos de distanciamento físico. Uma situação penosa também para as crianças, que agora passam todas as horas dos dias dentro de casa, na frente das telas, longe dos avós, dos amigos e da vida que antes conheciam.

Famílias, mães e pais são igualmente desafiados a encontrar formas e meios de preencher as intensas e extensas horas do dia com seus filhos, desdobrando-se entre as necessidades de trabalho e de renda, compras do supermercado e o acompanhamento das atividades escolares, de lazer ou de entretenimento com as crianças.

Já não era fácil antes. Agora, com o vírus em nossas portas, há um acúmulo de obstáculos e preocupações. Os mais atingidos são as famílias em situação de risco e vulnerabilidade, que vivem em lugares onde a água não chega todos os dias para lavarem as mãos; onde o álcool gel é item escasso e caro; onde ficar em casa ameaça a segurança financeira de pessoas desempregadas ou em relações de trabalho precarizadas.

Essa situação de incerteza financeira, insegurança alimentar e medo pela saúde também impacta diretamente as crianças e o cuidado com elas. Cuidar de crianças não é uma atividade teórica. Exige presença, disposição física e tranquilidade mental para responder constantemente proposições, perguntas, brincadeiras e a energia de explorar o mundo, ainda que seja em apenas um cômodo. Pode ser uma experiência única e encantadora, mas isso não significa que não exija trabalho ativo – externo e interno.

Assim, é impossível cuidar das crianças com absoluta prioridade, como determina a Constituição Federal, no Artigo 227, sem cuidarmos de quem cuida delas: pais, mães e responsáveis. Isso significa garantir que todas as famílias tenham o apoio social e estatal para que possam desempenhar seu papel de cuidadores com segurança e a maior tranquilidade possível, em especial nestes tempos turbulentos.

Ao contrário do que está sendo proposto até agora pelo Governo Federal e do que impõe a Emenda Constitucional 95 do teto dos gastos públicos, outros países e líderes conscientes de seu dever de cuidar dos adultos e crianças têm adotado medidas econômicas anticíclicas de fortalecimento de investimento social e apoio às famílias.

No Brasil, uma importante iniciativa nesse sentido foi a recente aprovação na Câmara e no Senado da renda básica emergencial, defendida por várias organizações e movimentos sociais, pela qual se possibilita uma complementação de renda de R$ 600 mensais por pessoa adulta sem emprego formal, e o dobro para mães solo, pelo período de três meses. A proposta depende ainda da sanção presidencial.

Outras ações importantes têm surgido em vários países: anistia de contas de águas, luz e gás, distribuição de cestas básicas e kits de higiene, fortalecimento de infraestrutura de conexão de internet com gratuidade para garantir acesso à informação e acompanhamento escolar remoto das crianças.

Contudo, precisamos sempre lembrar que, por mais paradoxal que pareça, nenhuma política é capaz de cuidar diretamente das crianças. São as pessoas – pais, mães, familiares e responsáveis – que cuidam delas. E são elas que precisam ser fortalecidas por políticas estatais estruturantes, que tragam segurança para o exercício da tão almejada e necessária parentalidade positiva.

A saída para a atual pandemia é, e sempre será, coletiva! É hora de cuidar com mais atenção uns dos outros – com distanciamento físico, mas não social e solidário – permitindo que quem cuida das crianças seja também cuidado por todos nós.

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