Abordagens pedagógicas: saiba como diferenciar e escolher

Waldorf, Montessori, Pikler, Reggio Emilia, Paulo Freire e Freinet: descubra se alguma dessas linhas se encaixa às necessidades da sua criança

Da redação Publicado em 10.02.2017 Atualizado em 14.09.2022
Bebê de frente, com os braços abertos aparece como se estivesse dando um abraço no ar. Ele usa uma camiseta listrada azul e branca. A matéria é sobre abordagens pedagógicas

Resumo

Antes de matricular seu filho em uma instituição, a orientação é conhecer de perto a linha pedagógica da escola, apresentar o perfil da criança e pensar no que se espera daquele espaço. Para isso, é importante conhecer e saber diferenciar abordagens e tendências.

Educação é uma das bases para o pleno desenvolvimento das crianças. Mas, na hora de matricular um filho na escola, muitas famílias passam por diversas dúvidas, principalmente em relação às tendências e abordagens pedagógicas que buscam para a criança ou adolescente.

Segundo a presidente do Conselho Nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia, Luciana Barros de Almeida, as linhas pedagógicas que se instalaram no Brasil aumentaram as possibilidades de enriquecimento do ensino. Com propostas modernas, muitas delas passaram a priorizar os talentos pessoais, as artes, o contato com a natureza e o lado emocional dos alunos.

Em educação, não há um único caminho para a aprendizagem, o melhor caminho é aquele que dá certo para cada um

Saber escolher a abordagem adequada à personalidade do filho é o primeiro passo que pais, mães e cuidadores devem tomar para uma vida escolar eficaz, já que o interesse, o rendimento e a saúde emocional do aluno podem depender da compatibilidade entre seu comportamento e a linha pedagógica em questão. 

De acordo com Luciana, o constante aumento na procura por abordagens pedagógicas se deve à necessidade de inovação, de experimentação e identificação do que não está dando certo. “É saudável que o novo apareça e que possamos experimentá-lo, pois assim avançamos e promovemos a mudança necessária para seguirmos aprendendo”, explica.

Diante disso, qual linha pedagógica é indicada para cada criança? Como diferenciá-las? O que é preciso levar em consideração? 

Tendências e abordagens pedagógicas

Muito se fala na emergência de pedagogias alternativas à escola tradicional. Essa discussão existe desde o século XVIII, sendo Rousseau um dos precursores da crítica a essa visão de educação focada no conteúdo e no desenvolvimento cognitivo, em que a criança é considerada uma “tábula rasa”. Em 1762, sua obra “Emílio” ou “Da educação” já apontava a importância de considerar a criança um ser naturalmente potente. 

Como explica a  assessoria-pedagógica do Instituto Alana, autores como Pestalozzi, Froebel, Dewey, Freinet, até mais recentes, como Paulo Freire, também foram decisivos para a história da educação e influenciaram outras formas de compreender o mundo, o ser humano e a escola. Nesse sentido, quando falamos em tendência pedagógica, estamos nos referindo a um movimento amplo, inspirado por diferentes referenciais teóricos e experiências. É o caso da Educação Tradicional, Experimental, Tecnicista, Progressiva, Democrática, Sócio-Crítica, entre outras. Abordagens ou linhas pedagógicas, por outro lado, se baseiam em um autor específico, como as que apontaremos a seguir.

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Reprodução/Facebook Colégio Waldorf Micaell

Não existem receitas prontas, cada família deve buscar o que se encaixa melhor com suas necessidades, contexto e expectativas

Confira abaixo um resumo de cada abordagem pedagógica:

Freinet

O pedagogo francês Celéstin Freinet (1896-1966) imaginou um projeto de escola popular, democrática e moderna. Contra imposições e passividades, ele acreditava em uma abordagem pedagógica que instigasse a motivação, em vez de competição, comparação e fracasso. Para Freinet, isso aconteceria menos por exposição de conteúdos e explicações maçantes e mais por meio da experiência viva, em que as crianças fossem inseridas dentro do contexto daquilo que aprendem, possuindo voz nesse processo. Afinal, apesar da diferença de idade, adultos e crianças possuem a mesma natureza e aprendem com trocas significativas.    

Nas escolas que utilizam essa abordagem, o foco está na formação cidadã e participativa, pautada na cooperação – para a construção do conhecimento comunitariamente -, comunicação, afetividade e na documentação do processo de aprendizagem. 

Freinet criticou o modelo tradicional de ensino e ajudou a fortalecer o movimento da Escola Moderna, incentivando os canais de livre expressão e criatividade, voltados à atmosfera laboriosa, isto é, da experiência e da educação ativa. Nela, os alunos buscam respostas para suas necessidades cotidianas, com ajuda dos colegas e com organização dos professores.   

Muitas das suas propostas são utilizadas por educadores que não conhecem a fundo a obra de Freinet, mas entendem que as atividades oferecem vida às escolas. Entre elas estão as aulas-passeio, fora das salas de aula e em contato com a natureza, para promover a exploração, ou a imprensa na escola, como forma de aproximar alunos e professores, em uma atividade concreta da vida cotidiana da sociedade: os jornais são desenvolvidos pelas crianças, em murais, escritos ou, atualmente, com ajuda de outros recursos audiovisuais.

Outros recursos são os registros diários, em que o grupo pode relatar a rotina escolar, montar um calendário, sugerir lideranças e organizar assembleias de discussões. Além da correspondência escolar, como incentivo para a troca de experiência entre diferentes instituições. 

Waldorf

A pedagogia Waldorf foi criada a partir das ideias do filósofo austríaco Rudolf Steiner (1861-1925), e tem esse nome, porque os primeiros alunos eram funcionários da fábrica alemã Waldorf Astoria. Seu foco central está na formação para a liberdade, a partir do desenvolvimento integral (físico, emocional, cognitivo e espiritual) e das múltiplas linguagens. Por isso, o aprendizado é alinhado às atividades corporais e artesanais. 

Nesta abordagem, os alunos são divididos em faixas-etárias – não em séries – e não há repetência, por acreditar que o ritmo biológico de cada um não pode ser mudado. A alfabetização também só se inicia a partir do primeiro ano do Ensino Fundamental: a proposta é, sobretudo, valorizar as potencialidades individuais, integração social da escola e da família, imaginação, criatividade, arte e as habilidades em resolver problemas.

“Há testes, mas há outros aspectos que compõem a avaliação, tais como o envolvimento, o trabalho realizado e a participação. A avaliação é sempre contínua e paralela, para orientar a  prática pedagógica e os reforços necessários”, explica Maria Zita Braga Jacob Cecchini, diretora do Colégio Waldorf Micael de São Paulo, na capital paulista. Na escola, o mesmo professor (além dos professores de matérias) acompanha os alunos do 1º ao 9º ano, para que possam criar um vínculo profundo com as crianças e suas famílias. 

Em seu cotidiano, o Colégio Waldorf Micael, que recebe alunos do Ensino Infantil (com idade mínima de dois anos) ao Ensino Médio, conta com atividades como jardinagem, teatro, euritmia, ginástica Bothmer, agrimensura, astronomia, estágio agrícola, mosaico e marcenaria, por exemplo. E a música é uma disciplina curricular desde o Ensino Infantil, com aulas de canto e vários instrumentos, do kântele ao violino.

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Reprodução/Facebook Colégio Waldorf Micaell

Na pedagogia Waldorf, por exemplo, o contato com a natureza é fundamental

Montessori

Esta linha pedagógica foi proposta pela médica e pedagoga italiana Maria Montessori (1870-1952), uma das primeiras a inserir questões afetivas na educação. No Brasil, ela começou a se popularizar somente no final dos anos 1980.

Maria Montessori elaborou uma teoria científica do desenvolvimento infantil com foco no ensino ativo, no qual a criança cria um senso de responsabilidade a partir de seu próprio aprendizado. Primeira mulher italiana a se formar em medicina, ela dizia que o ambiente precisa ser rico em estímulos que despertem o interesse pela atividade e convidem a criança a conduzir suas próprias experiências.

A pedagogia montessoriana acredita que a concentração e o desenvolvimento infantil acontecem por meio da manipulação de objetos. Na sala de aula, tudo deve estar à altura das mãos das crianças e o professor é considerado um guia para o aprendizado.

A diretora pedagógica da Prima Escola Montessori, em São Paulo, Edimara Lima, explica que ser montessoriano é, antes de tudo, ser um estudioso. “Um dos princípios de Montessori é a Educação Científica. Isto nos obriga a estudar e inserir no nosso cotidiano as conquistas, descobertas e pesquisas da Psicologia, da Pediatria, e hoje da Neurologia, mais do que tudo”, diz.

A escola, que recebe crianças do berçário (a partir de quatro meses) ao Ensino Fundamental 2, segue totalmente a linha montessoriana, com base em observar, buscar embasamento teórico e intervir. “Na sala montessoriana, como me explicou um garoto de quatro anos, ‘a gente brinca e a professora olha’”, relata Edimara. Segundo ela, isto permite que cada um mantenha seu ritmo de aprendizagem, sem pressões demasiadas ou cobranças descabidas. Cada um tem seu tempo e o apoio necessário para trabalhar a si mesmo. 

A pedagoga, que também faz parte do Conselho Nacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia, diz que a escola é uma grande vivência democrática, construída e reconstruída cotidianamente, mas com limites. “As crianças e os jovens devem ser autores do aprender e explorarem suas potencialidades e talentos. Isso não se aprende ouvindo, mas sim vivendo”, conclui.

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Reprodução/Facebook Escola Projeto Vida

Explorações e descobertas sensoriais no dia a dia da escola

Pikler

Esta abordagem foi desenvolvida após a Segunda Guerra Mundial, em Budapeste, na Hungria, e apresenta uma atenção especial para a construção da autonomia dos bebês e crianças de zero a três anos. A abordagem Pikler é seguida por algumas escolas no Brasil.

Com princípios como a construção da autonomia, motricidade livre e segurança afetiva, essa abordagem acredita que a capacidade de aprender está na criança.

A escola Aroeira, que atende crianças de zero a seis anos de idade, em Guarulhos (SP),  tem os princípios de Emmi Pikler como base de sua filosofia, mas também é influenciada pelo Interacionismo Sociodiscursivo (incentivo às produções de textos orais dos bebês e crianças pequenas) e na Ludicidade (incentivo à aprendizagem da livre construção de jogos e brincadeiras).

Na escola Aroeira, além do movimento livre e autonomia dos bebês, a afetividade entre educadores e crianças também é valorizada.

“Momentos como os de troca, banho e alimentação são de extrema importância e exigem conhecimento, tranquilidade e carinho, além de serem reconhecidos como parte do processo de aprendizagem”, conta o diretor da instituição, Wellington Domingos.

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Divulgação/Escola Aroeira

A escola Aroeira se inspira em processos de interação das crianças entre si, com educadores e com objetos, por exemplo, para o desenvolvimento das dimensões psicomotora, afetiva e social infantil

Reggio Emilia

Esta é uma abordagem pedagógica que nasceu em 1946, em Vila Cella, uma cidade no norte da Itália, devastada pelo pós-guerra. Liderados pelo professor Loris Malaguzzi, um grupo de pessoas que buscava reconstruir a história cultural, social e política do território, implementou uma proposta inovadora para a educação infantil, que seria reconhecida mundialmente por Reggio Emilia. 

Voltada para creches e pré-escolas, a abordagem pedagógica foca no desenvolvimento do protagonismo infantil, bem como do espírito investigador e comunicador das crianças. Nesse processo, o professor é um guia, mas também um aliado na aprendizagem, assim como as famílias, já que a base de todo o sistema educacional é a cooperação.  

Autor de “As cem linguagens da criança”, Loris Malaguzzi acreditava que os pequenos possuem grande potencial de desenvolvimento a partir das experiências diárias, do manuseio de objetivos, do brincar, do canto, do sonho e das emoções. Isso nada mais significa do que dizer que a criança aprende e se expressa por meio de múltiplas linguagens, que devem ser estimuladas. Portanto, nessa abordagem, o ambiente é visto como um professor e a arte é muito valorizada. 

Paulo Freire

Patrono da educação brasileira, Paulo Freire (1921-1997) foi defensor de uma educação democrática, crítica e emancipadora. Era contrário à “educação bancária”, de modelo burguês, ou aquela em que o professor se coloca como transmissor de saberes, em uma abordagem verticalizada e que considera alunos vazios de conhecimento válido. Sua proposta era a horizontalidade, pautada na valorização do contexto de vida de cada ser, onde e para onde a prática da aprendizagem deveria estar pautada. 

O autor é conhecido pelo método de alfabetização de adultos e por obras famosas como “Pedagogia do oprimido”. Entre as chaves do método de alfabetização freireano estão as palavras geradoras, isto é, palavras-chave oriundas do contexto de vida dos educandos. Isso significa que em vez de utilizar, por exemplo, “engarrafamento” em escolas caiçaras, é muito mais significativo e proveitoso trabalhar com “peixe”, “barco” e “mar”. As demais aprendizagens podem surgir dos desdobramentos da leitura dessas palavras. 

Para Paulo Freire, o aluno precisa ‘ler o mundo’ para poder transformá-lo 

A alfabetização, portanto, era vista por Freire como um meio de romper a cultura do silêncio, especialmente para os “oprimidos” ou populações mais vulneráveis, foco dos estudos do autor. A chave dessa abordagem é conscientizar o aluno, ajudá-lo a compreender a situação em que está inserido e promover uma leitura crítica da realidade. A função da escola, segundo ela, é inquietar os alunos, ajudando a desenvolver curiosidade, criatividade e espírito investigador, sem jamais acomodá-los. O papel do professor nesse processo é mediar o conhecimento, afinal, assim como nenhum conhecimento é mais valioso que outro, também é certo que ninguém aprende sozinho. O sujeito da criação é coletivo.

Afinal, como escolher?

Apesar de estarem atentos às linhas pedagógicas e tendências que desafiam a educação tradicional, é importante não se prender a rótulos e analisar de perto as práticas realizadas em sala de aula para, então, decidir se as atividades são coerentes aos princípios da família. Vale ressaltar que, no Brasil, as escolas com as abordagens listadas costumam ser particulares, ou seja, gera um custo (às vezes bem alto) e, por isso, não são acessíveis a tantos alunos. 

De acordo com a assessoria técnico-pedagógica do Instituto Alana, também é importante ter em mente que duas escolas com uma mesma linha pedagógica podem ter aspectos diferentes, sendo uma mais tradicional e outra mais alternativa. Isso porque a avaliação de uma escola pode ser a partir de uma tendência tradicional aplicada em aspectos como o espaço físico e uma tendência crítica no currículo. Portanto, além de atentar às linhas pedagógicas, é preciso identificar as tendências pedagógicas que orientam o pensamento das escolas. 

Ainda, independentemente da abordagem pedagógica, a criança ou o adolescente somente terá satisfação e bom rendimento escolar se tiver identificação com a instituição de ensino.

Por isso, é sempre importante observar a personalidade dos filhos antes de começar a busca por uma escola.

Luciana Barros de Almeida, da ABPP, explica que a criança tem facilidade e flexibilidade para se adaptar a diversas propostas de ensino e, portanto, pode mudar de escola, se for necessário. “Quando o tempo de adaptação escolar for superior a um mês, talvez seja o momento de analisar e considerar a troca de abordagem”, diz.

* Para a atualização desta matéria, colaborou Camilla Hoshino.

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