Paternidades diversas: ‘o amor não vem pronto, é uma construção’

Quanto mais cedo as crianças se reconhecerem no lugar do cuidado, melhores estaremos encaminhados para uma sociedade mais igualitária

Mayara Penina Publicado em 05.09.2017

Resumo

O III Seminário Nacional Paternidades e Primeira Infância trouxe discussões que deram visibilidade às paternidades diversas e às múltiplas experiências de pais em busca de uma sociedade mais afetiva e justa.

Como o próprio título indica, quando o assunto é paternidade, não existe um modelo só, e é preciso ter um olhar disposto para a multiplicidade do assunto para chegar a um diálogo saudável. A Rede Nacional Primeira Infância, por meio do Grupo de Trabalho “Homens pela Primeira Infância”, realizou nos dias 1 e 2 de setembro, em São Paulo, o “III Seminário Nacional Paternidades e Primeira Infância: avanços e desafios do cuidar”.

Quem esteve lá, pode participar de discussões que deram visibilidade à diversidade de experiências dos pais como a de pais homoafetivos, pais encarcerados, além de abordar temas como a ampliação da licença-paternidade, guarda compartilhada e educação para a igualdade de gênero.

A paternidade afetiva tem um impacto importante no desenvolvimento físico, emocional e social dos filhos, trazendo benefícios para toda a sociedade. 

“Quanto mais cedo as crianças se reconhecerem no lugar do cuidado, e entenderem que ele é uma obrigação mas também pode ser um um prazer, melhor estaremos encaminhados para uma sociedade com direitos iguais”

Assim iniciou o debate Flávio Debique, gerente técnico da Plan International Brasil, organização que trabalha pelo direito das meninas.

Leandro Crespo, criador do portal 4Daddy relembrou o motivo pelo qual criou o projeto: “quando me tornei pai, só encontrei textos para mulheres na internet. Então me senti desafiado, pais podem e devem cuidar, sair do papel de coadjuvante, e assumir o papel de protagonista”.

Vital Didonet, assessor legislativo da RNPI frisou que “a forma como bebê é cuidado influencia na forma como a criança será mãe ou pai. Somos criadores do amanhã, anunciamos um novo mundo, um mundo de equidade e justiça.”

É importante frisar que, ao dizer “pai” e  “paternidade”, o seminário incluiu todas as figuras masculinas que são uma referência de cuidado e afeto para as crianças e adolescentes. E isso inclui os padrastos, avós, tios e namorados das mães

O setor empresarial também esteve presente para debater como as organizações comerciais se inserem nesse cenário e podem contribuir para a igualdade de gênero e garantia dos direitos das crianças. Marina Leal, que trabalha na área de recursos humanos da Natura Cosméticos contou a experiência da empresa com a ampliação da licença paternidade para 40 dias. Ela contou que, apesar de ser um benefício, a aderência dos colaboradores é de 80 %. Ou seja, ainda há um caminho a ser percorrido para que haja uma mudança de cultura.

A Natura também oferece berçário e creche para os filhos das colaboradoras, até completarem três anos de idade, o que permite que as mães amamentem durante a jornada de trabalho. A empresa também faz parte do Programa Empresa Cidadã, cujas participantes concedem licença maternidade de seis meses a suas colaboradoras – mais que os quatro meses previstos em lei.

Valorização da paternidade nos serviços de saúde

Em 2002, a Prefeitura do Rio de Janeiro criou o Movimento pela Valorização da Paternidade. Este grupo vem implementando iniciativas em diferentes setores para ampliar o envolvimento dos homens no cuidado com crianças e adolescentes. De acordo com o movimento, o envolvimento do pai nas ações de cuidado é um dos recursos mais importantes e, no entanto, mais mal aproveitado na promoção da saúde e do desenvolvimento das crianças.

“Os próprios serviços de saúde, muitas vezes denominadas materno-infantis, contribuem para afastá-los, reforçando a concepção de que o cuidado é responsabilidade exclusiva das mulheres”

Uma pesquisa realizada pela Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, durante  campanha de Vacinação de 2005, revelou que 84% dos bebês conviviam com os pais, apenas 4% não tinham contato algum.

Quem contou essa experiência foi a médica pediatra Viviane Castello Branco. Ela defende que os serviços de saúde podem se estabelecer como um espaço privilegiado para a formação dos novos pais. “Não é no teste de gravidez que o pai se conecta com o bebê. Até cair a ficha do homem, até ele ouvir os batimentos, é um processo. Os homens não estão em sintonia direta com o bebês, é uma relação muita mais abstrata. E nos serviços de saúde, a tradição é a de atender as mulheres, de procurar as mães. Os homens se sentem incompetentes frente a uma atividade tão complexa”,  explicou.

Este trabalho iniciado no rio de Janeiro deu frutos: a Casa de Parto David Capristano, considerada referência no atendimento ao parto humanizado, possui um grupo de discussão de pais. A iniciativa nasceu a partir de uma demanda dos próprios homens que não se sentiam muito à vontade para se expressarem nos grupos que já são realizados pela instituição. As reuniões têm tido um papel importante na acolhida de pais ou futuros, no que diz respeito às suas incertezas e sofrimentos relativos a experiência da paternidade.

A paternidade cuidadora promove saúde

  • Contribui positivamente para o bem estar de toda a família, principalmente com relação ao desenvolvimento físico, emocional, intelectual e social das crianças;
  • Os pais enriquecem a vida dos filhos com formas de expressar afeto e cuidado que podem ser diferentes das expressas pela mãe;
  • Diminui a sobrecarga de trabalho das mulheres com o trabalho fora e dentro de casa;
  • A dedicação amorosa aos filhos favorece ainda os próprios homens, ampliando suas vivências masculinas.

Pais encarcerados

“O interesse superior da criança não é levado em conta quando os pais estão encarcerados. As crianças têm o direito de usufruir da paternidade mesmo que seu pai tenha cometido um delito”. É o que defende  Markinhus Sousa, do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua – MNMMR.

Com um pai ou membro da família em situação de cárcere, toda dinâmica familiar é alterada, e passa a fluir tendo, como ponto central, o pai encarcerado. Novas obrigações assumidas e até constrangimentos morais, passam a fazer parte da vida das famílias.

Estima-se que pelo menos dois milhões de crianças tem algum parente adulto encarcerados, mas, “o maior dado é não ter dados sobre essas crianças invisíveis”, lamentou Markinhus. Ele apresentou dados preliminares de um estudo maior sobre o tema que será lançado em novembro. 

Paternidade adotiva

Para falar sobre ser pai adotivo e homossexual esteve presente no seminário o ativista Fabio Paranhos, que é homossexual e pai solo de uma menina, hoje com 20 anos. Ele é um dos autores do livro “Coragem de ser” que traz 15 depoimentos de homens que assumiram a homossexualidade depois de ter formado uma família. A vergonha, a dor e a culpa aparecem nos relatos, assim como a esperança, a capacidade de superação e o amor incondicional pelos filhos.

Paranhos também é um dos fundadores do grupo Homopater, que reúne pais homossexuais  mensalmente para compartilhar histórias, dar e receber apoio e discutir estratégias para viver melhor desde que se reconhecem e se assumiram como homossexuais.

Como pai adotivo, resolveu amparar outras famílias com vontade de adotar e também criou o Projeto Acolher, grupo de apoio à adoção e à convivência familiar, fundado em 1999. O Acolher é espaço de reflexão e acolhimento às pessoas que se tornaram pais ou filhos pela adoção; que aguardam a chegada de seus filhos e que identificam-se e interessam-se pela situação das crianças e adolescentes impossibilitadas de permanecer em suas famílias de origem.

“O amor não vem pronto, é uma construção”, disse Fabio sobre sua experiência

Paternidade negra

Sentado na plateia o pai Josimar Silveira, falou do lugar que ocupa como pai: pai negro, em tempo integral e morador da periferia de São Paulo. “Ser um pai negro, presente, que cuida dos filhos em período integral, dividindo com a esposa todas as responsabilidades da casa e da família, é antes de tudo uma quebra de paradigmas, se levarmos em conta a imagem estereotipada atribuída ao homem negro e, na maioria das vezes introjetada por ele, de um homem irresponsável, mulherengo, machista, que não é capaz de cuidar dos seus filhos”.

Silveira é autor do canal Família Quilombo, num contraponto divertido com as famílias representadas em comerciais de margarina. “Nossa família tem mamãe, papai, filhinho e filhinha, mas está longe de ser uma família Doriana! Temos doçura (às vezes) e uma boa dose de melanina!”, dizem.

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