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Capa do livro "Jaxy Jaterê", de Geni Núñez

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Capa do livro "O Saci verdadeiro", de Olívio Jekupé

lang="pt-BR">Saci, Jaxy, Djatchy: quem é ele, afinal?
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Saci, Jaxy, Djatchy: quem é ele, afinal?

Na imagem, capa dos livros "O Saci Verdadeiro" de Olivio Jekupe, e "Jaxy Jaterê", de Geni Núñez.

Jaxy Jaterê é um ser que mora na floresta, de pele da cor da terra, dois braços, duas pernas e cabelos lisos, pretos como a noite. Muito sabido, entende tudo sobre as plantas e é amigo delas. Conhece as ervas e os chás que curam as doenças do corpo e tranquilizam o coração. Com essas características, o livro “Jaxy Jaterê” (2023), de Geni Núñez, nos apresenta a figura do Saci Guarani, também conhecido como “Djatchy”.

“Para ele, quando a gente cuida da floresta, a floresta cuida da gente, pois nós também somos a floresta”

Na obra, ele não é nada parecido com o “moleque endemoninhado”, “perneta” e com “olhos de fogo”, como descreveu Monteiro Lobato, no início do século passado. As atribuições negativas partem de uma pergunta que o escritor fez aos leitores do jornal “Estadinho”, em 1917, e que foram reunidas em “O Saci-Pererê: Resultado de um Inquérito” (1918). Lá, o Saci aparece várias vezes como “diabinho”, “negrinho” e “cara de macaco”. Assim, essas expressões o popularizaram como uma figura folclórica.

“Na década de 1910, só uma elite econômica, branca e muito pequena no Brasil podia escrever para um jornal”, explica o historiador Guilherme Bertolino, também integrante do coletivo “Fora da Garrafa“. “De maneira geral, o que os Sacis fazem qualquer criança ou adulto pode fazer: brincadeiras. Mas quando são corpos não-brancos fazendo, como negros ou indígenas, geralmente esses comentários vêm carregados de adjetivos racistas”.

Mas, então, quem é o Saci?

Núñez descreve Jaxy como o grande mestre das medicinas. Ele gosta de brincar à noite e tem um assobio bem alto, que deixa perdido na mata para sempre quem tenta fazer mal à floresta.

A interação com a terra, com as plantas e com os demais seres não humanos é parte central das brincadeiras originárias, e é através das histórias sobre os seres encantados que as crianças vão aprendendo que tudo tem espírito, que toda vida é digna de ser respeitada”, conta Núñez. Ela explica que, nas histórias indígenas, os seres encantados aparecerem como guardiães da floresta ensina desde cedo que o contato “com demais seres deve ocorrer sem exploração, de maneira respeitosa e carinhosa”.

“Para nós, o Jaxy Jaterê é o protetor da floresta, moradia dos espíritos, e desde criança aprendemos a respeitá-lo”, conta Olívio Jekupé, escritor guarani de literatura nativa.

Em “O Saci Verdadeiro” (2021), um dos livros de Jekupé, a força da entidade vem de seu colar de sementes, enquanto sua sabedoria vem do petynguá – cachimbo sagrado dos indígenas guarani. Para Jaxy, pitar (ou cachimbar) é uma forma de pedir proteção para que nada de ruim aconteça na floresta.

Meu quintal pode ser meu quintal. A partir do momento em que eu saio dele e vou para a floresta, ali passa a ser o território dos espíritos. Quando vamos para o meio da mata, vamos com o cachimbo, porque, ao pitar, pedimos proteção para entrar no meio da floresta e o Jaxy sabe que você o respeitou”, conta.

“Quando acabam com a floresta, o Jaxy fica sem força porque lá é a moradia dele”

Se o Saci é indígena, de onde veio a figura do Saci negro?

Há várias histórias que associam o Saci a uma figura negra, ressalta Bertolino. O historiador conta que todas têm relação com o período da escravidão. Entre as mais conhecidas está a que os Sacis lutavam capoeira. “Em uma luta, um Saci teria levado um chute muito forte, que fez com que a perna fosse amputada”. Ainda há a história de que o Saci era escravizado e sempre fugia. “O senhor de engenho o capturava novamente e uma vez prendeu sua perna com um grilhão. Então, Saci teria cortado a própria perna para ter sua liberdade”, conta.

Apesar de Núñez relatar que as “travessuras” dos Sacis, como trocar sal pelo açúcar, são voltadas aos caçadores que desejam causar mal a floresta, elas também costumam ser atribuídas aos negros no período colonial. “De noite, os negros faziam vinganças contra os senhores de engenho, como amarrar os rabos dos cavalos. Quando amanhecia, diziam que não eram eles e sim ‘o negro de uma perna só’, protetor das florestas na África”, compartilha Jekupé.

Sacis não vêm do candomblé

Embora as histórias popularizem a figura do Saci a um corpo negro e à influência dos cultos africanos, a entidade Jaxy Jaterê é exclusiva dos indígenas. É o que ressalta a ialorixá Suzane Vasconcellos. Ela lembra que, no candomblé, Aroni e Ossaim são orixás associados às matas, ervas e plantas venenosas. Contudo, não são Sacis. Eles têm o poder das folhas e ervas medicinais, utilizadas por todo o candomblé e umbanda para fazer banhos e processos medicamentosos.

“Ossaim é o lado positivo, das ervas que curam, enquanto Aroni trata do lado negativo, das ervas que matam. São os dois juntos que detêm o poder da magia”, explica. A semelhança das figuras se dá na ligação com a floresta. Mas o culto das entidades é mais incomum no Brasil, sendo feito mais por babalaôs (sacerdotes do culto iorubano) na Nigéria e Cuba.

Entre as disputas e representações do Saci

Bertolino defende que a “disputa narrativa” do Saci é importante há muito tempo, sobretudo para não perpetuar e reproduzir estereótipos racistas . A arte, portanto, é fundamental, já que permite às crianças e aos adultos mudarem a visão sobre a figura. “Educar com arte é não só passar conhecimento, mas também aprender pela troca, com novas experiências e visões de mundo sobre esse tema”.

Nesse sentido, em contraposição ao dia das bruxas, o Brasil celebra o Saci também no dia 31 de outubro. Bertolino explica que a comemoração na mesma data é “justamente para combater a cultura que toma todas as atenções para si e desvaloriza conhecimentos e saberes próprios daqui”. O historiador comenta que, por serem protetores da natureza e dos animais, uma bandeira associada aos Sacis é “a resistência à cultura imperialista e estrangeira que destrói o meio ambiente”.

“Temos feito um esforço, em nossos povos, de manter sempre viva a memória de nossas narrativas ancestrais. Então a literatura indígena, fundamentalmente oral, é um dos nossos grandes meios para isso”, ressalta Núñez. Ao mesmo tempo, Jekupé sugere que a história do Saci também deveria ser escrita por povos do candomblé, para que as pessoas entendam que a crença vai além “da lenda preconceituosa escrita por Monteiro Lobato”. Para ele, existe tanto o protetor das florestas guarani quanto o protetor das florestas de origem africana. Porém, Lobato modifica essas histórias e reduz apenas ao que “o branco conhece como lenda”, diz. “Mas a nossa história e a do povo africano não são lendas ou mitos, e sim histórias, crenças. É muito importante contar as duas histórias, por isso ensinamos para nossas crianças desde pequenas”, finaliza o escritor.

“As pessoas matam as nossas histórias e daí o que acontece? Vira lenda.”

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