Publicidade no álbum da Copa do Mundo induz crianças ao consumo

Figurinhas do álbum vinculadas a uma marca de refrigerante acendem alerta sobre exploração comercial infantil, que é abusiva e ilegal

Paula Johns Carlota Aquino Publicado em 21.11.2022
Um menino de camiseta amarela está segurando uma bola. Atrás dele, em preto e branco, páginas do álbum de figurinhas da Copa do Mundo
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Resumo

Figurinhas do álbum vinculadas a uma marca de refrigerante acendem alerta sobre exploração comercial infantil, que é uma prática abusiva e ilegal.

A cena ficou comum nos últimos meses: crianças e adolescentes trocando figurinhas com imagens de jogadores de futebol para completarem o álbum da Copa do Mundo, reunidos em pracinhas, em frente a bancas de jornais ou no pátio da escola, muitas vezes acompanhados por adultos, também aficionados e nostálgicos de suas próprias infâncias.

Diante de um dos eventos esportivos que mais mobiliza brasileiros e brasileiras – sobretudo as crianças – é preciso chamar a atenção para a publicidade voltada ao público infantil. Ainda que não tenha sido pensada exclusivamente para elas, há duas páginas especiais da Coca-Cola no álbum que acaba impactando as crianças. As oito figurinhas, conhecidas como “Team Believers“, são encontradas na parte interna dos rótulos de refrigerantes a partir de 1,5 litro da marca. No afã de completar o álbum, qual criança não vai pedir aos seus cuidadores para comprarem uma garrafa de Coca-Cola? Outra forma de conseguir as figurinhas é por meio do serviço de cromos faltantes da Editora Panini Brasil, o que é pouco divulgado.

Em maio deste ano, o Programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, acionou a editora Panini por meio de uma carta para que não realizasse a “entrega de produtos ou atividades de entretenimento, diversão e aprendizado em ambiente escolar”, como ocorreu na Copa de 2018. A editora se comprometeu a não praticar “exploração comercial infantil na divulgação do álbum de figurinhas da Copa do Mundo 2022”. No entanto, a inclusão de figurinhas vinculadas ao refrigerante não é uma prática de exploração comercial infantil?

A legislação brasileira é explícita sobre a proteção especial às crianças em relação aos abusos do mercado: o artigo 227 da Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determinam que as crianças são prioridade absoluta no Brasil e que é dever do Estado, da família e da sociedade assegurar seus direitos. O Código de Defesa do Consumidor (CDC), por sua vez, considera a publicidade infantil abusiva e ilegal. Há ainda a Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que detalha o conceito de abusividade em publicidades e comunicações mercadológicas direcionadas ao público infantil.

Além de desrespeitar essas leis, esse tipo de prática contraria o acordo assinado em 2013 pela Coca-Cola de não fazer publicidade voltada a crianças menores de 12 anos. Em 2016, a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas (ABIR), que tem entre seus associados a Coca-Cola, a Pepsico e a Ambev, anunciou que não fariam mais publicidade direcionada a esse público. 

Por que associar bebidas açucaradas a um campeonato mundial esportivo se os refrigerantes estão relacionados a graves problemas de saúde, como obesidade e diabetes, e devem ser evitados em especial por crianças, adolescentes e jovens, como recomenda o Guia Alimentar para a População Brasileira, do Ministério da Saúde? Crianças brasileiras consomem mais de 88 litros de bebida açucarada por ano. Como consequência, 21% desse grupo – o que equivale a 721 mil crianças e adolescentes – estão com obesidade ou sobrepeso, segundo dados da ACT Promoção da Saúde.

A prática de esportes, por outro lado, é um direito garantido pelo ECA por causa dos benefícios à saúde e interação comunitária que oferecem, desde que “respeite sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”, como determina o artigo 71.

Uma vez que crianças de até oito anos não conseguem diferenciar uma publicidade de um conteúdo da programação de uma emissora de televisão, por exemplo, mães, pais e cuidadores devem estar atentos às estratégias das grandes empresas para influenciar o consumo alimentar infantil. Após essa idade, já é possível diferenciar, mas não compreender que a mensagem visa convencê-la a fazer ou consumir algo. 

Esse tipo de publicidade é abusiva e causa uma série de danos ao desenvolvimento pleno de meninas e meninos

Para denunciar essa prática ou ter mais informações sobre o tema, acesse o Observatório de Publicidade de Alimentos (OPA)

* Paula Johns, Diretora Executiva da ACT Promoção da Saúde, membro do Conselho do GAPA – Global Alcohol Policy Alliance, da NCD Alliance e do Comitê gestor da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável. Carlota Aquino, Diretora Executiva do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e membro do Conselho Fiscal do IEMA e do Greenpeace.

** Este texto é de exclusiva responsabilidade dos autores e não reflete, necessariamente, a opinião do Lunetas.

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