Punir pode acabar com o bullying e o cyberbullying?

Lei que prevê multas e reclusão como punição para quem pratica bullying e cyberbullying é questionada por especialista, que defende a escuta ativa de estudantes

Célia Fernanda Lima Publicado em 17.01.2024
Imagem ilustra matéria sobre a criminalização do bullying e cyberbullying e mostra um menino pequeno sentado em uma escada, escondendo o rsto atrás dos braços. Ao lado, uma mochila.
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Resumo

Pela primeira vez, o bullying e o cyberbullying são considerados crimes e terão punições previstas por lei. Apesar da medida ser uma resposta à proteção das crianças e adolescentes, a redução da responsabilidade coletiva é questionada por especialistas.

A partir deste ano, o bullying e o cyberbullying são crimes passíveis de punições. A nova lei, que o Governo Federal sancionou esta semana, diz que quem “intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo” pode receber punição com multas e até reclusão de 2 a 4 anos.

A lei se estende para o ambiente virtual, mas visa a proteção de crianças e adolescentes, sobretudo no contexto escolar. Desse modo, ela responde diretamente às ações de combate à violência nas escolas, que aumentou no ano passado. Entretanto, especialistas e instituições de proteção à infância questionam a criminalização do bullying e do cyberbullying. Rodrigo Nejm, doutor em Psicologia Social e consultor em educação digital do Instituto Alana, diz que, embora tenha efeito positivo nos casos graves, ainda há muitos pontos de atenção e outras prioridades a considerar.

“É importante recuperar o aspecto multidimensional do bullying e cyberbullying, pois são fenômenos que não se limitam à questão jurídica. Portanto, olhar pelo viés criminal faz parte, mas é algo pontual diante de um cenário maior”, analisa Nejm. Para ele, a prática é “mais um problema de convivência, valores e padrões de comportamento do que um crime restrito a um indivíduo contra o outro.”

O que diz a nova lei?

A Lei 14.811 prevê medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nos estabelecimentos educacionais. Assim, ela altera alguns artigos de leis que já existem, como o Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Sobre a criminalização do bullying e cyberbullying, o texto explica que, para a “intimidação sistêmica (bullying)”, a pena é de multa em casos que não forem considerados graves. Já para a “intimidação sistemática virtual (cyberbullying)”, a pena é de reclusão, de dois a quatro anos, e multa, se não for mais grave. A lei considera cyberbullying qualquer prática de intimidação feita em rede de computadores, rede social, aplicativos, jogos on-line ou qualquer outro ambiente digital, como, por exemplo, transmissões em tempo real.

“É preciso olhar para a leis que já existem”

Não é a primeira vez que a legislação brasileira discute o bullying. Em 2015, a Lei 13.185 criou o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, mas não apontou a prática como crime, nem punições. A proposta era mudança de comportamento e prevenção, principalmente no contexto escolar. Em 2016, outra lei instituiu 7 de abril como o Dia Nacional de Combate ao Bullying. Além disso, em 2018, a Lei de Diretrizes de Bases e Educação (LDB) incluiu um decreto para que as instituições de ensino promovam conscientização, prevenção e combate a todos os tipos de violência, especialmente o bullying.

Por isso, Rodrigo Nejm esclarece que, apesar da criminalização dar respostas à impunidade em casos mais graves, é necessário ampliar as leis anteriores. “Há outros pontos prioritários que esta lei não endereça. Um exemplo é a estrutura dos fluxos de proteção formada por conselhos tutelares, delegacias, famílias e escolas como rede de mediação e cuidado.”

Sobre o cyberbullying, a preocupação é deixar de lado outras discussões necessárias, ao mesmo tempo em que apenas uma prática terá punição. “Já temos leis e políticas das próprias plataformas digitais, mas ainda falta uma resposta. Existe também o perigo de mascarar outras situações de crime no cyberbullying, como racismo, homofobia e intolerância religiosa”, explica. Por isso, Nejm defende aprofundar as discussões sobre a regulamentação das plataformas digitais e a urgência da proteção de crianças e adolescentes nesses ambientes. “Sem essa conexão, tudo fica no vazio.”

Acabar com o bullying inclui ouvir as crianças

Concluindo que o combate ao bullying é um problema de socialização, o psicólogo sugere a educação e a mediação como o melhor caminho. “É preciso ensinar crianças e adolescentes a mediar e a viver as situações de maneira pacífica e ética. A escola não é lugar de denúncia e polícia, mas de aprendizagem.”

Uma solução é a escuta ativa dos próprios estudantes, principalmente os adolescentes, para entender melhor os contextos em que o bullying e o cyberbullying estão presentes e suas consequências. Assim, Njem destaca que incluir a participação da  comunidade escolar e dos estudantes é um aspecto positivo da nova lei. “Estimular políticas públicas que tenham a participação direta dos estudantes ajudaria a encontrar respostas. Tal protagonismo é necessário para que as medidas atendam, de fato, a realidade que eles vivem. Os conselhos escolares, por exemplo, já apresentam construçõess nesse sentido com soluções que podem ser mais eficientes.” 

“O bullying não é um um crime restrito a um indivíduo contra o outro, mas é um problema de convivência e socialização que aprendemos ao longo do desenvolvimento enquanto crianças e adolescentes” – Rodrigo Nejm

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